quinta-feira, 11 de abril de 2013

Palavras Mortas

foto: A&M ART and Photos

Há na tua pele o desejo da chuva
até às ondas que o vento chora
há em ti um coração em sofrimento
porque no mar vive a madrugada molhada
há na tua pele o silêncio
e a plenitude corpuscular que o amor semeia nas ardósias em migalhas,

Há nos livros do prazer
palavras mortas
cansadas
obviamente destinadas a envelhecerem
nas tuas mãos acorrentadas ao destino cansaço
e há sem o saberes as flores em esqueletos putrificados,

Há momentos de tristeza
suspensos em cortinados que a manhã abandonou nos caminhos de ninguém
há coisas que parecem belas
e não o são
porque elas
essas mesmas coisas não são mais do que as sombras empoleiradas nas árvores de ontem...

Impavidamente sinto-os e sei que dormem dentro do teu corpo
nu e deitado no cadeirão de milho
com barbatanas de chocolate
há na tua pele o esplendor do abraço
sabendo eu que amanhã nascerá um novo amor
sobre os teus ombros amordaçados.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Domingo se verá se o comboio...

foto: A&M ART and Photos

Subo a calçada em direcção ao cais dos alicerces desgovernados, casas desesperadas, entre lágrimas e madrugadas, uma porta de madeira, antiga, com um ferradura imprimida pela sombra da mão do Senhor Excelentíssimo Doutor Francisco Cagarolas, doutorado em literatura e vinho louco, quase sempre, sentado, numa tasca rasca, entra-se e ao lado direito há uma mesa velha com uma toalha de plástico, as cadeiras tremem e oscilam, parecem tartarugas sobre as areias movediças da cidade dos cães, acendiam-se as luzes que quase pareciam velas de sabão, e ele ali dormia as tardes, lia e escrevia, e bebia frases complexas e quase inacessíveis aos restantes companheiros de viagem, abria a janela, e deixava entra o ar da ruela meia escura, cinzenta, nunca mais do que dois metro de largura, e quase que se tocavam as fachadas, diria mesmo que em altas horas da madrugada. Elas abraçavam-se e faziam sexo, elas desejavam-se como se desejam os orgasmos das flores depois de colhidas pelas mãos da empregada, vestida com uma saia não mais comprida do que o joelho, e vestia uma camisola onde nem os alicerces dos seios eram visíveis a olho nu, e talvez só com uma lupa se conseguisse determinar os pontos exactos onde começavam e acabavam, e pegava-se no teodolito e ele todo inclinado, meio embriagado, dizia-nos que os seios da empregada do senhor Doutor começavam em Cais do Sodré e terminavam em Santa Apolónia, meia-noite, comboio até ao Porto, ele dormia, ressonava, fumava cigarros até que um deles ficou-se a dormir e queimou-lhe dois dos cinco dedos da mão direita, a princípio tinha o vício de segurá-los com a mão esquerda, começaram a insinuar-lhe palavras de repúdio, e ele, começou depois disso a pegar-lhes com a mão direita, apesar de ser mais firme, sempre é outro estilo
(um outro odor, belo o perfume das coxas da menina Andreia, quando, por engano o Senhor Excelentíssimo Doutro Francisco Cagarolas, e volto-o a frisar, por engano, sentou-se no colo dela, e beijou-a e quando acordou, estava no cais dos alicerces desgovernados, casas desesperadas, entre lágrimas e madrugadas, uma porta de madeira, um janelo tão pequeno que só, e nunca mais do que dez abelhas, conseguiam atravessá-lo, e depois, sobre a mesa, em cima do plástico em toalhas de saudade, gotas de vinho misturadas com água da chuva, e escrevia, e escrevia, que sendo assim, até à próxima, não sei, quando será a próxima viagem a – Belém? - sim, Belém, Tejo adormecido, cadeiras de viagem dentro de malas de cartão, roupa vendida, trocada, roubada)
Na feira da Ladra, vestiam-se de mendigos e recolhiam moedas de escudo, hoje, nem para o “Passe” dos transportes públicos dá, não chega, quando chego eu, ele nunca está, e quando vem ele, eu não sei por onde ando, dizem que se chama Euro, mas poucos começam a colocar-lhe a vista em cima, corre-se a cidade, atravessa-se o rio, e ninguém acredita que depois de amanhã, em Alijó, um Circo famosíssimo vai apresentar o seu grandioso espectáculo, gosto
(apaixonado por Circo desde as idas em Luanda, à vinda, passávamos pelo Baleizão, sentávamos-nos na esplanada e eu saboreava gelados de gelo, porque dos outros – Não gosto desses! - e quis o destino que com quinze anos ele, o Senhor Excelentíssimo Doutor Francisco Cagarolas, apaixonado por uma trapezista, também ela, pobre, oriunda das roulotes em chapa folheada, como as barbas de milho do espigueiro de Carvalhais, não abandonasse a infância e rumasse ao desconhecido casino ambulante das cidades de vidro, a tasca quase que dorme, e das palavras, uma ténue respiração com cheiro a vinho tinto e a pataniscas de bacalhau, acabadinhas de fritar, que maravilha José, sim, sim Senhor Excelentíssimo Doutor Francisco Cagarolas, sim...)
“ o autor sabe perfeitamente que não devia escrever Senhor Excelentíssimo Doutor Francisco Cagarolas, mas sim, Excelentíssimo Senhor Doutor Francisco Cagarolas, mas quer o destino que hoje me apeteça transgredir as regras, todas, da escrita, das palavras e da boa-educação, também hoje não me apetece dormir, comer ou tomar banho”
E depois?
(sinto-me liberto, livre, com asas, e... - Vais-te embora, meu querido? - vou, decidi que vou com o Circo, sempre tem pessoas que me ouvem, compreendem, que pensam como eu, e quem sabe, talvez eu regresse ao passado e encontre a trapezista novinha, na altura, apenas com ossos e pouca ou quase nenhuma carne, abraçava-a e sentia nas minhas mãos, também elas muito frágeis, as costelas, todas, como se tivesse na mão a radiografia do tórax de uma menina que andava sobre um arame e atravessava as ruas em direcção ao pôr-do-sol...)
E depois invento qualquer coisa,
E hoje ainda só é quarta-feira,
Domingo se verá se o comboio...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 9 de abril de 2013

A menina dos rebuçados

foto: A&M ART and Photos

O corpo do texto mergulha na espuma recheada com “Liberation serif”, anunciam que brevemente vai começar a Prova Oral (Antena 3) e sinto-me tão absorvido no diário que brevemente terminará com o regresso do jantar, que desconheço se é em directo ou em diferido, ou qual é o tema, oiço que a Troika vai-nos dar mais sete anos, e não percebi muito bem, mas que de certeza é para nos enrabar a todos, ou só a alguns,
(eu enrabo, tu enrabas, nós todos enrabados e eles enrabam-nos como pequenos grãos de areia sobre a praia das marés embriagadas, televisão, desisto, não vejo e não oiço, vou desligar-me das coisas perfeitas, e fartei-me de tantos comentadores, de política, futebol e afins limitada)
Risos em plena sala, o histerismo das flores sem cabeça (afinal já passou, foi-se e finou-se), página um de um, padrão, Português (Portugal) e clica-se sobre o botão perdido no bolso da camisa, um som melancólico perde-se entre os tijolos das cabeças inseridas nas ranhuras da pele enjoativa com saliências de pólen que as avenidas das cidade esconde, e procuro-me nas sandálias que a menina de chocolate calça, e descalça-se, e descalça corre pela praia, procura-me e não me encontra, perdidos, ao fundo da fotografia, uma rua sem nome, sem idade, eu, nada, apenas converso com os números de polícia, e descubro de no número treze, todos os homens vestiam-se de mulher, mais à frente, no número vinte e cinco, terceiro esquerdo, quatro mulheres trabalhavam em sociedade anónima, SA, cinquenta e cinco escadas, três vezes ao dia, quatro drageias com mel e água destilada...
(INSER – PAD)
A menina dos rebuçados – Coitado, passou-se da cabeça! - injectáveis, e das nádegas dele saem silêncios de luz, durante a noite, ouvem-se nada, nem água, nem telefone, nem carro, nem trovoada, e a menina, diz-se crucificada na parede de betão, vêem-se os ferros doirados com alguma ferrugem junto aos dentes de marfim que os barcos de papel deixam cair, um aqui, outro ali, outro... meninas SA, número vinte e cinco, cinquenta e cinco degraus, chega, fartei-me, cansei-me, e vou voar,
(dois vidros partidos e três telhas desgovernadas contra o automóvel do tio Joaquim, trezentos cavalos, barbatanas de néon, faróis de liga leve, oito metros de adereços sobre a esplanada junto ao rio dos segredos, estou preso na despensa, oiço o pulsar da cozinha, na parede, um calendário, tem uma menina, não tem roupa, a vizinha acusa-me de pornografia, eu discordo, um calendário serve para ver e ouvir os dias, as semanas, os meses, as luas, e claro, as coxas da Gaivota..., dois, ou quatro, e três telhas desgovernadas – Onde puseste as clarabóias da menina Gaivota? - não sei, depois de as ter na mão, voaram, sumiram-se, resumindo, todos)
Enrabados por eles,
(três por cinco)
Quando cinco contos ainda valiam cinco contos, quando o cigano – Primeiro o dinheiro – e eu, pensava, “fodi-me, literalmente”, e não, ciganos honestos,
(três por cinco)
A menina dos rebuçados – Coitado, passou-se da cabeça! - injectáveis, e das nádegas dele saem silêncios de luz, durante a noite, ouvem-se nada, nem água, nem telefone, nem carro, nem trovoada, e a menina, diz-se crucificada na parede de betão...
(INSER – PAD)
Desistes de mim? Eu, eufórico, diabólico, trave de madeira apodrecida, o caruncho mergulha-me nas mãos, oiço os orifícios e cavernas, há minhocas vestidas de Cinderela, trapezistas, malabaristas, e palhaços de gesso com pernas de milho, o circo chegou à cidade do Cio, e o rio, completamente desprovido da roupa tradicional, nu, como as aranhas vagarosas das tardes de literatura, havia barracas de Farturas, Pipocas – O Guru? - e Churros e Amendoins sem casca, eufórico, trave de madeira em suspenso porque o chão derreteu e desapareceu, O BURACO, O DERRADEIRO BURACO, enfim sós, eu e tu, nós, que às vezes
(INSER – PAD)
Que – Vai um pacotinho de Pipocas? - que os taludes da insónia deslizam sobre os lençóis da tristeza, hoje, não sei se voltava a levantar-me da cadeira, começar a caminhar, ir até ao cais, e ver ao longe uma ponte deslizante, como manteiga em fatias de pão, que – Pipocas? - que tudo começou quando ouvi pela primeira vez que havia barbatanas comentadores e lesmas de açorda, e inventam-nos palavras como se as ardósias das Primavera fossem jardins cobertos, uma enorme tenda, um trapézio e palhaços, há Farturas & Churros & Pipocas – Posso experimentar? - claro que não, e o – Lucro? - embrulhadas em folhas envelhecidas de prostitutas amarelas das antigas telefónicas páginas – Parvalhão! - é mais barato, higiénico, e lembra-me a infância, de feira em feira, de cidade em cidade, de mar em mar, de cachimbo em cachimbo, regressei ontem, e foi como se vivesse aqui desde sempre, nasci aqui, e fui concebido ali, mesmo ao lado, lá para as bandas da Vila Alice, - Chique ah – rés do chão, Luanda à esquerda,
(queria falar-vos dos meus passeios de lambreta, eu, o meu pai e a minha mãe, mas o tempo de chuva, inibe-me, e lembra-me as noites junto ao Tejo embrulhado em saliva de charros e eu à frente, em pé, e se me pedisses em casamento, responder-te-ia que... prendia as duas mãozinhas no volante e inventava curvas na Baía de Luanda)
Luanda, a mesma Luanda à esquerda da Vila Alice.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Blogue Cachimbo de Água em destaque - Sapo Angola



segunda-feira, 8 de abril de 2013

A rua dos Caracóis

Não, tenho medo de perceber que a noite acontece, apenas, e só, porque nos teus olhos cresceram as margaridas das madrugadas em flor – Desculpa, onde colocaste a pilha de livros que estavam sobre a mesa da cozinha? - sei lá, talvez, e... - Porquê? - Olha... já viste na casa de banho? Não, tenho medo de
(trazias no bolso a caixa de fósforos, na camisa, sempre acreditei que fossem cigarros, não, não eram, e medo, só, a escrever, sentado sobre um pedaço de xisto, só com duas, colheres, de, prata, sim, eram de prata, e depois ouviam-se-lhes os guisos melódicos das palavras por escrever, mortas, nunca escritas, porque a saudade é de borla, pintavas as telas com acrílicos mergulhados em bagaço, o Conhaque sabia-te a Primavera sem nuvens, sem lágrimas, sem...)
Eras bela, diziam todos os espelhos dos guarda-fato da rua dos Caracóis, e – Porquê? - e porquê o quê? O amor, sabes o que é? Sei o que são rios fingidos como as ervas junto à eira de Carvalhais, e tu
(sentava-me no degrau do palheiro, e quando o vento batia no espigueiro, ouvia, tenho a certeza, ouvia poeticamente os Fingertips sobre a ponte do rio Sul, nas Termas, os patos silenciados pelas cascatas de areia dos olhos tricolores das meninas que brincavam junto às ruínas dos balneários Romanos, e além de ouvir os Fingertips, via o Rei e a Rainha, coitados, tão tristes, e tão belos, e assim se curou o primeiro Rei de Portugal e a última Rainha de Portugal, eu olhava a ponte e apetecia-me abrir os braços e...)
E tu parecias janelas construídas em madeira envelhecida, e sempre encerradas, perdoa-me, mas... tenho medo, do vento, das palavras, das ruas e dos gritos dos pinheiros em castelo – E do silêncio que vinha dos espigueiro recheado de espigas de milho... - e não havia luz que iluminasse as tristes mercearias da rua dos Caracóis, sem candeeiros, sem transeuntes, sem palavras ou traficantes – Uma rua sem traficantes é como um jardim sem flores – ou como um homem sem mãos, ou uma mulher sem pétalas de rosas, e nós tínhamos as canções de Outono regressado dos perfis laminados do inferno complexo de rochas em papel, desenhos na traseira das portas das casas de banho – Fulano é um corno – ou – Imagina a mulher da tua via... agora, imagina-a a cagar – ou – Me liga amor, me liga – e mentalmente fotografava a preto-e-branco as imagens sem literatura, poucas palavras, como as ervas junto ao palheiro, que, de vez em quando, olhavam, acariciavam... o velhinho espigueiro de
(Carvalhais à solta, terreno abaixo, ribeiros submersos em musgo caligrafado pelos olhos das moscas em delírio, e assim, quando o relógio de pulso abria a boca, quando abria, sorria-me em trinta e cinco suaves prestações, e eu, eu recordava-me da tapada com o pulmão ensanguentado de pinheiros, fieitos, e pequenas coisas que o avô guardava dentro de um envelope, e depois, enviava, pelo correio, sem destino, sem direcção, sem nomes, até que um dia descobriu o casebre do monte Desgraçado, e chegava derreado, o Domingo de Páscoa)
Endurecido pelas chamas do insignificante poema à menina Sem Nome, com uma simpática estrutura de madeira assente sobre um esqueleto de pedra, os ossos rijos – Como vão esses ossos Avô Velhinho? - e ele dizia-nos – Tal como quando regressei de França, da Primeira Grande Guerra, meu rapaz – e apenas com uma mão fazia o que eu nunca consegui fazer
(fazer um cigarro)
Tentei, tentei... e desisti quando percebi que os carris onde circulava um comboio de espuma, aquele que às vezes aparece nos sonhos dos meninos, tinha desaparecido, como desapareceram, o palheiro, a eira, o espigueiro e a casa, e quanto à tapada
(fugiram todos os pinheiros mansos)
E os cigarros em prazer de ácidos e argamassas com chocolates embrulhados em telhas de vidro, e sabíamos que as bolas de golfe brincavam sobre a secretária, depois, tínhamos os cachimbos, uns em madeira, dois em vidro e outros dois de espuma do mar, um de água, e um livro com fotografias onde habitavam corpos despedaçados, horrível, horrendo, frágeis as minhas tuas mãos quando nos sentávamos no banco de madeira em frente aos Correios... e não, foi fuzilado por promover o amor, condenado, foi mandado destruir pelas mãos do Presidente da (de) Câmara, e hoje apenas uma fileira de árvores solitárias caminha nocturnamente depois de cair o cortinado da lua, baixam-se as persianas, retiras o penoso soutien de veludo... e – Apetece-me pegar-te na mão e inventar o mar no teu peito! - e eu, apressadamente, erguia âncoras e íamos até ao infinito...
(fugiram todos os pinheiros mansos).


(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha