Imagino-te o centro do
meu sistema solar. Oiço-te dançando na praia à procura das minhas palavras, o
incêndio silêncio da tua presença às conversas suspensas na alvorada,
levantavas-te da cama, acendes um cigarro e, sob o sol solidão de mais um dia,
acorda a primeira Primavera; assim sendo, elimino todas as janelas desta casa
sem comandante, navegando na brisa madrugada.
Temos flores lápides
voando dentro de nós, padecemos dos uivos gritos da coruja que na noite inferno,
quase sempre, transforma todas as sílabas em pequeninas migalhas de pão, caso
contrário, levanta-se o uivo grito da insónia, como sempre, que atravessa as
portadas onde nos escondemos até aparecer em nós o mar.
Os barcos regressavam a
mim todos os santos Domingos, puxava-o pela mão como quem puxa um pequeno
brinquedo, e ele, feliz, corria para me acompanhar;
- Tão grande, pai!
Os barcos eram construídos
em cartolina a fingir e cheiravam a nafta.
- Senti esse cheiro
durante dozes dias e doze noites, sem dormir.
E eu tinha de erguer o
pescoço até ao Céu para escrever com o olhar as lágrimas de um qualquer soldado
perdido entre o capim e os mabecos; diziam que durante a noite se vestia de mulher
e era visto e observado num qualquer bar da cidade.
Descia o cacimbo sobre
nós. Prendia-lhe a mão com a minha mão, e como sempre, ele sentia a alegria e a
felicidade porque eu começava a desenhar barcos na areia do Mussulo; horas
depois, erguia-me entre a fina areia e mergulhava na sombra do medo, quando o
medo ainda habitava dentro de mim.
- Tão grande, pai!
Oiço-te dançando na praia
à procura das minhas palavras, o incêndio silêncio da tua presença às conversas
suspensas na alvorada, levantavas-te da cama, acendes um cigarro e, sob o sol
solidão de mais um dia, pareço o Tejo em pequenos vómitos.
Disseram-me que morreu no
silêncio, como sempre, morre-se no silêncio daqueles que amamos. Trazia na algibeira
as palavras da despedida e, sem dizer nada, virou a cabeça em direcção ao mar
e, partiu.
Voou até ao infinito.
- Morre-se de quê, pai?
Da saudade ao cabaré eram
apenas dois quarteirões de metros lineares, que de vez em quando, dançavam como
dançam as sombras que me acompanham; voou até ao infinito como voam todos os
pássaros cansados. Diziam que ele tinha nascido dentro de um cubo de vidro,
onde juntamente com ele, outros cubos de vidro brincavam às escondidas, como
brincam as sombras que me acompanham.
Como morrem as sombras
que me acompanham.
Imagino-te o centro do
meu sistema solar. Oiço-te dançando na praia à procura das minhas palavras,
como procuram todas as sombras que me acompanham.
- Vive-se de quê, pai?
Da saudade ao cabaré eram
apenas dois quarteirões de metros lineares e, percebo agora que só morrem os pássaros
cansados, como vão morrer todas as sombras que me acompanham. Sós.
- Tão grande, pai!
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 15/01/2022