As mãos,
Vejo-as sobre a fina areia que o
silêncio golpeia nos cascos moribundos de barcos ensonados, são
vermelhas, as mãos, as mãos que o vento trouxe e semeou ao longo de
um triângulo de luz, sem braços, cabeça, onde vejo apenas os
tristes lábios de insónia, cruzo os braços, tal como eles o
fizeram, e entrelaço as minhas mãos, para não as perder, para não
me esquecer que tenho mãos, ou que um dia tive mãos, macias, de
Cinderela, sumarentas comas as pétalas, como os vidros das janelas
antes de ela os acariciar, as minhas mãos, escrevem, não tocam, mas
inventam palavras nos muros de xisto,
Vejo-as e sinto-as,
No meu rosto coberto pelas
tempestades de pólen que as abelhas transportam, de longe para
longe, elas, as mãos infindáveis das tardes de Primavera parecem,
aparecem, e
Desaparecem,
E deitam-se como se fossem palavras
espalhadas sobre o papel branco, penumbro, e aos poucos, vou
construindo o desejo, e aos poucos, eu e ela, vamos desenhando o
prazer nas dunas sapientes dos distantes luares que nascem em África
e vêm morrer na Europa com um Passaporte travestido de um outro
transeunte, em migalhas, poucas, das velas dos veleiros doentes,
elas, as mãos, poisam-se-me na face ácida, em chapa inoxidável e
robusta, desaparecem
Vejo
Vejo-as,
As manhãs com ondas e espuma,
oiço-as, a todas elas, espalhadas pela longínqua areia que os
sonhos trazem, ou trouxeram de longe, e vão para longe, como voando
à boleia do vento sem asas, livremente dentro de uma fotografia, a
fotografia sem mãos, sem pernas, sem cabeça, apenas
Com rosas vermelhas, disfarçadas de
mãos, as mãos do desejo em decomposição, putrefacto, o medo, o
tédio, o nada, o nada quando elas, as mãos vestidas de botões de
rosa, vagueiam, amam, desejam-se, como se desejam os homens, como se
desejam as mulheres, as plantas e os animais, e Deus?
É esta a tua partida depois de
morreres?
E da espuma há neblinas que cobrem
as cidades, embrulham-se nos edifícios esfomeados e de alicerces
apodrecidos, há jardins com bancos de madeira onde se sentam os
amantes, trocam palavras – Amo-te muito, meu querido! - do mar um
som em forma de farrapo percorre distâncias inseparáveis e atinge o
jardim dos amantes – Eu também, eu também! - e ambos sabemos que
numa fotografia sem mãos, pulsam os nossos corações, e a minha
pele sobeja da pele dela, e na boca, em ambas as bocas do jardim dos
amantes, um desequilíbrio de espuma escorre pelo canto da boca,
molha os lábios e
Nasce o desejado beijo,
O beijo da fotografia sem mãos.
@Francisco Luís Fontinha
(Texto escrito para o desafio de:
Maria Mendes:
Alguém consegue escrever um texto para esta linda fotografia?)
(Alijó)