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foto de: A&M ART and Photos
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Outono, os ossos tombados no pavimento, os braços
alicerçados às árvores em movimento, havia cadeiras revestidas a
couro, havia uma casa com uma sala de jantar, dentro dessa sala vivia
uma mesa e seis cadeiras, e sobre a mesa uma paixão de crochet
rendado ainda do tempo da avó Valentina, sentava-me no sofá, sobre
os joelhos os dois velhíssimos álbuns fotográficos do pai
Fernando, abria-o e
Mergulhavas nas imagens a preto-e-branco das
paisagens Africanas, centenas de imagens rodopiando sobre a mesa da
sala de jantar, ouvia-se o entrelaçar de dedos entre o capim e o
cacimbo, ouviam-se os uivos dos mabecos rasgando sanzalas e
musseques, ouvíamos as crateras dos rochedos nos alicerces da
montanha, e tínhamos o feitiço da chuva miudinha, que lentamente,
suavemente...
Alimentava o teu corpo de roseira, sentíamos
À noite,
Sentíamos as feridas dos sonhos desfeitos quando o
mar nos entrava em casa, e tudo cá dentro
Fugia,
A casa ficou vazia, a sala de jantar viu-se rodeada
de silvados e arbustos que muito mais tarde e junto ao Tejo,
assistiram à despedida da Primavera, os sofás transformaram-se em
pedaços de mola rolando como pedras depois das tempestades, e os
álbuns fotográficos
Hoje solitáriamente sobre a mesa na sala de estar,
poisados como cadáveres sem esqueleto, completamente sós,
abandonadas as imagens... apenas o negro da noite que habita os teus
pequenos seios cerâmicos que mostravas-me nas noites de incerteza e
Inverno, a lareira acesa, apenas havia a luz dos pedaços de madeira
em combustão, e o teu silêncio, nada mais
Os livros,
Sentia a tua respiração abraçada às imagens a
preto-e-branco dos álbuns fotográficos do avô Fernando, tínhamos
sede, tínhamos fome, e tínhamos vergonha
Os livros,
Diziam que eu era uma bandido escondido debaixo da
sombra das bananeiras, e tínhamos mentiras que ainda hoje
Mentiras,
Os livros,
Sentíamos as lâmpadas em dias de ventania baterem
nas faces rosadas dos calendários nocturnos das tuas mãos em
melancolia, e os livros
Sentíamos as palavras entre os nossos corpos e
sobre a mesa da sala de jantar
Arbustos em despedida,
Folhas de papel vegetal e malgas de marmelada,
E sobre a mesa da sala de jantar
Livros?
Folhas caducas, folhas velhas e folhas novas,
malcriadas, folhas e folhas e folhas
Livros
Mandioca e papel de parede com flores encarnadas,
Víamos o Sol em pequenos quadrados, víamos a Lua
em grandes triângulos, e livros e cinzeiros com o bafiento cheiro a
morte, má sorte, a dor, e
Sofrimento,
Ouvíamos as lágrimas do Senhor Doutor quando
descia a noite e um cortinado com círculos em pequenos milímetros
caminhava direcção ao rio, a ponte via-nos abraçados como dois
arbustos
A despedida,
O cheiro a a despedida,
O cansaço depois de uma triste mísera malga de
marmelada, um pedaço de pão com pelo menos três dias de
antecedência, e o requerimento indeferido
Os livros e as borboletas,
“Por falta de mendicidade o seu caso foi
indeferido”
(filhos da puta)
Os livros e as borboletas, as bailarinas e os
palhaços, o circo chegou à cidade, meninos, meninas, donzelas e
belas
Os livros?
“Por falta de mendicidade o seu caso foi
indeferido”
(filhos da puta)
Os livros hoje, imagens a preto-e-branco, sós,
imagens estáticas, mortas, melódicas, saudades da saudade quando o
medo habitava a nossa sala de jantar...
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – (Alijó?)
Terça-feira, 22 de Outubro de 2013