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terça-feira, 4 de março de 2014

Talvez

foto de: A&M ART and Photos

Sabíamos que o tempo era um conceito restrito, ambíguo... talvez... talvez em fatias de tristeza,
sabíamos que apesar das equações de Einstein estarem correctas, talvez... mas não, nada aconteceu,
nada,
e tudo, e tudo se perdeu,
apenas em poucos segundo, apenas... apenas fingindo que havia madrugada,

Apenas...
nada,
como sílabas engasgadas na boca da tempestade, uma nuvem suicidada, morreu...
e nada,
nada como dantes... talvez... talvez tivéssemos tempo de fugir, escondermos-nos nos vagões de aço,

Talvez...
um abraço,
um beijo,
talvez... talvez fossemos hoje os donos de todos os Oceanos,
e de todas as marés,

Mas...
mas nada aconteceu,
e talvez,
talvez... houvesse uma ténue luz no teu olhar,
mas não, tudo, mas tudo ficou no mar...

Sabíamos que um dia chegaria noite,
e que essa noite era construída de pedacinhos papel,
e talvez, novamente, regressassem as sanzalas e todos os musseques,
e talvez, talvez hoje estivéssemos sentados nas sombras dos embondeiros com lábios de amar...
talvez, apenas... uma saudade pertencente a ti.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 4 de Março de 2014

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Um menino em papel colorido com cabeça a preto-e-branco

foto de: A&M ART and Photos

Sentia-me surpreendentemente minúsculo no colo dele, sentia-lhe o medo na ponta dos dedos, sentia-lhe a ofegante madrugada a entranhar-se nos seus olhos castanhos, sentia-me
E ele percebia as minhas tristes pálpebras desde que acordei da noite e nunca mais adormeci, e nunca mais sonhei, e nunca mais..., amei, porque
Sentia-me envergonhado de ser um menino em papel colorido com cabeça a preto-e-branco, sentia-me envergonhado porque sabia que o vento me vinha buscar, e que eu, eu não tinha coragem de pronunciar a palavra “Obrigado”, porque, porque percebia-se nas telhas do casebre que mais tarde ou mais cedo algo de triste
Triste?
Que algo de triste ia acontecer, e aconteceu, e... senti-me ténue nas mãos garras da gaivota sem nome, pediram-me a certidão de nascimento, acanhadamente respondi-lhes que não a tinha, que nunca a tive, porque
Sou,
Sentia-lhe o cheiro da naftalina nas roupas emagrecidas, e eu
Sou, sou um apátrida com dentes de marfim, e eu, eu sabia que morreria como um rio de encontro ao mar, que morreria como um barco encalhado num velho quintal de um velho bairro onde habitavam velhas casas, com velhas árvores, onde viviam velhos
Sou,
Pássaros como bolas de naftalina, como beijos prometidos e nunca dados, como beijos perdidos na avenida longínqua da saudade, e sentia-te sentir na minha mão os teus velhos lábios, os teus lábios inventados pelo batom encarnado, e de uma roulote ouviam-se-lhe os gritos da distância, no oitavo andar sentia-lhe os sons amorfos encurralados na janela de porcelana, ele chorava entre as linhas do velho, também ele, do velho
Caderno quadriculado?
Um lindo poema morre, e sou, sentia-lhe o cheiro da naftalina nas roupas emagrecidas, e eu conversava com as também velhas sombras de Deus, e de nada percebia, queríamos conversar e não tínhamos todas as palavras necessárias, Deus imaginava-me um louco vestido de andaime suspenso num oitavo andar da memória, Deus queria-me e eu sentia-lhe os sonoros melódicos suspiros do velho piano de cauda, um livro estava com febre, uma mão agachada no capim, tristemente agoniada... mão, não tinha força para se levantar, para gritar, para chamar os velhos pássaros que viviam nas velhas árvores no velho quintal,
Caderno quadriculado?
Sou,
Sou, sou um apátrida com dentes de marfim, e eu, eu sabia que morreria como um rio de encontro ao mar, que morreria como um barco encalhado num velho quintal de um velho bairro onde habitavam velhas casas, com velhas árvores, onde viviam velhos meninos, e que vestiam velhos calções e calçavam velhas sandálias... e nas mãos
Nas mãos velhos papagaios em papel pardo,
E nas mãos sentia-lhe o nome “pai”, e ele percebia o meu choro, as minhas lágrimas, como percebeu muito mais tarde o meu sonho...


(ficção – não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 9 de Fevereiro de 2014

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Janela vaidosa a tua mão quando se entranha em mim

foto de: A&M ART and Photos

Outono, os ossos tombados no pavimento, os braços alicerçados às árvores em movimento, havia cadeiras revestidas a couro, havia uma casa com uma sala de jantar, dentro dessa sala vivia uma mesa e seis cadeiras, e sobre a mesa uma paixão de crochet rendado ainda do tempo da avó Valentina, sentava-me no sofá, sobre os joelhos os dois velhíssimos álbuns fotográficos do pai Fernando, abria-o e
Mergulhavas nas imagens a preto-e-branco das paisagens Africanas, centenas de imagens rodopiando sobre a mesa da sala de jantar, ouvia-se o entrelaçar de dedos entre o capim e o cacimbo, ouviam-se os uivos dos mabecos rasgando sanzalas e musseques, ouvíamos as crateras dos rochedos nos alicerces da montanha, e tínhamos o feitiço da chuva miudinha, que lentamente, suavemente...
Alimentava o teu corpo de roseira, sentíamos
À noite,
Sentíamos as feridas dos sonhos desfeitos quando o mar nos entrava em casa, e tudo cá dentro
Fugia,
A casa ficou vazia, a sala de jantar viu-se rodeada de silvados e arbustos que muito mais tarde e junto ao Tejo, assistiram à despedida da Primavera, os sofás transformaram-se em pedaços de mola rolando como pedras depois das tempestades, e os álbuns fotográficos
Hoje solitáriamente sobre a mesa na sala de estar, poisados como cadáveres sem esqueleto, completamente sós, abandonadas as imagens... apenas o negro da noite que habita os teus pequenos seios cerâmicos que mostravas-me nas noites de incerteza e Inverno, a lareira acesa, apenas havia a luz dos pedaços de madeira em combustão, e o teu silêncio, nada mais
Os livros,
Sentia a tua respiração abraçada às imagens a preto-e-branco dos álbuns fotográficos do avô Fernando, tínhamos sede, tínhamos fome, e tínhamos vergonha
Os livros,
Diziam que eu era uma bandido escondido debaixo da sombra das bananeiras, e tínhamos mentiras que ainda hoje
Mentiras,
Os livros,
Sentíamos as lâmpadas em dias de ventania baterem nas faces rosadas dos calendários nocturnos das tuas mãos em melancolia, e os livros
Sentíamos as palavras entre os nossos corpos e sobre a mesa da sala de jantar
Arbustos em despedida,
Folhas de papel vegetal e malgas de marmelada,
E sobre a mesa da sala de jantar
Livros?
Folhas caducas, folhas velhas e folhas novas, malcriadas, folhas e folhas e folhas
Livros
Mandioca e papel de parede com flores encarnadas,
Víamos o Sol em pequenos quadrados, víamos a Lua em grandes triângulos, e livros e cinzeiros com o bafiento cheiro a morte, má sorte, a dor, e
Sofrimento,
Ouvíamos as lágrimas do Senhor Doutor quando descia a noite e um cortinado com círculos em pequenos milímetros caminhava direcção ao rio, a ponte via-nos abraçados como dois arbustos
A despedida,
O cheiro a a despedida,
O cansaço depois de uma triste mísera malga de marmelada, um pedaço de pão com pelo menos três dias de antecedência, e o requerimento indeferido
Os livros e as borboletas,
“Por falta de mendicidade o seu caso foi indeferido”
(filhos da puta)
Os livros e as borboletas, as bailarinas e os palhaços, o circo chegou à cidade, meninos, meninas, donzelas e belas
Os livros?
“Por falta de mendicidade o seu caso foi indeferido”
(filhos da puta)
Os livros hoje, imagens a preto-e-branco, sós, imagens estáticas, mortas, melódicas, saudades da saudade quando o medo habitava a nossa sala de jantar...


(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – (Alijó?)
Terça-feira, 22 de Outubro de 2013

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

acreditava que eras de pedra

e a foto é de: A&M ART and Photos

acreditava que eras de pedra
e que tinha no olhar uma nuvem de luz
sentia-te vacilar nas searas da tristeza
voando sobre os tentáculos da solidão
dizias-me que eu pertencia às árvores de folha caduca
e em cada Outono
eu
tombava nas tuas mãos emagrecidas
os dedos esticados e finos
quando procuravas o mar nas clareiras do silêncio depois de partir a tarde
acreditava que eras de pedra
e percebia que amavas e percebi que tinhas no peito um coração de rosa dorida

(doente
dormente
ausente
e mente)

o amor depois da tempestade
fingia suspender-se nos teus dedos de verniz
compridos e longos
distantes como a madrugada
e vinha a noite
e tu acordada
esperavas
não dormias
abrias e fechavas
janelas
e ventanias
como sentias o meu corpo dentro do teu ventre

talvez
um dia percebas as fachadas dos meus olhos coloridos pelos pigmentos da insónia
memória tenho e nunca me faltou
corpo tenho e dou-me conta que me roubaram o esqueleto
em aço inoxidável
ao carbono
talvez percebas que o amor é uma treta como são todas as palavras
todos as imagens...
e um dia acredites nas gaivotas e nos barcos com dois braços meus
velas em teus cabelos
loucas
cinzentas que sobejaram do jardim teus lábios

(não revisto)
não datado (o hoje não existiu)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó (não tenho a certeza se sou eu)

domingo, 24 de fevereiro de 2013

E depois?

Desenho letras no muro das tuas coxas onduladas debaixo das gotas nuas de água em silêncio, tenho medo, pergunto-me
E depois? Quando o muro se transformar em jardim com flores de seda e coloridas abelhas cantando, e depois?
Poisadas nos mamilos da sede, sem que eu perceba onde fica o bosque, e a canção que é filha do bosque, e os pássaros, e os restantes muros
Desenho letras nas tuas coxas, e tenho o medo, e a vaidade, e tenho o sentido que não sinto, e depois, sento-me sobre o papel amarrotado das tardes violentas que os segredos do Inverno inventam nas tuas pequenas mãos, tenho pena
Dos teus ínfimos dedos, esbeltos, finos, e transparentes,
Como a água dos rios sem nome, sem destino, livremente correndo até ao mar, correndo, correndo, regressando os pinheiros mansos das eternas manhãs sem vidros nas janelas que têm visão nocturna para as rochas tuas coxas, aquelas
Onde desenhas letras? Exactamente, meu amor, essas mesmo, um muro de carne e sedução, curvadas à direita, e à esquerda, embebidas às vezes, ou sempre, no desejo infinito coração com sílabas de pétalas agrestes, como os livros tristes e cansados dos homens sem nome, sem vida, sem viabilidade económica, sós, e abandonadas
Por quem?
Pelos caminhos onde deambulam peugadas, e algumas delas, poucas, que se escondem nas pedras pequeninas dos teus dóceis dedos de fio iluminado pelos lábios da lua, escrevo as letras que desenho nas tuas coxas, preocupo-me, muito, e pergunto-me
E quando terminarem as tuas coxas? E se eu ficar sem o teu corpo, sem a tua sombra, e se eu perder os teus olhos, a tua boca, e se eu
Te perder numa tempestade de areia?
Gostava das tuas mãos quando me desenhavam letras nas minhas coxas, recordas-me as árvores da nossa infância, a minha, a tua, separadas por um muro alto e fino de cimento armado, eu atirava pedras para o teu território, tu, mais amoroso, atiravas-me rosas em papel, uma tarde, furiosa, eu, parti-te a cabeça com uma pedra, fiquei triste naquele momento, depois, durante a noite, sorri, sorri, sorri até que percebi o que era o amor, a paixão e as pedras não serviam apenas para partir cabeças de meninos mimados, filhos únicos, as pedras também serviam para eu perceber o que era a paixão
Por quem?
Pelos caminhos onde deambulam peugadas,
E,
Invejava a pontaria da avó Silvina e do tio Serafim, lançavam pedras e caiam estrelas do céu, ao revés, eu, lançava uma pedra contra uma árvore (alguém durante a noite escreveu EU MAIS TU – AGOSTO DE 1989) onde brincava um pássaro, e partia o vidro da janela da escola, nunca, nunca tive jeito para o lançamento de pedras e para jogar à bola, e meu Deus, Meu Deus... quantos vidros estilhaçados, quantas espigas de milho esmigalhadas, mas estrelas, não estrelas, nunca tive uma estrela, e por quem?
(E quando terminarem as tuas coxas? E se eu ficar sem o teu corpo, sem a tua sombra, e se eu perder os teus olhos, a tua boca, e se eu
Te perder numa tempestade de areia?),
E invejava as letras desenhadas nas coxas que fugiam como os barcos, leves, com o vento, escorregadios como lânguidos gemidos de orvalho, sentíamos as luzes dos livros embrulhados nas tristes maçãs da macieira do quintal, e subíamos pelas escadas da insónia até chegarmos ao varandim com janelas de sangue onde às vezes dormiam os vampiros, os verdadeiros, aqueles que nos chupavam o sangue antes de adormecermos, os mesmos, aqueles que nos roubaram os sonhos, e sempre belas as fotografias a preto e branco, e um dia, desceremos das nuvens, vamos calçar os sapatos com biqueira pontiaguda e com salto alto que deixamos junto ao Tejo, e talvez, e talvez sobre uma mesa estacionada num dos bares de Cais do Sodré, EU MAIS TU – AGOSTO DE 1989, desça de uma árvore de casca grossa, difícil de decifrar, como as equações com integrais que resolvíamos sentados num banco de jardim, debaixo de uma...
E sobravam-nos, não poderei dizer sempre, mas quase sempre,
Letras do muro das tuas coxas onduladas debaixo das gotas nuas de água em silêncio, tinha medo, perguntava-me
E depois? Quando o muro se transformar em jardim com flores de seda e coloridas abelhas cantando, e depois?

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 18 de agosto de 2012

Três poemas de luz

Três felizes personagens de porcelana
dentro de um livro que voa sobre a noite cintilante dos cordões de azeite
à porta das casas sem cobertura
três felizes vozes
três poemas de luz
dentro de uma pirâmide colorida com lábios de sonho
e pedaços de mel
e pedaços de noite ausente de estrelas
que as três felizes personagens comeram ao pequeno-almoço
das vozes
três poemas de luz
ao cansaço do meu corpo antes de descer à sepultura de areia

cobre-me o mar
e todo o meu corpo desaparece entre os corações de azul-amêndoa
que a noite constrói
e nas tardes de tempestade...
nas tardes de tempestade semeia nas minhas mãos ortodoxas
as bolachas da insónia

Três felizes personagens de porcelana
dentro de um livro
três felizes vozes
três poemas de luz

e cobre-me o mar.