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sábado, 17 de junho de 2023


 Enquanto tudo arde,

Enquanto tudo…

Tudo,

Enquanto tudo de desmorona…

Há quem veja o sol,

Há quem diga que a lua tem um lindo sorriso.

 

Enquanto tudo,

Incluindo as flores do meu jardim…

Enquanto tudo está morto…

Há quem veja luz,

Há quem veja flores no meu jardim…

 

Enquanto tudo arde,

Enquanto tudo…

Tudo,

Enquanto tudo de desmorona…

Enquanto só exista escuridão…

Há…

Há quem acredite,

E veja uma tela colorida.

 

 

 

Francisco

17/06/2023

terça-feira, 18 de abril de 2023

O velho e o mar

 Invento o sono

Nos teus lábios de doce mel

Quando a manhã se ergue.

Invento a solidão

Apenas porque preciso da solidão

Apenas…

Apenas porque eu sou a solidão.

 

Invento o Inverno

Invento a geada

Queixo-me da Primavera

Enquanto me perco em invenções…

A Terra gira

E Deus… olha-me

Incrédulo

Olha-me como se eu fosse um louco

Ou “o velho e o mar” de Hemingway

E depois…

Depois percebo que sou o louco

E sou realmente o velho

O velho sem o mar…

 

Invento este vadio sono

Na esperança de que a ausência me leve

Ou o vento me leve

Ou o vento me traga

A insónia

Invento tudo isto

Na esperança de um dia me sentar em frente ao mar…

E esperar que alguém me venha resgatar.

 

 

 

 

Alijó, 18/04/2023

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Deus, um círculo de luz com olhos verdes

 Cresci

Acreditando num Deus

Pedia-lhe coisas

Muitas coisas

Era um círculo de luz com olhos verdes

Às vezes

Este meu Deus misturava-se com as crianças que brincavam nos musseques

Construía danças enquanto o vento

Desenhava sorrisos junto ao capim

 

Este círculo de luz com olhos verdes

O meu Deus

O Deus todo-poderoso

Criador das palavras

Do desejo

Do sexo das palavras

Do beijo

Este pequeno-grande círculo de luz

Com verdes

Verdes olhos das marés de Inverno

 

Cresci

Rezava-lhe

Ajoelhava-me junto ao mar

Erguia-lhe as mãos…

E ficava… ali… pasmado como um pedacinho de medo

Sempre à espera

Esperando

Que um paquete me resgatasse daquele Inferno

 

E depois de eu morrer

O comandante do paquete

E o Deus todo-poderoso

Criador do silêncio

Da poesia

Da paixão

Um círculo de luz

Com olhos

Verdes

Meu amor…

Verdes olhos

 

À noite

Sentava-me na cama

Desenhava paquetes na fronha da almofada

Uma espécie de miséria abraçada à vergonha

Quando as estrelas em finos traços de tesão

Subiam às mangueiras do meu quintal

E eu sabia

Quase sempre…

Que o avô Domingos regressava da cidade

E na mão

Trazia o cordel

Com que puxava os machimbombos

Por uma Luanda…

Em pequenos vómitos

 

Meu Deus

Meu grande Deus

Círculo de luz com olhos verdes

De verdes olhos

Entre momentos de dor

E caixas de solidão

Um Deus hoje

Hoje arrogante

Um Deus que se está a cagar para mim

E para as minhas palavras

Um Deus…

Um círculo

De luz

E de verdes olhos

 

E não me digam que este Deus

Meu Deus…

E não me digam que este circulo de luz com olhos verdes…

É Deus…

Porque este círculo de luz com olhos verdes

Este meu Deus…

É apenas mais um impostor que poisou dentro de mim

Como todas as pedras

Como todos os rios

Como todos os mares;

Um círculo de luz com olhos verdes.

 

 

 

Francisco

06/04/2023

domingo, 26 de março de 2023

Ausência

 Habito neste corpo sem espaço,

Deste corpo ensanguentado

Quando a Primavera promete um abraço…

Neste corpo ausentado.

 

Habito dentro deste mar

Que transporto na minha mão,

Habito em todas as noites de luar,

Das noites onde procuro o pão.

 

Habito neste corpo sem nome,

Deste corpo sem identidade…

Habito dentro deste corpo em fome…

 

Da fome das palavras que deixarei de escrever.

Habito nesta ausência que traz a saudade…

Na saudade de morrer.

 

 

 

Alijó, 26/03/2023

Francisco

sábado, 25 de março de 2023

Mãos que escreviam palavras

 Nasci para sofrer

Nasci para fazer sofrer os outros.

Amei muito.

Fui amado.

Fui mais amado de que amei

Chorei

Fiz chorar.

 

Tive sonhos.

Muitos sonhos.

Hoje…

Hoje apenas espero que o vento me leve,

Que o vento me transporte para a derradeira viagem que me espera…

A longínqua viagem,

Sem destino,

Sem…

Sem o meu corpo.

 

Tive tudo.

Não tenho nada.

Tive o céu e a terra,

Tive poesia nas minhas veias…

Tive palavras,

Muitas palavras,

Livros,

Escrevi livros…

E hoje não tenho nada,

Não tenho as palavras,

Não tenho as mãos que escreviam as palavras…

 

Nem tenho mais livros para escrever.

Amei muito.

Fui muito mais amado de que amei…

Sofri…

Fiz sofrer todos aqueles que me amaram…

Farei sofrer todos aqueles que me venham a amar…

Nasci para sofrer

Nasci para fazer sofrer os outros.

Amei muito.

Fui amado.

Fui mais amado de que amei

Chorei

Fiz chorar…

 

 

 

 

Alijó, 25/03/2023

Francisco

Em flor

 Mil silêncios

Mil pecados desta morte anunciada

Mil pedaços de nada

Entre mil sombras semeadas,

 

Mil desejos

E outros tantos sonhos

Mil desencantos…

Nos mil e um apedrejamentos,

 

Mil silêncios

Nestes braços cansados

Mil madrugadas…

Nos mil corpos assassinados,

 

Mil dias em solidão

Dos mil e um momentos de dor…

Mil tombos no chão

No chão em flor.

 

 

 

Alijó, 25/03/2023

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 24 de março de 2023

Esta estrada

 Esta estrada

Uma linha curvilínea suspensa no espaço

Onde caminho

Caminho…

E sei que não me levará a sítio algum,

 

(e como a maioria das estradas

Não nos levam a sítio algum)

 

Esta estrada

De curvas e subidas ingremes

Sempre abraçada a um Deus arrogante

A um Deus impiedoso

Esta estrada,

 

Onde caminho

Onde estou

Onde morrerei como uma serpente

Bebendo o veneno

Em pequenos tragos,

 

Esta estrada

Abraçada a outra estrada

Sem estrada

Na minha infeliz estrada

De ter uma estrada…

 

 

 

Alijó, 24/03/2023

Francisco

As faúlhas da madrugada

 Caem sobre mim as faúlhas da madrugada

Canfora manhã adormecida

Caem sobre mim as espadas afiadas da solidão…

Enquanto a dor se veste de alegria

 

Esqueleto desventrado

Bebo o cálice do veneno

Bebo as lágrimas da existência

E estar vivo… parece uma cansada tarde junto ao rio

 

Oiço-te entre pedaços de néon

E avenidas sem nome

Avenidas da minha infância

Que apenas dormiam na minha mão

 

Caem sobre mim as metáforas do texto não escrito

Nas imagens de um negro quadro

Pincelado de tristeza

E oiço os gritos da morte

 

E oiço os gritos de alegria da morte

Tão feliz… que ela é

Veste-se de cinzento

E faz-se passear de limousine encarnada

 

Veado selvagem

Pedacinho de mar

Das esplanadas em luar

E volto a ouvir a voz do silêncio

 

E volto a ouvir a voz rouca da escuridão

A noite traz os petroleiros da insónia

A noite traz nas mãos os incêndios nocturnos de uma alma embriagada…

E depois

 

E depois poisa em mim a nuvem doente

Das metástases que apenas um corpo invisível compreende

E felizes aqueles que transportam em si

As metástases do sofrimento

 

Quando esperam no corredor

O regresso da esperança de voarem

Na esperança de uma leveza indefinida

Indiferente à vida

 

Indiferente à dor

Caem sobre mim as faúlhas da madrugada

Canfora manhã adormecida

Quando dos lábios da alvorada

 

Vêm a mim as árvores acorrentadas

Os pássaros voam sem perceberem que lá fora

Uma menina

Come os chocolates da inocência

 

E eu

Aprisionado nuns calções

Procuro as primeiras lágrimas da manhã

Que habitam junto ao capim

 

Abro a janela

Vou à janela

Puxo de um cigarro…

E lanço-me em busca do espelho onde me escondi em criança

 

E estatelo-me no chão frio da infância

Um triciclo com assento em madeira… entre lágrimas e suspiros

E eu acreditando que um dia

Um dia…

 

Qualquer dia

No outro dia

Hoje

Amanhã… o sofrimento se transformará em silêncio.

 

 

 

Alijó, 24/03/2023

Francisco

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Meu Deus das vezes

 Às vezes, é o sol que se esconde,

Às vezes, é o rio que fica ensonado,

Às vezes, são as nuvens que poisam sobre as árvores,

Das vezes,

Que às vezes,

O sono nos transporta,

 

Às vezes, o silêncio é alegria,

Outras,

É a alegria que se transforma em silêncio,

 

Às vezes, fico por aqui,

Outras,

Outras ando por aí…

 

E de tantas vezes,

Da minha vida,

Muitas vezes,

Por vezes…

Das vezes que caí,

 

Às vezes, tombava no pavimento,

Às vezes, tombava sobre as outras vezes,

Que às vezes,

Muitas vezes,

Me deixaram sem alimento,

 

E quantas vezes,

Meu Deus das vezes…

 

Queria o pão,

Que por vezes,

O transformava em pequenas vezes;

Nas vezes em solidão.

 

 

 

 

Bragança, 27/01/2023

Francisco Luís Fontinha

domingo, 8 de janeiro de 2023

O revolver da solidão

 Um dia

Um dia morres e ninguém se vai recordar de ti

Um dia

Um dia acordas

E sobre a mesinha-de-cabeceira

Tens poisado o revolver da solidão,

 

E uma fotografia de quando era menino

Um dia quando fores à janela

O rio que olhavas

O rio que abraçavas

Deixou de estar lá

Partiu para o mar,

 

Um dia deixas de ter casa

De ser homem

De ser criança

Um dia morrerás…

E nem o coveiro que te enterrou se lembrará de ti,

 

E quando a tua última palavra escrita morrer

Um dia

Quando chegar esse dia…

 

Não querias que chegue esse dia!

 

 

 

 

Alijó, 08/01/2023

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

O bosão de Higgs

 Todo o Universo

Frio

Muito frio e escuro,

 

Deste meu Universo

Que me perco nas avenidas que o luar incendeia

Que me esconde

Quando quero chorar

E me penteia,

 

E tenho vergonha,

 

E tenho medo,

 

E só me apetecia voar…

 

Neste Universo

O Universo que ninguém compreende

Nem entende

Porque esta matéria escura

Fria

Muito fria

E infinita como o infinito amanhecer das tuas mãos

Lhe chamam de Universo

Quando a podiam chamar de solidão,

 

Ou de caixão

Ou de livro de anedotas

Este Universo

Com verso

Sem verso

Com a mão

Cortando-lhe a mão

Enquanto a Terra andas às voltas

Às voltas com o bosão…

Com o bosão de Higgs.

 

 

 

 

Alijó, 05/01/2023

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

A vida

 Todas as paredes

As paredes de uma sala

São tristes

São feias

São sós,

 

Juntamente com as paredes de uma sala

Habitam outras paredes

Com cor

Sem cor

Mas todas elas

Tal como as paredes de uma sala

São tristes

São feias

E são sós,

 

Depois suspendem na parede de uma sala

Que é triste

Parede de uma sala que está só

E é extremamente feia

Um quadro

Um quadro sem nome

Um pedaço de tela

Aprisionado entre quatro ripas em madeira

Um caixão?

Não

Um caixilho

O caixão serve para transportar corpos

Ossos

Chagas invisíveis

O caixilho aprisiona um pedaço de tela

Um pedaço de tela sem nome

Feio

Muito feio

E triste

Muito triste,

 

E de que serve dar um nome a um pedaço de tela

Aprisionado dentro de quatro ripas?

Caixilho?

Sim

O caixilho

E qualquer que seja o nome do quadro

Que está suspenso na parede da sala

Parede da sala que é feia

Que é fria

E triste

Será sempre um pedaço de tela

Dentro de quatro ripas

Também tristes

Também sós,

 

A casa que tem paredes frias

E tristes

E sós

Que nas paredes da sala

Frias

E tristes

E sós

Têm no peito um pedaço de tela

Também ela triste

Também ela só

Também ela fria

E uma janela

E triste

E fria,

 

Em frente à janela

Uma árvore

Triste

Uma árvore fria

Durante o dia

Poisam sobre a árvore

Pássaros tristes

Frios

E sós

Durante a noite

Sem que ninguém consiga ver

Poisa a lua

E as estrelas,

 

A casa triste

Feia

E só

Tem lágrimas

Tristes

Feias

E sós

E tal como o pedaço de tela

Aprisionado dentro de quatro ripas

Não tem nome

Nem fome

Mas tem lágrimas

Tem um pedaço de tela

Tela muito fria

Muito triste

E só,

 

E quando a luz se extingue na mão das estrelas

Este pedaço de tela

Aprisionado dentro de quatro ripas

Tristes

E sós

Também se extingue

E este pedaço de tela

Não fala

Não come

Não bebe

Ou fuma

E este pedaço de tela é apenas um pedaço de tela

Sem nome

Triste

Muito triste

E muito só,

 

E este caixão

(perdão, este caixilho)

É o único abraço que este pedaço de tela

Muito só

Muito fria

E triste

Tem,

 

Quem mias de que um triste e só caixilho

Para abraçar um pedaço de tela

Tela muito fria

Tela muito feia

Tela muto triste…

 

E tal como o caixilho que abraça uma tela

Uma tela fria

E triste

Uma tela só

Apenas uma mãe

Abraça o seu filho

Seu filho muito triste

Seu filho só

Muito só

E às vezes

Uma mãe

Pega em todos os pedacinhos do seu filho

Aqueles pedacinhos que jazem no pavimento da loucura

Coloca-os sobre a mesinha-de-cabeceira

E aos poucos

Aos poucos devolve-o à vida,

 

Não sou um pedacinho de tela

Deram-me um nome

Não tenho um caixilho que me abrace

Mas tive uma mãe

Mãe que pegou em todos os meus pedacinhos

Os colocou sobre a mesinha-de-cabeceira

E devolveu-me à vida

Tal como o fez pela primeira vez.

 

 

 

 

 

Alijó, 02/01/2023

Francisco Luís Fontinha