Esta prisão de esferas
De esperas
De encontros
E desencontros
Esta prisão de feras
Acorrentadas ao
gradeamento
Da solidão
Esta prisão
De meras
Nuvens de espuma,
Na bruma
Cidade que o Diabo abençoou
Desta pobre cidade
Sem cabeça para pensar
Sem pensar enquanto a
cabeça
Anda
Gira à volta do sol,
O dó
O pequeno dó
Da dor
Em dor
Ele
Completamente
Só
Doente
E ausente,
Doí-lhe o dente
Que já não sente
A paixão
Que era ardente
E ardeu
Na fogueira
Junto ao rio “um dia será”
E antes de adormecer
Toma drageias em forma de
cigarros,
Dorme docemente
O menino
Nos braços de sua amada,
Dorme
Docemente dorme docemente
O clitóris do desejo
Quando de um beijo
O menino e sua ausente
Amada que sente,
A porta
Abre-se
A janela encerra-se para
sempre
Um gaiato vende mortalhas
e afins…
E o cacilheiro que eu
tinha de apanhar
Engasgou-se
Cento e doze em acção
E morreu
Enfarte
Enfarte de coração,
Estaria apaixonado
Pergunto eu
Pois segundo o meu
professor de TH
O coração é a bomba mais perfeita
que existe…
… e não foi construída
pelo homem,
Dá que pensar, professor.
Então
O que é a paixão?
Se o coração é uma bomba,
Será a paixão um fluido?
E o amor?
Uma válvula
Qualquer coisa como um
pequeno vedante
Uma porca
Um parafuso
Um fio eléctrico
E o raio do homem sem
fuso
E sei lá eu… o meu nome,
O eléctrico
Avança
Rio acima
Agacha-se quando passa
debaixo da ponte
Olha-a
(que linda estrutura)
Como se contemplasse o
último sorriso do paraíso
E sem juízo
É agora maquinista da CP,
Um apito
Acorda do teu peito
Uma voz rouca com uma
placa de identificação na lapela…
Grita-me
Olho-a
E odeio-a
Depois
Sempre aquele maldito rio
Que umas vezes o apelido
de paixão
E outras
Muitas outras
De ranhoso
Incrédulo às mãos de Deus
Criador do parafuso
E da porca
E da broca
Que fura
A porta
E da outra porta,
Perco-me nesta prisão de
esferas
De esperas
De espermas
De encontros
E desencontros
Esta prisão de feras
Acorrentadas ao
gradeamento
Da solidão
Esta prisão
De meras
Nuvens de espuma,
Umas
Com cor e coração
E outras
Sem cor
Com comichão
Ergue-se
O morto desta cidade de
enganos
Deste paraíso invisível
Onde se escondem as
segundas-feiras da semana anterior,
E uma equipa de
engenheiros…
Projecta as terças-feiras
das próximas semanas,
Partindo do principio
Eles
Que a Terra não deixa de
rodar
Que pare repentinamente
Travões ABS
Caso contrário
Adeus terças-feiras das
próximas semanas,
Esta prisão de esferas
De esperas
De encontros
Espermas
E desencontros
Esta prisão de feras
E se eu pudesse escolher…
(se me pedissem para eu
escolher “algo em que eu me pudesse transformar”, certamente, sem dúvida,
queria ser um electrão)
Sou então
Um electrão
Prisioneiro de esferas
De encontros
E desencontros
Esta prisão de feras
Eu
O electrão
Com velocidade de
aproximadamente trezentos mil quilómetros por segundo
Contra a parede
Fodeu-se o poeta,
O artista,
E todo o resto da cidade
dos enganos,
Deita-se,
Dorme,
Deixa de saber quem é.
À meia-noite
Levanta-se
Grita
De pé;
(esta prisão de feras
Acorrentadas ao
gradeamento
Da solidão
Esta prisão
De meras
Nuvens de espuma).
07/08/2023
Francisco