segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Prisão de feras

 

Esta prisão de esferas

De esperas

De encontros

E desencontros

Esta prisão de feras

Acorrentadas ao gradeamento

Da solidão

Esta prisão

De meras

Nuvens de espuma,

 

Na bruma

Cidade que o Diabo abençoou

Desta pobre cidade

Sem cabeça para pensar

Sem pensar enquanto a cabeça

Anda

Gira à volta do sol,

 

O dó

O pequeno dó

Da dor

Em dor

Ele

Completamente

Doente

E ausente,

 

Doí-lhe o dente

Que já não sente

A paixão

Que era ardente

E ardeu

Na fogueira

Junto ao rio “um dia será”

E antes de adormecer

Toma drageias em forma de cigarros,

 

Dorme docemente

O menino

Nos braços de sua amada,

Dorme

Docemente dorme docemente

O clitóris do desejo

Quando de um beijo

O menino e sua ausente

Amada que sente,

A porta

Abre-se

A janela encerra-se para sempre

Um gaiato vende mortalhas e afins…

E o cacilheiro que eu tinha de apanhar

Engasgou-se

Cento e doze em acção

E morreu

Enfarte

Enfarte de coração,

 

Estaria apaixonado

Pergunto eu

Pois segundo o meu professor de TH

O coração é a bomba mais perfeita que existe…

… e não foi construída pelo homem,

 

Dá que pensar, professor.

 

Então

O que é a paixão?

Se o coração é uma bomba,

Será a paixão um fluido?

E o amor?

Uma válvula

Qualquer coisa como um pequeno vedante

Uma porca

Um parafuso

Um fio eléctrico

E o raio do homem sem fuso

E sei lá eu… o meu nome,

 

O eléctrico

Avança

Rio acima

Agacha-se quando passa debaixo da ponte

Olha-a

(que linda estrutura)

Como se contemplasse o último sorriso do paraíso

E sem juízo

É agora maquinista da CP,

 

Um apito

Acorda do teu peito

Uma voz rouca com uma placa de identificação na lapela…

Grita-me

Olho-a

E odeio-a

Depois

Sempre aquele maldito rio

Que umas vezes o apelido de paixão

E outras

Muitas outras

De ranhoso

Incrédulo às mãos de Deus

Criador do parafuso

E da porca

E da broca

Que fura

A porta

E da outra porta,

 

Perco-me nesta prisão de esferas

De esperas

De espermas

De encontros

E desencontros

Esta prisão de feras

Acorrentadas ao gradeamento

Da solidão

Esta prisão

De meras

Nuvens de espuma,

 

Umas

Com cor e coração

E outras

Sem cor

Com comichão

 

Ergue-se

O morto desta cidade de enganos

Deste paraíso invisível

Onde se escondem as segundas-feiras da semana anterior,

E uma equipa de engenheiros…

Projecta as terças-feiras das próximas semanas,

 

Partindo do principio

Eles

Que a Terra não deixa de rodar

Que pare repentinamente

Travões ABS

Caso contrário

Adeus terças-feiras das próximas semanas,

 

Esta prisão de esferas

De esperas

De encontros

Espermas

E desencontros

Esta prisão de feras

 

E se eu pudesse escolher…

(se me pedissem para eu escolher “algo em que eu me pudesse transformar”, certamente, sem dúvida, queria ser um electrão)

 

Sou então

Um electrão

Prisioneiro de esferas

De encontros

E desencontros

Esta prisão de feras

Eu

O electrão

Com velocidade de aproximadamente trezentos mil quilómetros por segundo

Contra a parede

Fodeu-se o poeta,

O artista,

E todo o resto da cidade dos enganos,

 

Deita-se,

Dorme,

Deixa de saber quem é.

 

À meia-noite

Levanta-se

Grita

De pé;

(esta prisão de feras

Acorrentadas ao gradeamento

Da solidão

Esta prisão

De meras

Nuvens de espuma).

 

 

 

07/08/2023

Francisco

Sem comentários:

Enviar um comentário