terça-feira, 14 de setembro de 2021

Corpo sofrido

 

Danço nos teus lábios de amêndoa adormecida

Enquanto na tua boca de sílaba encantada

Vive a nuvem desesperada

Vive a flor esquecida,

 

Sento-me em ti como se fosses a página poética da madrugada

As palavras dispersas nos lábios da maré,

Sento-me, sento-me sem fé

Da fé amargurada.

 

Escrevo-te na sombra do amanhecer

Palavras que pinto no teu corpo florido,

Escrevo, escrevo viver,

 

Escrevo amar,

Escrevo a canção do corpo sofrido,

Do corpo suspenso no mar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14/09/2021

domingo, 12 de setembro de 2021

A cabeça azulada

 

Ouve-me

A cada sílaba suicidada

Na madrugada,

Senta-te

Em mim

Em cada rua ensanguentada,

Puxa pelas palavras assassinadas

Como puxas o cigarro enforcado

Na sombra das esplanadas.

Beija-me

Quando a sombra se traveste de dia

E,

Do dia travestido

Acorda o poema amarrotado

Pelo desejo

Vestido

Na mão de um drogado.

Escolhe o pecado

Vive-o

Como se ele fosse o amanhecer,

Senta-te

Escreve

E não te canses de viver.

Deus construiu o sono

Nocturno

Dos pássaros embriagados,

Não sei, nunca o saberei…

Porque Deus me obriga a habitar

Um cubículo sem janela

Para o mar

E, e sem cortinados.

Oiço-o enquanto conversa

Com a raiz quadrada do silêncio,

Multiplica-o pela derivada do desejo,

Eleva o resultado ao cubo,

E,

Nada; fico com nada.

Deus, não sabe matemática,

Não é poeta…

E,

E odeia-me desde que nasci.

Sou obrigado a mendigar

As palavras de amar,

As outras,

As palavras de desejar,

E, e depois,

Nasce o beijo,

Cresce na tua boca o poema beijar,

Como se a neblina

Descesse a encosta dos teus seios,

Logo pela manhã,

E Deus,

De cabeça azulada,

Escreve no meu quadriculado;

Amanhã,

Amanhã traz a enxada,

Cava a terra e,

E saberás que que zero é igual a um.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 12/09/2021

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Quando Deus construiu o número treze

Todos os dias chorávamos as lágrimas ensonadas da madrugada; talvez um dia, depois de acordar, escrevam as minhas memórias numa lápide quadriculada, feia e rabugenta. Quando olhava para as estrelas, quase ao regressar de ontem, observava o silêncio emagrecido do crepúsculo e, toneladas de pássaros voavam em direcção ao silêncio que habitava naquele casebre de aldeia, junto ao rio,

Vomitava palavras durante o desfile de barcos e carros de brincar, sabia

Depois do rio,

Nada, desde que abracei aquela velha árvore, enquanto uma enxada preguiçosa laborava nos socalcos em xisto que alguém, muito importante, desenhou na alvorada.

Sabia que havia um túnel de vento e que o meu corpo era testado aerodinamicamente, como se eu fosse um corpo suspenso no amanhecer,

Provavelmente, eles mentem-me

Não o sabia, desculpe o meu silêncio.

Deus enganou-se quando me estavam a fabricar, queixava-se ele todas as manhãs ao acordar. Perdeu a cabeça e, um certo dia, ao final da tarde, em frente a um espelho de néon, deu-se conta

Uma pedra!

E atirou-a contra o túnel de vento.

Sabia que depois do rio, Deus tinha construído um corpo emagrecido pela poesia, que os pássaros que viviam na sua mão, meia dúzia deles, eram apenas desejos desejados dos beijos ejaculados na boca do prazer,

Gemia,

Gritava-lhe

Olha os pássaros.

E matou todos os pássaros.

Detesto-os, segredava-lhe ele quando abria a janela e, num sufoco de espuma, alguém lhe trazia o mar e, do mar, aparecia a mulher mais bela da montanha do desejo,

Desejava-a,

Até que

Todos morreram de fome. Naquela tarde de Outono, quando da vindima, percebeu que apenas sabia porque Deus o tinha construído; apenas para sofrer, pensava ela, e de tanto sofrer, partiu como partem as gaivotas antes da tempestade.

Tinha a esperança de encontrar um número que fosse primo do vizinho e filho do empregado da esplanada, em frente à sua sombra.

Na algibeira transportava o número treze, só, sem mais ninguém e, um certo dia

Evaporou-se na neblina.

 

Toque as cornetas

Que Deus vai construir

O número treze.

 

Deus, que também se engana

Construiu o número trinta e um,

Deitou-se ao terceiro dia

E, morreu incinerado nas mãos do vizinho

Do trigésimo quinto andar

Antes do sótão.

 

Porque me dizes que amanhã é sábado?

Porque amanhã é sábado.

Porque amanhã nascerá o número quatorze

Cesariana

Coisa simples

Coisa de nada.

 

Coisa de loucos,

Dirás tu.

 

Toque as cornetas

Que Deus vais construir

O número treze.

 

E, quando demos conta

Deus em vez de fabricar o número treze,

Não

Enganou-se

E, apareceu-nos a raiz quadrada

De seiscentos e vinte e cinco; merda.

 

Onde está o treze, pá?

 

Tanto faz, responde-nos Deus.

Tanto faz…

 

E, olha!

 

Olha?

Preciso do treze,

Vai à merda, diz-me Deus.

Vai à merda.

(e antes de se retirar, Deus diz-me:

Calcula a raiz quadrada de seiscentos e vinte cinco

Subtrai-lhe doze e ficas com o treze,

Burro de merda).

 

Ainda bem que Deus sabe matemática.

Ainda bem; um dia.

 

Toque as cornetas

Que Deus vai construir

O número treze.

 

 

Ao cair a tarde, ela, depois da visita ao jardim, quando entra em casa, depois de subir treze degraus, percebeu que ele transportava na algibeira a medalha com o número treze e, acreditem, nem eu nem a minha mãe

Percebemos porque trazia ele a medalha com o número treze, mas

Acredito que foi Deus que lha deu, um qualquer dia, em Luanda.

As certezas são poucas, o corpo embebido em sombras de granito e, na lápide

Eterna saudade de seu filho.

Uma carta de despedida, nem isso teve coragem de deixar em cima da mesa-de-cabeceira.

Fez amor com o desejo, puxa de um cigarro, vai à janela e,

Foda-se.

Esqueci-me da medalha com o número treze dentro do livro de AL Berto.

Desenhava o poema, abria as pernas e,

Voava, voava, voava até que morreu de sono.

Tristeza, esta, queixava-se quando acabava de fazer amor.

Sempre o desejo. Maldito desejo este, transportar uma triste medalha com o número treze.

Até breve, meu filho.

Até, meu pai. Até.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 10/09/2021


O beijo desejado

 

Invento nomes ao sono que adormeço,

Das cansadas planícies onde habitei

Ao eterno berço,

Mentiras que esqueço

Nas palavras que amei.

Sonho

E pareço,

Pareço o palhaço que sonhei.

 

Invento o sono adormecido

Na equação desejada,

 

Perdão; atiro flores ao amanhecer

Sofrido,

Do corpo oiro de minha amada.

 

Se não é uma equação…

O que será a paixão?

 

Talvez o desejo

Desejado,

Quando o beijo,

O beijo amado,

Se abraça ao coração.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 09/09/2021

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Equação em movimento

 

Nesta equação em movimento

Dentro deste espaço desorganizado

Nesta caixa multibanco

Saltitante

Desta rua sem nome,

Desta pedra o alimento

Das veias ao corpo crucificado

Correndo descalço na equação me sento

Às sílabas a palavra andante

Que o meu corpo ausente,

Não vê nem sente,

O pão da fome.

 

Nesta cidade vaidosa

Com ruas rendilhadas

Porque a equação em movimento,

Triste e nua,

Quando voa na sombra das esplanadas

Escreve na mão o mar

Depois de comer a lua,

Sem perceber que da mão oleosa,

As palavras da equação

São números letras sombras… poesia.

Dentro do coração

Vive o poeta equação

Que nem sequer sabia

Que a razão

Entre o seno

E o co-seno

Se chama tangente;

A tangente da paixão.

 

Que duas rosas plantei

Num qualquer caderno quadriculado,

Duas rosas amei,

Por duas rosas chorei;

O papel semeado.

 

Desta pedra o alimento

Das veias ao corpo crucificado

Correndo descalço na equação me sento,

 

Correndo descalço na equação sou enforcado.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 08/09/2021

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

As rosas do meu jardim

 

Todos os nomes

Possíveis

E imaginados,

Que me apelidam,

São rosas do meu jardim.

São as árvores

Do meu jardim,

As palavras que escrevo,

Sitiadas em mim.

Todas as pedras

Que me atiram,

São as sombras do meu jardim,

São versos,

São canções,

São sílabas de cetim.

Todas as ruas da minha cidade,

Que circundam o meu jardim,

E dos nomes que me apelidam,

São cores,

Rosas,

São poesia de mim.

São memórias,

São saudade,

E mesmo assim,

As rosas do meu jardim,

São cores,

São cinema,

São o toque do clarim;

Acordar

Para amar!

Todas as nuvens que brincam

No meu jardim,

São a beleza do poema,

Deitado na cama,

São o papel onde escrevo,

Amo,

E me deito;

Todas as nuvens que brincam

No meu jardim,

São versos sem jeito.

Todos os desenhos que pinto

No meu jardim,

São imagens transparentes do amanhecer,

São homens,

São mulheres a sofrer.

Todos os nomes

Possíveis

E imaginados,

Que me apelidam,

São rosas do meu jardim,

São o incenso a arder,

São memórias de mim.

Todas as fotografias do meu jardim,

São a saudade pincelada de madrugada,

São pedras em construção,

São tudo,

E não são nada.

Todas as rosas do meu jardim,

São as janelas do meu coração,

São todos os nomes

Que me apelidam,

São nomes que esqueço,

Nas sombras do meu jardim.

E não sei se mereço

As rosas do meu jardim;

Porque elas, as rosas do meu jardim,

São equações de fé.

Todas as pedras

Que me atiram,

São as sombras do meu jardim,

São os versos,

São as canções,

São as lágrimas de mim.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 01/09/2021

domingo, 29 de agosto de 2021

As cinco pedras do destino

 

O que faz esta janela encerrada na minha mão?

Pergunta-se ele, pensando que alguém o ouve. Sempre que puxa de um livro, a poesia nasce,

Dorme,

Morre,

Nas palavras que escreve.

É tarde, meu amor, ouvem-se os apitos gemidos do teu corpo e, dentro dos gonzos da solidão, oiço os pássaros rio acima.

O corpo sofrido, amar-te antes que adormeça o dia, morra a noite

E,

Se escreva na tua mão o esplendor da inocência adormecida. Pensando melhor, amanhã, deixarei de semear as palavras da saudade,

Nunca.

Esquecerei aquele rio embriagado,

Cansado,

Triste de mim.

Há na tua sombra, o retracto da menina envenenada pelo desejo, num qualquer quarto de hotel, de terra em terra, de circo em circo, de mar em mar,

Amar-te; depois das doze horas,

O lençol espreguiça-se contra nós e, sentimos o peso das carícias que só os poetas sentem e, percebem. O palhaço rico, o palhaço pobre e o defunto, todos aos gritos de encontro à enxada da vaidade. Esqueço-me de acordar, levanto e vou de encontro ao cortinado ainda sonâmbulo e, aos nocturnos esqueletos, a luz que apaga a imagem que durante a noite,

Ela,

À noite o que é da noite.

As sílabas estonteantes, os gritos deste palhaço à muito embebido no éter málico das tempestades de Agosto,

Sinto-o,

Diz-me ela.

Tem quatro relógios, nenhum deles escreve as horas, faltam-lhes a fome que antes tinham e sentiam e, que hoje quase nada podem comer. Segundo a lâmpada do escritório deverão ser qualquer coisa como depois das vinte e três,

Horas,

Minutos,

Segundos de vida.

(Se escreva na tua mão o esplendor da inocência adormecida. Pensando melhor, amanhã, deixarei de semear as palavras da saudade,

Nunca.

Esquecerei aquele rio embriagado,

Cansado,

Triste de mim).

Os barcos, meu senhor, são para venda?

Para comer não serão eles, responde-lhe,

E muito bem, quem neste reino se alimenta de barcos?

O velho, o macaco e a tia.

O velho pensava que fodia,

O macaco,

Da tia,

Abram-se os alicerces da memória, escrevam-se as escrituras da terra adormecida, levantem-se os esqueletos da prefeitura,

E

Não!

Ninguém sobrevirá a este tremendo castigo; escrever

Depois da morte

E, viver.

Vive-se de quê?

Da sorte.

Envenenado pelo silêncio, ou

Sempre que quero

Foge.

Amanhã,

Hoje,

As cinco pedras do destino.

 

--------------

À noite o que é da noite.

As sílabas estonteantes, os gritos deste palhaço à muito embebido no éter málico das tempestades de Agosto,

Sinto-o,

 

Neste Agosto perdido.

Neste Agosto sofrido.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 29/08/2021

O homem invisível

 

Nesta cadeira se senta,

Enquanto lá fora,

Nas salgadas planícies do Infinito,

O homem invisível,

Agradece o pão

E o vinho.

Semeia na madrugada

As palavras de alento,

Os versos envenenados pela tempestade e,

Chora;

Incha-lhe o corpo a cada verso vomitado.

O silêncio entranha-se-lhe

Como o miolo do pão oferecido,

Vai à guerra,

Leva na algibeira as lágrimas

Que uma espingarda lança sobre a madrugada;

A cada palavra escrita,

Oferta de um cigarro embrulhado no veneno

Das viagens sem comandante.

O homem invisível

Padece de grandeza,

Pouco talento e,

Alguma subtileza.

Os gritos de ti

Nos gemidos de mim.

No espelho da maré

Desenha o mar

Envolto de laranjas e,

Ribeiras adormecidas.

Fodeu-se o boneco.

Em cada rua

Habita um boneco de trapos,

Filho do homem invisível.

Na garganta

O tumor que o vai matar,

Na solidão,

Na dor.

Tristes aqueles

Que pensam que o homem invisível

Dorme na alvorada,

Vive no jardim das pilas mortas e,

Avança com uma pedra

Contra a multidão que o apedreja com olhares.

Sofre com esta cidade,

Com a sujidade desta cidade,

O homem invisível,

Traz a morte tatuada

Na mão,

Também ela,

Invisível.

É fodido por todos,

Condenado por alguns e,

No Arremesso das palavras,

Às cinco em ponto,

A esplanada da vida silencia-se.

Se o coitado uiva,

É porque perdeu o sorriso

Nas ruas de uma Lisboa…

Há muito morta.

(morreu de quê?)

O telegrama diz que pelas dezassete horas,

Do dia que vai nascer,

Deixou de escrever palavras,

Pegou nos ossos,

Levantou freio e,

Regressou ao anonimato.

Pois é, meu amigo,

A cinza das tuas lágrimas,

Serão um dia,

A luz do meu amanhecer.

É parvo,

Quando pensam que ele,

O homem invisível,

Agradece o pão envenenado,

Não. Não.

A noite.

A sífilis esperança

De acordar um dia

Junto ao Rio.

Avança contra tudo. Todos.

As abelhas são eternas.

Os camuflados da insónia,

São um belo presente de aniversário;

Escura, maldita noite de dormir.

Outro gajo se ajoelhou

Na sombra que era sua,

Cansado,

Triste,

Este homem invisível

Resiste,

Ao desalento,

Ao infortúnio de viver.

Escreve canções

Nas janelas do abismo,

Sendo homem invisível,

Ouve as melodias do passado,

Como se fossem pedaços de pão

Descendo a calçada da saudade.

Pintou o mar

Na janela, também ela, invisível,

Melódica,

Triste,

Arrogante,

Pois o mar,

Salgado,

Vive-se de quê?

Do sono,

As chaves da despensa

Onde se escondem os duzentos e seis ossos

Das trezentas e vinte palavras.

Doce.

Amargo, silêncio.

A árvore,

Desce a calçada,

Levanta-se contra o lixo

Acumulado e,

Sem o saber,

Cansa-se da cidade onde habita.

O fim.

O princípio do fim,

Quando dois corpos balançam no baloiço

Do desejo.

Fodeu-se o boneco.

Fodeu-se o poeta,

Dono do boneco e,

Do homem invisível.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 29/08/2021