Nesta cadeira se senta,
Enquanto lá fora,
Nas salgadas planícies do
Infinito,
O homem invisível,
Agradece o pão
E o vinho.
Semeia na madrugada
As palavras de alento,
Os versos envenenados pela
tempestade e,
Chora;
Incha-lhe o corpo a cada
verso vomitado.
O silêncio entranha-se-lhe
Como o miolo do pão
oferecido,
Vai à guerra,
Leva na algibeira as
lágrimas
Que uma espingarda lança
sobre a madrugada;
A cada palavra escrita,
Oferta de um cigarro
embrulhado no veneno
Das viagens sem
comandante.
O homem invisível
Padece de grandeza,
Pouco talento e,
Alguma subtileza.
Os gritos de ti
Nos gemidos de mim.
No espelho da maré
Desenha o mar
Envolto de laranjas e,
Ribeiras adormecidas.
Fodeu-se o boneco.
Em cada rua
Habita um boneco de trapos,
Filho do homem invisível.
Na garganta
O tumor que o vai matar,
Na solidão,
Na dor.
Tristes aqueles
Que pensam que o homem invisível
Dorme na alvorada,
Vive no jardim das pilas
mortas e,
Avança com uma pedra
Contra a multidão que o
apedreja com olhares.
Sofre com esta cidade,
Com a sujidade desta
cidade,
O homem invisível,
Traz a morte tatuada
Na mão,
Também ela,
Invisível.
É fodido por todos,
Condenado por alguns e,
No Arremesso das palavras,
Às cinco em ponto,
A esplanada da vida
silencia-se.
Se o coitado uiva,
É porque perdeu o sorriso
Nas ruas de uma Lisboa…
Há muito morta.
(morreu de quê?)
O telegrama diz que pelas
dezassete horas,
Do dia que vai nascer,
Deixou de escrever
palavras,
Pegou nos ossos,
Levantou freio e,
Regressou ao anonimato.
Pois é, meu amigo,
A cinza das tuas
lágrimas,
Serão um dia,
A luz do meu amanhecer.
É parvo,
Quando pensam que ele,
O homem invisível,
Agradece o pão
envenenado,
Não. Não.
A noite.
A sífilis esperança
De acordar um dia
Junto ao Rio.
Avança contra tudo. Todos.
As abelhas são eternas.
Os camuflados da insónia,
São um belo presente de aniversário;
Escura, maldita noite de
dormir.
Outro gajo se ajoelhou
Na sombra que era sua,
Cansado,
Triste,
Este homem invisível
Resiste,
Ao desalento,
Ao infortúnio de viver.
Escreve canções
Nas janelas do abismo,
Sendo homem invisível,
Ouve as melodias do
passado,
Como se fossem pedaços de
pão
Descendo a calçada da
saudade.
Pintou o mar
Na janela, também ela,
invisível,
Melódica,
Triste,
Arrogante,
Pois o mar,
Salgado,
Vive-se de quê?
Do sono,
As chaves da despensa
Onde se escondem os
duzentos e seis ossos
Das trezentas e vinte
palavras.
Doce.
Amargo, silêncio.
A árvore,
Desce a calçada,
Levanta-se contra o lixo
Acumulado e,
Sem o saber,
Cansa-se da cidade onde
habita.
O fim.
O princípio do fim,
Quando dois corpos
balançam no baloiço
Do desejo.
Fodeu-se o boneco.
Fodeu-se o poeta,
Dono do boneco e,
Do homem invisível.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 29/08/2021
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