quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Um dia



Um dia vou regressar
Aos teus braços,
Minha terra prometida!
Um dia vou cortar estes laços
Que me aprisionam à maré esquecida…
Sem tocar no mar,
Sem tocar nos teus lábios entre abraços
E multidões em fúria,
Um dia,
Um dia vou regressar
Para nunca mais voltar,
Sentir a lamúria
Dos espelhos prateados,
Um dia,
Um dia vou libertar todos os corpos cansados…
Aos teus braços)
Nos teus abraços)
E não vou chorar,
E não vou brincar…
No teu triste olhar.


Francisco Luís Fontinha
14/12/16

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

De nada ter



E se o tempo cessasse de crescer
Como cessam os sonhos em mim
O poço da escuridão quase a morrer
Num qualquer jardim
E se o tempo começasse a chorar
Como choram as minhas palavras
Quando não me apetece escrever
Certamente o poço da escuridão
Não cessava de sofrer…
As roldanas do coração
Empenadas e gastas de caminhar
Sobre a água de chover…
E se o tempo cessasse de crescer
Como cessaram as acácias de viver
O tempo é uma jangada à deriva nas pedras do ser
Um relógio cansado de bater
Horas
Minutos
Segundos…
De nada ter.


Francisco Luís Fontinha
13/12/16

sábado, 10 de dezembro de 2016

Montanha proibida


As tuas mãos cansadas

Poisadas no meu rosto agreste

Sentindo o vento imaginário

No meu peito o arado

Semeio as palavras do teu sorriso

E espero pelo regresso…

Das palavras envenenadas

Colho o silêncio verso

Quando o pôr-do-sol acorda sem perguntar

A idade do meu caminheiro…

E no mar

Sou o dono do teu sorriso

Quando invadem a cidade os guerreiros da alvorada

E da calçada

Os rochedos da inocência

Recheados

De alimento

Invento

Invento o beijo argamassado

No destino de criança

Abandonada à nascença…

Os livros que morrem

Sobre as minhas coxas desmedidas e sem sentimentos…

Amanhã nobres ventos

Se vão alicerçar na madrugada

Sem dares conta

Da minha presença

Sem perceberes a minha morada

As tuas mãos cansadas

Os meus dedos entrelaçados no abismo

Que a terra há-de comer

Depois da minha partida

As ruas sem saída

As ruas sem transeuntes enlatados

Pelos carros

Pelas pessoas

E pelos sonâmbulos sem-abrigo

O peso da morte

Quando desce as paredes da montanha proibida

O amigo

Correndo o rio dentro dos calções coloridos

E os teus olhos…

Em mim recolhidos.

 

 

Francisco Luís Fontinha

10/12/16

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Ribeira assassina


Espero-te junto à ribeira assassina

Como se fosse um cadáver enfeitado

Meia dúzia de ossos putrefactos

Esperando o regresso do coveiro

Das tranças da menina

A lareira coberta de cactos

E miudezas sem rima…

O corpo desfalcado

Nas mãos do oleiro

Primeiro

O ventrículo desajeitado

Que tenho no meu peito

Ai… ai menina esse olhar

Sentado na escrivaninha…

A semear palavras

Palavras de escrever

Apetece-me chorar

Apetece-me esconder…

Confesso-me… sem jeito

Nem paciência para habitar o silêncio do amanhecer

Que morre ao nascer…

Que morre sem querer.

 

 

Francisco Luís Fontinha

09/12/16

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Os dias do ódio



Os dias do ódio,
Míseros caminhos, destinos incertos,
Dão-me palavras para semear no vento.
Sou uma caravela em sofrimento,
Um texto disperso…
À procura de alimento,
Os dias do ódio,
Os dias encobertos
No coração deste verso,
Uma jangada abandonada na claridade
Da noite os olhos abertos,
Míseros caminhos, destinos incertos…
Quando o meu corpo chora o luar
Que ficou aprisionado no deserto,
Os dias do ódio,
Destinos incertos,
Míseros caminhos,
Míseros esqueletos libertos,
O sítio da pedra queimada
Onde me sentava…
E esperava
Pelo regresso da madrugada,
O silêncio da espuma na brochura iluminada,
Os dias do ódio…
Nos dias de nada.


Francisco Luís Fontinha
07/12/16

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

O triângulo da morte



Todas as palavras voam sobre o mar,
Há-de haver uma gaivota em desejo
Nos vulcões suspensos do prazer,
O fingimento da madrugada
Quando a pobreza habita um corpo cansado de viver…
Há-de haver uma calçada
Nos meandros do beijo,
Uma palavra para escrever
Em cada olhar viciado na cobardia,
Em cada olhar disfarçado de lágrimas solares,
Em cada ensejo
Todas as palavras voam…
Todos os mares correm
E morrem,
Nos corredores em silêncio azulejo,
A cada dia,
Todas as palavras,
Morrem,
Morrem depois do amanhecer,
E na escuridão do ser,
E na mão do ter…
Resta esta árvore de sofrer.


Francisco Luís Fontinha
06/12/16

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Terra do silêncio


Esta terra entranhada nas raízes do Diabo,

Sonolenta quando acorda o Inverno,

E uma lâmina de lágrimas brota do seu coração,

Saboreia as espadas da dor

No término da tarde onde inventa o silêncio do desejo,

Uma enxada poisa na sombra da terra lavrada,

E o vulto de cigarro em cigarro,

Como uma árvore deitada

Sobre a esplanada da paixão,

Dorme docemente…

Esta terra é íngreme como as montanhas do Adeus,

Sem sorriso,

E do cansaço brilham as estrelas da noite…

A casa gélida, triste,

Murmuram os candeeiros a petróleo nas cicatrizes da incerteza,

O absoluto orgânico melancólico cilíndrico…

Que o peso da lua deixa ficar sobre os envidraçados lábios,

Esta terra de beijos e moradas,

Esta terra queimada pelo incenso do amor

Que em todas as horas desperta como uma criança de luz…

Sinto o brilho dos teus olhos

Nas almofadas do desterro,

E as palavras que semeias…

Habitam este Inferno de viver.

 

 

Francisco Luís Fontinha

05/12/16