sábado, 31 de janeiro de 2015

Beijos em flor

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Roubaste-me o sorriso nocturno dos beijos em flor
pegaste nas minhas palavras e transformaste-as em solitárias andorinhas
depois
trouxeste a Primavera
e o amor
do poema
de amar o poema
e sentir no peito as equações do destino...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 31 de Janeiro de 2015


quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Os murmúrios da noite


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Tenho medo meu amor
quando os murmúrios da noite caem sobre os teus seios poéticos
e o fantasma do poema acaricia o teu corpo
como se fossem as minhas mãos encardidas pelo passado
tenho medo
meu amor
quando chove
tempestades...
e tu
não estás
ausente
viajante

dos círculos de gesso
e das acrílicas esferas que dormem nos teus cabelos
tenho medo do teu silêncio
e dos teus lábios de pergaminho
a rua deserta meu amor
um cigarro despede-se de mim
como se esta fosse a nossa última noite
juntos
e tu
não estás
ausente
viajante

do cúbicos orgasmos literários
tenho
medo
meu
amor
das pedras
dos pássaros
… e das flores
tenho medo que regresses
em formato digital
a preto e branco
a fotografia da teu destino...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 29 de Janeiro de 2015

Insónia madrugada


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Perco-me nas avenidas de cartão,
levo nos ombros o peso das tardes húmidas,
carrego a insónia madrugada
como se fosse um corpo invisível,
sem palavras,
perdido,
a humilhação do amanhecer
quando eu não queria acordar
e olhar
as avenidas de cartão,
e perde-se o cansaço
num simples sorriso de luar...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 29 de Janeiro de 2015


quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O teu nome


O teu nome
uma vírgula
encalhados na Península das palavras
o teu nome
uma vírgula
e... e a solidão desalmada do meu triste olhar
quando anoitece
e o vento me rouba o sorriso
ficam nas pálpebras o silêncio amor das quatro paredes graníticas
da prisão esquecida nos teus lábios
perco-me
e corro

uma vírgula
entranhada no teu peito
o dardo venenoso da insónia
a arte acorda nas paredes límpidas do meu corpo

ardo
sinto as cinzas a alicerçarem-se nas avenidas
da cidade
uma vírgula
solteira
cansada
da cidade os teus beijos envergonhados
desenhados
solteira
uma vírgula
apaixonada.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 28 de Janeiro de 2015

Amargos lábios do poema

Nunca soube o que era o amor, acreditava nas gaivotas em papel da minha infância, recordo o triciclo enferrujado, o boneco estúpido que apelidei de “chapelhudo”..., que parvalhão apelidava o seu fiel amigo de “chapelhudo”, eu, claro,
As palavras misturados entre orgasmos e flores, gemidos cirílicos suspensos nas andorinhas em flor,
Eu?
Nunca,
O amor,
Poemas escritos debaixo da embriaguez
Freguês?
Nem uma modinha habita na minha algibeira, e o amor sossegado debaixo de uma mangueira, crescia, brincava e...
Nunca,
E embrulhava-se na timidez de um novo dia, e lentamente, os meus ossos alimentados pelos sulcos solitários da noite, a barriga crescia-lhe, é menino? Menina?
Freguês?
Eu, simulador de voo quando as estrelas dormem, e habita na minha algibeira uma película fina de desejo,
O que é o desejo...!
Não
Nunca soube o que era o amor,
Não pai, não pode ser,
A vida é viver, um dia, dois dias, um quatro de dia..., percebes?
VIVER...
E amar?
Não sei, meu pai, não... sei,
O frio entranhava-se-lhe nos ossos fictícios de pequenas partículas de desejo, António inventava fogueiras no olhar, esfregava as mãos como se de um reza se tratasse, mas não, a rua deserta deixava-lhe suspenso nos ombros um fino silêncio de noite, imaginava vãos de escada em cada esquina, desenhava na geada pequenos quadrados, depois, de pé ente pé saltitava como a queda de uma folha,
Um cigarro adormecia-me a alma, reclamava ele quando dois adolescentes se abraçaram a ele
E ele?
Incrédulo,
Vocês. Aqui?
Sim, pá, nós aqui,
António florescia, António corria calçada abaixo até ao rio, sorria... e regressava,
Não,
Não acredito que os meus irmãos estejam aqui, comigo, só nós,
Não,
Um cigarro, tem lume? Que não, que não,
Vocês aqui...
Meus Deus, tanta solidão, frio, fome...,
Foste tu que quiseste, ou não?
E António fulminava o irmão Miguel com as pálpebras inchadas,
Eu é que quis...!
Quase como lâminas afiadas, depois, o acordar da cidade, os primeiros automóveis do dia, depois os últimos bêbados da noite, e depois
Não, não acredito,
Os Primeiros cheiros de Lisboa,
O fumo argamassou todas as palavras... Meus Deus, vocês aqui...
O amor é uma noite escura, imagens tridimensionais vagueiam nos teus seios de Inverno, a geometria do prazer inventa-se,
E transforma-se em películas de desejo, o corpo vacila, sente a tempestade íngreme do desespero, amanhã não há madrugada, amanhecer, horas, sorrisos... e beijos,
O amor?
Uma parábola esquecida no mural de xisto junto ao rio, lá longe os barcos embalsados, aqueles que ninguém ama, quer...
Geometria, equações trigonométricas com odor a poesia
Possível
E no entanto o amor é uma noite escura, sombria, habitada pelo medo da paixão, uma rua, uma avenida... e embriagados transeuntes olhando monstras desertas, as insinuações acomodadas do dia, sentado, de pé... correndo,
Escrevo palavras para não morrer, e o amor é uma noite escura, imagens, retratos, e... e quadros desconexos,
Avenida,
Sem sentido,
Correndo
Possível?
Correndo sobre as tempestades de areia, e acordo sobre a imensidão do impossível, dos amargos lábios do poema,
Palavras,
Mortas... encaixotadas nos teus lábios...



(texto de ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Janeiro/2015