quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Amargos lábios do poema

Nunca soube o que era o amor, acreditava nas gaivotas em papel da minha infância, recordo o triciclo enferrujado, o boneco estúpido que apelidei de “chapelhudo”..., que parvalhão apelidava o seu fiel amigo de “chapelhudo”, eu, claro,
As palavras misturados entre orgasmos e flores, gemidos cirílicos suspensos nas andorinhas em flor,
Eu?
Nunca,
O amor,
Poemas escritos debaixo da embriaguez
Freguês?
Nem uma modinha habita na minha algibeira, e o amor sossegado debaixo de uma mangueira, crescia, brincava e...
Nunca,
E embrulhava-se na timidez de um novo dia, e lentamente, os meus ossos alimentados pelos sulcos solitários da noite, a barriga crescia-lhe, é menino? Menina?
Freguês?
Eu, simulador de voo quando as estrelas dormem, e habita na minha algibeira uma película fina de desejo,
O que é o desejo...!
Não
Nunca soube o que era o amor,
Não pai, não pode ser,
A vida é viver, um dia, dois dias, um quatro de dia..., percebes?
VIVER...
E amar?
Não sei, meu pai, não... sei,
O frio entranhava-se-lhe nos ossos fictícios de pequenas partículas de desejo, António inventava fogueiras no olhar, esfregava as mãos como se de um reza se tratasse, mas não, a rua deserta deixava-lhe suspenso nos ombros um fino silêncio de noite, imaginava vãos de escada em cada esquina, desenhava na geada pequenos quadrados, depois, de pé ente pé saltitava como a queda de uma folha,
Um cigarro adormecia-me a alma, reclamava ele quando dois adolescentes se abraçaram a ele
E ele?
Incrédulo,
Vocês. Aqui?
Sim, pá, nós aqui,
António florescia, António corria calçada abaixo até ao rio, sorria... e regressava,
Não,
Não acredito que os meus irmãos estejam aqui, comigo, só nós,
Não,
Um cigarro, tem lume? Que não, que não,
Vocês aqui...
Meus Deus, tanta solidão, frio, fome...,
Foste tu que quiseste, ou não?
E António fulminava o irmão Miguel com as pálpebras inchadas,
Eu é que quis...!
Quase como lâminas afiadas, depois, o acordar da cidade, os primeiros automóveis do dia, depois os últimos bêbados da noite, e depois
Não, não acredito,
Os Primeiros cheiros de Lisboa,
O fumo argamassou todas as palavras... Meus Deus, vocês aqui...
O amor é uma noite escura, imagens tridimensionais vagueiam nos teus seios de Inverno, a geometria do prazer inventa-se,
E transforma-se em películas de desejo, o corpo vacila, sente a tempestade íngreme do desespero, amanhã não há madrugada, amanhecer, horas, sorrisos... e beijos,
O amor?
Uma parábola esquecida no mural de xisto junto ao rio, lá longe os barcos embalsados, aqueles que ninguém ama, quer...
Geometria, equações trigonométricas com odor a poesia
Possível
E no entanto o amor é uma noite escura, sombria, habitada pelo medo da paixão, uma rua, uma avenida... e embriagados transeuntes olhando monstras desertas, as insinuações acomodadas do dia, sentado, de pé... correndo,
Escrevo palavras para não morrer, e o amor é uma noite escura, imagens, retratos, e... e quadros desconexos,
Avenida,
Sem sentido,
Correndo
Possível?
Correndo sobre as tempestades de areia, e acordo sobre a imensidão do impossível, dos amargos lábios do poema,
Palavras,
Mortas... encaixotadas nos teus lábios...



(texto de ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Janeiro/2015

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