sexta-feira, 25 de abril de 2014

viver não vivendo


vivo fingindo viver
procurando o que já morreu
inventando palavras que nunca tive a coragem de escrever
vivo esperando o amanhecer
que da madrugada cresçam lábios de cereja
e pedacinhos de papel com barquinhos desenhados
vivo debaixo da sanzala encarnada
olho o Sol e sinto a tua pele misturada com imaginados sorrisos
de prata
cachimbos mergulham e acreditam que
vivendo fingindo viver...
um dia

um dia vou regressar ao quintal recheado de mangueiras
com sombras estrelares
fingindo
correndo...
amando os velhos telhados de luz
como amo o fingimento de fingir que vivo

vivo fingindo viver
nesta jangada de silêncio
com velas de pano
viver viver viver...
não sabendo o significado do amor
amando fingindo que amo
sou um marinheiro esquecido no Oceano
procurando
inventando...
dormindo nas esplanadas que habitam no Tejo
recordando muros amarelos
porque fingindo viver... não vivo... não vivo esta vida de corpos em mármore.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 25 de Abril de 2014

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Hoje


Hoje sinto a falta da cor dos teus lábios,
do silêncio do teu olhar,
hoje sinto a falta do inseminado teu sorriso,
do pergaminho teu corpo...
escrito,
nu...
hoje sinto a falta do teu cabelo disfarçado de jardim,
sentado sobre uma lápide de saudade,
olhando o mar...
sonhando,
porque hoje...
hoje sinto a falta dos teus braços.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 24 de Abril de 2014

quarta-feira, 23 de abril de 2014

“Livro”


Porque te chamo de “Livro”...
se tu és um extenso areal,
de pele húmida,
e seios doirados?
Vives em frente à Baía de Luanda,
e escrevo no teu corpo palavras,
palavras que o Oceano me rouba,
como me roubou a infância,
me prometeu... sim, que um dia eu ia regressar...
Eu... eu regressar às tuas páginas esbranquiçadas,
anónimas como eu... corpo nu enfeitado com janelas de porcelana,
“Livro”...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 23 de Abril de 2014

terça-feira, 22 de abril de 2014

a claridade da saudade


não me recordo
esqueci a palavra mágica para ter acesso ao teu coração de navegante
perdi-me na insónia
e acordei na ilha teu corpo desnudo
fatigante
como estrelas em morte por asfixia
não me recordo
não sei como se escreve a palavra “amor”...
esqueci
e deambulo na rua com candeeiros de solidão
naquela cidade onde habitavam fotografias doentes
tão doentes que apenas se deslumbravam nelas a claridade da saudade

o relógio que vivia na torre da Igreja morreu
como morreram todos os Sábados da minha alma
não me recordo
da Primavera
de como regressei
do mar
e da paixão das gaivotas em cio
não me recordo
de quando ainda tínhamos silêncio
e jangadas envenenadas pelos muros do desespero...
recordo-me de recordar beijos
e sinto o odor dos lábios em pequenas tempestades de desejo.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 22 de Abril de 2014

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Luar


Hoje, tu, não estavas,
provavelmente tinhas partido, sem uma carta de despedida, sem um desenho esquecido na parede do quarto,
percebi que os nossos lençóis não tinham o teu perfume,
olhei o espelho do guarda-fato... e apenas uma poeira de néon, nada mais...
o teu rosto das noites imaginárias tinha voado,
abri a janela... e pareceu-me ver o teu corpo naufragado, sem voz, sem pétalas azuis,
hoje, tu, hoje tu não estavas,
e o meu relógio de pulso não cessou de girar... girar, girar... como eu, em volta do Luar.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 21 de Abril de 2014