sábado, 2 de novembro de 2013

volúpias madrugada em ti

foto de: A&M ART and Photos

volúpia madrugada em ti
quando te tocavam as minhas pétalas mãos
ouvíamos o silêncio desejo subir os andaimes da paixão
sentávamos-nos sobre a pedra emagrecida da vaidade
acariciávamos os vampiros olhos da noite sem nome
éramos dois vagabundos
mergulhados na tristeza
éramos dois corpos de açúcar ínfimos nos alicerces da beleza
não sabíamos que as palavras viviam em nós
como viviam em vós os pedaços de papel da alvorada
cansados em sexo de ocasião...
sentávamos-nos sobre a almofada e sorriamos para o espelho carrancudo da noite
os outros éramos nós em volúpias canções de amor
quando roubávamos às palavras as almas e os sinos da transatlântica corrente de aço
ouvíamos os gonzos das esplanadas que entravam logo pela manhã na cidade dos vícios...
fumávamos e fodíamos
fumávamos e dormíamos
fumávamos e... nada como volúpias madrugada em ti
quando as minhas pétalas mãos fecundavam as sílabas do prazer
e nascia o teu e só teu poema


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 2 de Novembro de 2013

E um cordel de medo a atravessar o espaço vazio de nós...

foto de: A&M ART and Photos

A musicalidade das tuas mãos poéticas, sinto em mim as teclas do piano onde poisas o teu silêncio, e mergulhas no Sol e és levada para as nuvens invisíveis que habitam no meu peito, a rua está deserta, e chove, e a lareira ficou acesa, há um cadeirão pronto a receber-te e um livro esguio e macio para abraçar a tua doce pele de chocolate,
Sinto-me criança envolta de farrapos e antigos utensílios de cozinha, quero ligar o interruptor do amor, aquele que há muito foi desligado pela intempérie do desejo e não consigo, sou tão pequeno, sou tão baixinho... que não o alcanço com os meus dedos de arame envergonhados pelo reumatismo e pela insónia de procurar-te entre as fotografias e de nunca ser eu capaz de te encontrar, sem
Atrasado?
Sempre ignorado, vergado, mergulhado nos lençóis da infância quando apenas tínhamos um cobertor que servia para nós os três, não havia divisões na nossa casa,
E apenas
Chita suspensa num cordel,
A vedação de nós, separados por milímetros de estampados impregnados com cheiros do outro lado da rua, e uma varanda, de vez em quando, agoniava-se com a nossa presença,
E apenas pássaros sobre o teu cabelo curto de alfazema...
E apenas
Chita suspensa num cordel,
Sempre impermeável como um oleado telhado sobre a velha estrutura em madeira, chovia-nos e às vezes parecíamos candeeiros de parede esperando a mão de quem os acende, a chama era ténue, e tremíamos como arbustos esperando o regresso do Tejo dos tempos que nos visitava, entrava pela varanda, os primeiros dias ficava à nossa espera até que um de nós lhe pegava e o trazíamos para dentro, depois
E apenas
Chita?
Depois ele mesmo fazia as cerimónias da casa, subia à varanda, ora fica a fumar o seu cigarro ora entrava logo após regressar, e sentava-se no colo de um de nós, quase sempre fazia-o no meu, talvez porque eu era o que mais saudades tinha dos tempos dos barcos paquetes rasgando os Oceanos meninos das floreiras em tristezas Primaveras,
Chita suspensa num cordel,
E apenas queríamos viver como todos os outros viviam, e apenas esperávamos o regresso da vida condigna como todos os outros a tinham, e apenas..., sentíamos o pulsar dos corações da geada nos vidros estilhaçados, tínhamos janelas incompletas, vazias, doentes, janelas com quadrados espaços onde tudo entrava menos o calor e a saudade, tínhamos vergonha da vergonha quando em nada tínhamos de nos envergonhar, e sabíamos que as escadas graníticas, durante a noite, desapareciam, e ficávamos sem acesso à rua, madrugada dentro
Sempre,
A chita?
Entravam, embriagadas como varões em aço esperando a mão do operário especializado em ferro, e logo pela manhã, e logo que fosse dia, deitávamos-lhe água a ferver, desaparecia-lhe a embriaguez e o gelo e após alguns minutos voltávamos a ter escadas de acesso à rua, chita suspensa num cordel, metralhadoras ouviam-se em volta do chafariz junto à igreja, gorgulhos de felicidade cresciam nos arrozais dispersos dos teus lábios de lânguida manhã de Outono, e os outros besouros adormeciam na nossa varanda enquanto não regressava o Tejo, e de cigarro na boca, e de pulseira no braço, e de lenço ao pescoço...
Gargantilhas voando entre gafanhotos e portas de madeira prensada, tristes e belas, e envergonhadas pelas janelas sem vidros, e da casa
Sem paredes, nada, apenas
Chita?
E um cordel de medo a atravessar o espaço vazio de nós...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 2 de Novembro de 2013

madrugadas de alecrim

foto de: A&M ART and Photos

eu me confesso aos teus secretos desejos
oiço em ti a sinfonia melancólica da paixão louca que acorda as palavras poucas
eu me confesso aos teus olhos de espiga solitária
no infinito cereal pergaminho
vejo e sinto os animais vadios
e os pássaros mendigos
eu me confesso sabendo que tens em ti a diurna estória sem sombras
ou os pequenos laços no pescoço da morte
ou da lápide o sofrimento ensanguentado beijo da despedida
a partida é uma forma de viver
ser feliz
e sonhar com as madrugadas de alecrim


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 2 de Outubro de 2013