sábado, 24 de agosto de 2013

A sanzala incha como pequenos frascos em vidro

foto de: A&M ART and Photos

Sem muros, a seara livremente em movimento, a seara alegremente voando como os teus doces dedos quando se entranham no meu branco cabelo, e algumas das minhas folhas, ainda por escrever... vão-se alicerçando nos braços da madrugada, venho de ti chorando porque percebi que as cadeiras da vida, algumas, não muitas, estão a morrer, primeiro o maldito bicho, depois... depois... a maldita morte, e depois, bom, depois a tua aspereza dos violinos em flor, havia sons que mal distinguíamos nos soníferas luzes da noite, e o castanho corpo teu... amaldiçoado pelo cansaço
Tomba,
O musseque engorda,
A sanzala incha como pequenos frascos em vidro quando miúdo colocávamos grilos e outros bichos, nãos os que matam as cadeiras da vida, estes, estes apenas nos roubam os sonhos, roubavam, porque hoje, nem bichos, nem sonhos, nem... nem o teu corpo castanho,
Tomba,
Entre os charcos acabados de preencher como o impresso de candidatura com o respectivo currículo, depois de entregue
Lixo,
Depois de entregue
Nem para limpar o cu serve,
“Brancooo é papel e só serve para limpar o cu”, gritavam elas,
E a sanzala inchava, crescia, multiplicava-se,
Lixo,
Sem muros, como vértices de areia engolidos por sexos baratos, regressava da feira da Ladra apenas com as cuecas e pouco mais, a vida de difícil passou a horrível,
E a diferença
Está no número, de autocarro é um, de eléctrico... talvez seja outro, mas todos vão dar ao mesmo, e todos me levavam de regresso, entrava em casa, subia as escadas tão devagar que nem as ratazanas davam pela minha presença, mas ela
Isto são horas de chegares?
E eu perguntava-me se existem horas certas para regressar a casa, mesmo apenas em cuecas, se existem horas certas para as refeições...
Horas, tem horas?
Não, não as tenho, sou alérgico,
Mas ela entre perguntas e respostas, entre o vai e o vou, fui e nunca mais voltei à sanzala, cansei-me das viagens nocturnas pelas avenidas transatlânticas com bancos em madeira e pássaros de pedaços papel, fartei-me da cubata apenas só com uma porta de entrada, e juro
Detesto,
Juro que me irrita entrar e sair sempre pelo mesmo sítio, parece de loucos, e de loucos, juro, preferia entrar pela porta e sair pela janela, mas a cabra da cubata nem janelas tem, nem cortinados tem, nem tecto onde suspender um par de calças
Tem?
Não, não tem não,
E entro em casa de cuecas na mãos, ela
De onde vens tu'
Venho da lua, venho do mar, venho de onde não te interessa,
Adeus,
Era Domingo, acordei cedo, sem muros, a seara livremente em movimento, a seara alegremente voando como os teus doces dedos quando se entranham no meu branco cabelo, e algumas das minhas folhas, ainda por escrever... vão-se alicerçando nos braços da madrugada, venho de ti chorando porque percebi que as cadeiras da vida, algumas, não muitas, estão a morrer, primeiro o maldito bicho, depois... depois... a maldita morte, e depois, bom, depois a tua aspereza dos violinos em flor, havia sons que mal distinguíamos nos soníferas luzes da noite, e o castanho corpo teu... amaldiçoado pelo cansaço
Tomba,
E O musseque engorda...


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 24 de Agosto de 2013

do medo em furações de areia

foto de: A&M ART and Photos

tenho medo dos furações de areia
que fingem e mentem
como corações de manteiga

tenho medo da chuva
e do vento com sorriso de gente
como a cidade semeada no deserto
tenho medo dos teus olhos
quando desce a noite sobre os teus finos braços de árvore cansada
maltratada
doce
magoada
tenho medo dos silêncios que a madrugada esconde
que os teus lábios comem...
e que a tua garganta em palavras de incenso
grita...

choras
e as convulsões da tua pele
sobre o mar
como barcos
como homens empobrecidos
mortos
sentenciados por um criminoso diplomado
coitado

(do medo
do medo em furações de areia)


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 24 de Agosto de 2013

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Você voa, amooor?

foto de: A&M ART and Photos

Você voa?
Sim, eu voo, mesmo? Sim, mesmo...
A mulher dos longos cabelos foi impressa no espelho do meu desprezável quarto, com apenas uma velha cama e um ignorante guarda-fato, o dito que abraça o tal espelho, mais as teias de aranha e os mosquitos que durante a noite
Voam,
Sim amor, eu voo,
Você voa, amooor? Claro... quando bebo e coloco as asas de borboletas que utilizava na escola para me lançar da árvore do recreio... voava, voava, até que chegava ao mar, aí
Você voa, amooor? Claro, filha, eu voo, e aí...
Você me mata do coração, meuuu amooor!
E aí eu alcançava o mar, descerrava os olhinhos, e tu, você voa, amooor? E tu sentada sobre a onda castanha junto à rocha, coisa pouca, cerca de quinhentos metros da praia, eu poisava sobre você e lhe dizia baixinho
Sim, amooor, eu voo,
Lá em casa, nas vagas horas, praticávamos voo livre entre as teias de aranha e os caquécticos móveis do nosso quarto, você foi impressa ainda no tempo em que as noites tinham sorriso verde, ainda no tempo em que das noites vinham até nós as imagens a preto-e-branco e você no espelho
Você me ama, amooor?
Sei lá, não o sei, nunca percebi nada de impressoras, e este tipo a jacto de tinta... pior, nasci e habituei-me com impressoras de agulhas, não eram silenciosas, mas conseguiam imprimir-te tão facilmente no espelho do quarto que os teus seios conseguiam ser mais perfeitos de que os originais, e de conversa em conversa, deixávamos de perceber quem era quem, e quem era o verdadeiro...
Você me ama, amooor?
Porra... que você é chata, porra... que você me mata do coração, meuuu amooor!
… e quem era o verdadeiro das inúmeras imagens deitadas sobre o estirador, noites inteiras com a caneta de tinta na mão a inventar riscos sobre o papel vegetal, e você
Me ama, me dia, você me ama, amooor?
Porra... e mais um borrão, tudo de novo, lâmina de barbear, raspar, pegar no lápis borracha... e continuar com os risco até de manhã,
Depois,
Depois entranhava-se-me o sono, olhava-a e via-a impressa no espelho, bela, linda, de cabelo solto acabado de sair da água salgada, mulher do castelo com portas de aço, e ela
Você...
Não, por favor, hoje não,
E não mais, voei, poisei sobre a rocha, e não mais
Você me ama, amooor?
E não mais, e não... mas, do espelho a impressora de vinte e quatro agulhas não se cansava de imprimir os seios de chocolate da mulher do castelo com portas em aço, e sem janelas, e sem escadas, e alimentava-me dos sons desconexos da velhinha impressora, tão bela, ela, dentro do espelho, sempre em sorrisos de espuma, sempre
Você...
Por favor, não mais
Você me ama, amooor?
Não
E não mais, porque hoje és impressa e só dou conta quando tu
Você me ama, amooor?
E tu
Não, não mais, e tu
Você?
Voa?


(não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 23 de Agosto de 2013

solidão nocturna

foto de: A&M ART and Photos

canso-me das palavras que não posso gritar
aquelas palavras que ficam guardadas
aprisionadas dentro do espelho que alimenta o teu olhar
canso-me dos livros que leio e li
e daqueles que dormem sobre mim invisivelmente
sós...
e é tão triste ser um livro
que ninguém acaricia
e lê e só...
deitado sobre a prateleira número quatro
ao lado da solidão nocturna
das personagens envenenadas que se suicidam depois de terminar a estória...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 23 de Agosto de 2013
Participação de Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A cidade literária

foto de: A&M ART and Photos

O estranho... é a roulote estar sempre só, ausente, vazia, o estranho é a simples placa imaginária sobre a porta de entrada
Núria,
Numa letra muito artesanal, quase em gatafunhos, percebe-se que o autor(a) é de pouca instrução, alguém, alguém que provavelmente aprendeu a escrever a palavra
Nuria, só, sem assento,
Uma roulote simples, como a que eu sempre sonhei, desde criança, também simples, de terra em terra, eu simples e só, percorrendo campos não governados, desbravando montanhas íngremes, construindo caminhos, veias, artérias, até chegar ao coração
E Núria
Sobre a porta de entrada de uma pobre roulote,
E depois do coração... o espirrar... até atingir o tecto nocturno do Céu, e uma substância mucosa descendo, muito devagar, as entranhas das costas que sobejaram de ti, depois de teres partido... e apenas a placa ficou à espera pelo teu regresso
Nuria,
Não regressaste, não foste mais observada pelos morcegos da noite... e dizem que hoje já não te chamas Núria,
Nuria?
Não, não eu,
E nunca o fui...
E nunca o foste...
Pergunto-me hoje, quem serias tu, se não eras a Núria...
Juro, juro que nunca fui Nuria,
E jurado está jurado, e como a noite depois de acordar fica... fica assim num estado de sonambulismo, assim num estado de embriaguez..., e tu, tu Núria
Não, não Nuria, não eu,
Tínhamos um burrinho que baptizamos de foguetão, vivia junto à roulote, era assim como devo eu explicar...
O guardião da roulote?
Isso, isso mesmo, faltava-me essa palavra, às vezes tenho necessidade de comer palavras, às vezes tenho a triste necessidade de comer livros, papeis... coisas, e às vezes
Nuria? Não, eu não Nuria,
E às vezes ouvíamos-o durante a noite em conversas desconexas com quem passava, o foguetão percebia de tudo um pouco, sabia que a noite construía sótãos despovoados sobre a cidade argamassa depois de todas as cinzas
Voarem?
Núria, és tu?
Não, não eu, não Nuria eu,
E elas iam-se acumulando num qualquer vão de escada, baixavam as calças, e a literatura parecia línguas de fogo na boca da inocente Núria,
Não
Eu
Não Nuria, eu, não...
E quando lhe perguntavam o que fazia uma velha sanita no patamar da escada que dava acesso ao quarto esquerdo, ele, timidamente... respondia
Núria,
Eu não Nuria, não eu,
E a roulote encostada ao velhíssimo plátano espera, desespera, acorda, adormece, e tal como a noite, e tal como as estrelas do teu cabelo, e tal
Núria, és tu?
Não, não Nuria,
E tal como a vida, as cinzas da cidade poeirenta em pequenos cubos literários, em pequenos movimentos do foguetão, que assanhava com a cabeça quando alguém por ele passava e não o cumprimentava,
E o comprimento da dita roulote não mais do que três metros e cinquenta centímetros,
Cumprimentos, e Núria,
Não
Não eu Nuria,
Núria apenas sabia que o comprimento, todas as manhãs, se sentava ao lado do foguetão, e conversavam, e conversavam... até que um dia a cidade literária deixou de respirar, e Núria
Não, eu não Nuria,
E Núria ficou eternamente nos meus abraços.

(não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 22 de Agosto de 2013

Amanhecer olhar

foto de: A&M ART and Photos

O negro silêncio que o teu sorriso ilumina
as pedras em cubos
como chocolate adormecido nos lábios de uma menina
uma porta encerra-se e a rua vai ficar deserta
a janela aberta
porque o velho mendigo
vai seguro e está vivo
e a rua... morta de sono... e a rua... consumida pelo fogo da vaidade,

O negro acorda
sabendo ele que os rios são de brincar
que os barcos são filhos dos rios
e as madrugadas
amantes dos homens apaixonados
que trazem com eles o mar
e as nuvens
a as cores do teu amanhecer olhar.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 22 de Agosto de 2013

Em destaque no Sapo Angola - Blogue Cachimbo de Água.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

traço descontínuo

foto de: A&M ART and Photos

há um traço descontínuo que nos separa
nuvens que encobrem o teu olhar
abraços dispersos pela madrugada
há um traço descontínuo
um ruído ensurdecedor que acorda com o amanhecer
há um poster de uma mulher nua na paredes da tua insónia
descontínuos
as pernas e a sombra dos triciclos em madeira...
há uma casa dentro de uma estrada
rodeada por um fino traço descontínuo
há chuva
há crianças correndo e saltando as sebes do invisível
há uma menino especial
com dentes em marfim
há uma menino que dizem ser filho do sol
e do cacimbo...
há um traço de ti que é descontínuo...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 21 de Agosto de 2013

FRANCISCO LUÍS FONTINHA (Participa no II Volume de PALAVRAS DE CRISTAL)

ALIJÓ

Nasceu em Angola, Luanda, a 23 de Janeiro de 1966. Em 1971 vem para Portugal com os pais e fixam-se em Alijó, Vila Real, onde faz os estudos, primários, secundários, e mais tarde, já como desenhador, frequenta o curso de Engenharia Mecânica, em Bragança, que por dificuldades económicas, não concluiu.
Apaixonado por livros, gosta de ler, escrever, desenhar, e colecciona cachimbos. Escreve regularmente no seu blogue Cachimbo de Água (http://cachimbodeagua.blogs.sapo.ao/). Tem um texto de ficção escolhido pelo escritor José Luís Peixoto, publicado na rubrica Conte Connosco 2 – pág. 72/73, livro apenas digital. Ultimamente tem um poema publicado na pág. 465/466 na “Antologia de Poesia Contemporânea Vol. IV, Entre o Sono e o Sonho”, Chiado Editora, participou nas colectânea de poesia “Palavras de cristal I” e “Aqui há Poetas – Poesia sem gavetas parte II”.