sexta-feira, 16 de março de 2012

Na cidade

Quando o céu se esconde na montanha
E na cidade
Entre as ruas em ruinas
Uma criança
Uma criança em lágrimas
Um candeeiro plantado no centro do passeio
Descendo a calçada
De olhar vazio
Dentro do rio
Um barco desgovernado
Nos seios da neblina
Quando o céu se esconde na montanha

Quando a noite
(E na cidade
A prostituta cansada
Doente)
Quando a noite dorme profundamente nos seios da neblina
E a prostituta contente
Engata o candeeiro plantado no centro do passeio
Como medo
Sem asseio

E na cidade
A prostituta cansada
Doente
Afaga o cabelo da criança em lágrimas
Procura os cigarros na algibeira
E finge caminhar junto ao mar

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quinta-feira, 15 de março de 2012

Infinitamente azul

Infinitamente azul
O fio de nylon que se alicerça nos teus olhos
A tarde transparente
Suspensa nos teus lábios

Infinitamente azul

A noite travestida de dia
O espelho do guarda-fatos abraçado à alvenaria
E à janela
Um livro de poemas
Engasgado nas palavras
Vomitando a luz do dia

quarta-feira, 14 de março de 2012

Sorriso oblíquo

Oblíquo o meu sorriso
Quando se abraça a duas retas paralelas
Depois da tempestade
E antes de acordarem todos os olhares
Que atormentam a maré

Ridículo o meu olhar
As flores e todos os braços das árvores

E todas as sombras da noite
E todas as ondas do mar.

terça-feira, 13 de março de 2012

As coxas da noite

Quem sou,
Das mãos mergulhadas em mim sorri a claraboia da solidão, o cais emagrece no final de tarde, das mãos mergulhadas em mim os teus lábios embebidos nas lágrimas do paquete de partida para Lisboa, a cidade afunda-se nas mãos mergulhadas em mim, a cidade aos poucos longe e desaparece entre as palmeiras,
É noite
- Quem sou?
Na algibeira dos sonhos, é noite no sorriso das árvores, é noite
- Quem sou Mãos mergulhadas em ti quando poisas as pétalas dos teus olhos nos meus lábios, Quem sou,
É noite dentro da alvorada sem janelas para o mar, e ao longe engasga-se o rabugento paquete cansado de navegar,
- Detesto os teus versos, detesto as tuas palavras e todas as merdas que desenhas, Quem és?, uma fogueira que se alimenta de papéis e palavras e riscos e cores e de nada…
Um cachimbo de água entalado nas coxas da noite
- Talvez,
É isso que sou, um misero cachimbo de água comprado a um Marroquino abraçado às nádegas cinzentas da maré, Cais de Sodré, Cais de Sodré tem os seus encantos, e quando me sentava
- Pagas um copo Riqueza?
As meninas vestidas de algodão doce pareciam gotinhas de saliva, e eu, e eu quem sou?, e eu apenas procurava o silêncio, e eu não queria engatar nem ser engatado,
- Um cachimbo de água entalado nas coxas da noite e das mãos mergulhadas em mim sorri a claraboia da solidão, e quando me sentava sentia o meu corpo voar sobre a escuridão do Tejo,
Cais de Sodré tem os seus encantos, e eu perdia-me nos cigarros antes de descer ao poço do inferno, ziguezagueando subia a calçada em sílabas embriagadas, sentia que me seguiam, ouvia-lhe os gemidos,
- Pagas um copo Riqueza?
E que não Respondia-lhe a algibeira dos sonhos.

(texto de ficção)
Obrigado

Escolhas de José Luís Peixoto – Conte Connosco 2

Cacimbo desgovernado

Confuso
Porque o silêncio se acorrenta às gaivotas da noite
E dentro da solidão
Uma criança
Inventa sombras na água do mar

Uma criança
Finge que esqueceu a ilha do Mussulo
A baía
Finge que os machimbombos eram pássaros
Suspensos nas mangueiras do quintal
Finge…

Finge que Luanda se abraçou ao cacimbo desgovernado
E derreteu-se antes de acordar o dia

Confuso
E dentro da solidão
Um espelho confuso
Inventa sombras nas mãos da criança
Quando a noite se evapora nos limos embalsamados do desejo
Finge que Luanda se abraçou ao cacimbo desgovernado

Uma criança

(Uma criança
Finge que esqueceu a ilha do Mussulo
A baía
Finge que os machimbombos eram pássaros
Suspensos nas mangueiras do quintal
Finge…)

Antes de acordarem as palmeiras dos teus olhos.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Dizem-me que um texto meu foi selecionado por José Luís Peixoto e que estou entre os 26 selecionados.
Confuso, não me lembro que texto é e se estão a brincar comigo ou a falar a sério.
Em todo o caso muito obrigado ao José Luís Peixoto.
Feliz.

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domingo, 11 de março de 2012

Dias de mim Sem fim

Dias de mim
Sem fim
Tristezas que me olham das paredes cinzentas da manhã
Dias de mim
Sem fim

Quando tudo à minha volta morre
Cinzas que sobejaram dos papéis cansados
Nas palavras sem nexo
Das palavras abstratas da noite
Dias de mim
Sem mim

(Dias assim
Sem fim
À porta da noite)

Quando tudo morre
E as sombras são pessoas
E as mãos das pessoas
Árvores que tombam no silêncio das palavras

(Dias assim
Sem fim
À porta da noite)

Tristezas que me olham das paredes cinzentas da manhã.