sábado, 5 de agosto de 2023

Caderno

 

Cada folha que te escrevo

É uma página enganada

Que percebo

Com o levantar da aurora boreal

Em cada folha que te escrevo

É uma nova madrugada

Deste diário infernal

Cada folha que te escrevo

Poisa o sol nas folhas caducas do silêncio

Que desce por esta parede

E se esconde na minha mão.

 

Cada folha que te escrevo

É um rio sem nome

Em direcção ao mar

De cada linha

Desta folha

Oiço os apitos do comboio com destino a Santa Apolónia…

Em cada folha

A minha mão rasurada

Por uma esferográfica

E o rio morre

Como eu

Morro

Sabendo que cada folha que te escrevo

É uma janela com fotografia para o mar.

 

 

 

 

05/08/2023

Equação

 Preso, neste edifício de cátedras,

Liberto, desta equação de insónia,

Morto, neste silêncio de luz,

Preso, nas tuas mãos,

Acordado, depois de cair a noite,

Depois…

Ergo-me,

E mato-me nos teus olhos.

 

Preso, às negras sombras do teu cabelo,

Medronho, pequena flor em papel,

Morto, dentro desta invisível caixa de sono,

Que me liberta,

Liberto, das pedras cinzentas onde me sentava,

Quando preso,

Preso, e sem asas,

Afundo-me,

E morro.

 

 

05/08/2023


 

Entre palavras

 

Desenho nos teus lábios o sono

Enquanto tenho a perfeita consciência

Que este

É apenas o silêncio de uma flor

Nas mãos de um rio,

Lindo e curvilíneo,

 

Desenho nos teus lábios de sono

A inocência da noite

Quando depois de se despedir do dia

Um poema

Uma cama em poesia

Levita e voa em direcção à morte,

 

Desenho nos teus lábios de sono

As quatro pedras da tristeza

Na palavra amarga

Bela

Da palavra que se inventa

E brinca

Na palavra que nunca lamenta

Que o sono que desenho nos teus lábios

Seja um pedacinho de pimenta

Ou apenas… o sol entre palavras.

 

 

 

05/08/2023

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Olhos de mar

 Abraça-me na clandestinidade do Oceano

Teus braços em poesia

Teus lábios em feitiço

Abraça-me enquanto o pôr-do-sol se esconde nos teus olhos de mar

E este Oceano que nos deseja

Voa até aos lábios do luar,

Abraça-me na clandestinidade

Quando o teu cabelo se solta e brinca neste mar de insónia

Que tem o teu nome;

E não consegue esquecer as minhas mãos…

Destas mãos que te escrevem

Quando a manhã acorda no teu silêncio.

 

 

02/08/2023

Alijó

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Flor em tua luz

 Flor em tua luz

Cintilante madrugada de viver

Sempre ausente

Contente

Que mente

O pobre do poeta,

 

Das manhãs de Inverno

Sempre ausente

O mar da tua mão

Em tua mão sempre ausente

Contente

Sem ninguém o poeta sem ninguém,

 

Flor em tua luz

Da luz miserável das árvores do meu jardim

Nuvem cinzenta

Das tempestades

Nas tempestades

Do inimigo luar,

 

Flor de luz

Em teu cabelo ausente

Em mim também ausente

Entre quatro paredes

Junto ao mar

Dos lábios de mel

Teus olhos de mar.

 

 

01/08/2023

Janela da liberdade ausentada

 Abraço-me ao sargaço da manhã

Na ânsia de encontrar no mar

Os peixes e os pássaros

E a melodia das árvores

Em silêncio

Que me olham

E se despedem de mim,

 

Abraço-me às pedras

Leves como penas

De cor inanimada

De cor desmaiada

Na sonolência do desejo

No desejo que a madrugada

 

Não regresse mais,

Abraço-me aos teus lábios

Onde brincam as palavras e os pequenos raios de sol

Abraço-me à tua mão

Enquanto um barco de sono

Poisa no teu olhar,

 

Do cansaço,

Que me abraço ao sargaço

Da manhã sem ninguém

Nesta casa desabitada

Desta casa amaldiçoada

E que não me pertence,

 

Abraço-me ao sargaço da manhã

Triste poema encalhado na sílaba dos teus lábios

Este pobre barco em delírio

Esquecido no rio

Abraço-me ao teu sorriso

Acreditando que a tua voz me procura

À janela da liberdade.

 

 

 

01/08/2023

Alijó

Francisco