O meu retracto,
Por Francisco Luís
Fontinha.
Quem sou, pergunto-me
enquanto recordo o som das acácias da minha infância. Quem sou eu, depois de
ter deixado a minha cidade nas sombras da saudade. Quem serei eu, quando as
minhas cinzas povoarem as alegrias da minha cidade.
Acordei. Acordei acreditando
que voava sobre as mangueiras do meu quintal; e claro, a minha mãe a construir
papagaios em papel, depois, corríamos pela rua com a ponta do cordel na ponta
dos dedos…
E eu delirava com todas
aquelas cores em direcção ao infinito. Depois de todo o cordel estar esticado,
ele ficava ali, quietinho, dizendo-me adeus…
E eu, eu filmava todos
aqueles momentos.
Mas enquanto me olhava no
espelho, olhei os meus olhos; e se me perguntassem o que dizem os meus olhos…
Puxo de um cigarro,
penso. Talvez não deva pensar mais.
Penso.
E os meus olhos dizem que
esta viga de seis metros, alveolar, um IPE360…, ao fim de dois segundos, morre.
Colapsa.
Nós, nós demoramos muito
mais a colapsar.
E os meus olhos dizem-me
que são um livro de poesia, um livro que se extingue a cada dois segundos,
Colapsa.
Morre.
E os meus olhos dizem que
todas as cores estão loucamente apaixonadas por todas as minhas telas,
Depois,
Colapsou.
Mas o meu retracto ainda
não está completo.
Olho-me,
Penso,
E grito.
Acordei acreditando que o
retracto que via no espelho, não era o meu. Acordei acreditando que a cada
equação de silêncio, há um beijo desejado e uma lâmina de paixão concluída.
E a minha cidade lá está.
Como todos eles lá estão.
Depois, pego no meu
retracto, coloco-o no cavalete, afasto-me um pouco de ambos, e…,
Nada.
Olhava-os. Eles também me
olhavam.
Sorria-lhes. Eles também
me sorriram.
Somos assim.
Sorrimos uns para os
outros.
Vês?
São tão lindas, mãe, são
tão lindas todas estas cores…
Alijó, 20/05/2023
Um anónimo