sábado, 20 de maio de 2023

Retracto

 O meu retracto,

Por Francisco Luís Fontinha.

 

Quem sou, pergunto-me enquanto recordo o som das acácias da minha infância. Quem sou eu, depois de ter deixado a minha cidade nas sombras da saudade. Quem serei eu, quando as minhas cinzas povoarem as alegrias da minha cidade.

Acordei. Acordei acreditando que voava sobre as mangueiras do meu quintal; e claro, a minha mãe a construir papagaios em papel, depois, corríamos pela rua com a ponta do cordel na ponta dos dedos…

E eu delirava com todas aquelas cores em direcção ao infinito. Depois de todo o cordel estar esticado, ele ficava ali, quietinho, dizendo-me adeus…

E eu, eu filmava todos aqueles momentos.

Mas enquanto me olhava no espelho, olhei os meus olhos; e se me perguntassem o que dizem os meus olhos…

Puxo de um cigarro, penso. Talvez não deva pensar mais.

Penso.

E os meus olhos dizem que esta viga de seis metros, alveolar, um IPE360…, ao fim de dois segundos, morre. Colapsa.

Nós, nós demoramos muito mais a colapsar.

E os meus olhos dizem-me que são um livro de poesia, um livro que se extingue a cada dois segundos,

Colapsa.

Morre.

E os meus olhos dizem que todas as cores estão loucamente apaixonadas por todas as minhas telas,

Depois,

Colapsou.

Mas o meu retracto ainda não está completo.

Olho-me,

Penso,

E grito.

Acordei acreditando que o retracto que via no espelho, não era o meu. Acordei acreditando que a cada equação de silêncio, há um beijo desejado e uma lâmina de paixão concluída.

E a minha cidade lá está. Como todos eles lá estão.

Depois, pego no meu retracto, coloco-o no cavalete, afasto-me um pouco de ambos, e…,

Nada.

Olhava-os. Eles também me olhavam.

Sorria-lhes. Eles também me sorriram.

Somos assim.

Sorrimos uns para os outros.

Vês?

São tão lindas, mãe, são tão lindas todas estas cores…

 

 

 

Alijó, 20/05/2023

Um anónimo

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