Paixão - Óleo s/tela –
70cm x 100cm – Em exposição no Hotel Ribadouro – Alijó
Escondíamos pedacinhos da noite dentro da algibeira fria e escura. O autocarro descrevia pequenos círculos de sono à volta da mesa da cozinha, sentados, estavam, eu, o outro eu e ainda aquele gajo que detesto tanto, um eu do outro eu.
A gaja da mini-saia em
poéticas seduções para com o eu do outro eu, e eu claro, olhava-os, e confesso
que fartinho daquela situação; quadro a óleo pintado sobre tela, para vender,
para oferecer… ou para queimar.
Que se fodam; façam-no
como quiserem.
Erguiam-se da noite todos
os guindastes da paixão, em alegres abraços, ele, apressadamente, subia as
escadas em direcção ao sótão, depois, ela, também em passo apressado, seguia-o,
duas pancadinhas na porta…
E eu, nada.
Via-os. Os dois eus
parvalhões.
E eu, nada.
Diga-se que nunca tive
muito jeito para seduzir seja o que for, muito menos as mulheres.
Siga.
Amanhã não temos comboio,
estamos em greve.
E um direito é um
direito.
Escondíamos pedacinhos da
noite dentro da algibeira fria e escura, lá fora, os transeuntes com mobilidade
reduzida, quase todos os que habitavam naquela zona, eram atropelados pelo comboio
das cinco, e do outro eu, apenas recebia bilhetinhos de desculpas e que
qualquer dia,
Regressaria,
Até hoje, nada.
E eu, infeliz como os
portões de entrada de um cemitério, porque todos os portões de entrada dos
cemitérios, são tristes,
Todos eles.
Dançávamos debaixo do
vento e abraçávamo-nos às primeiras lágrimas de chuva da madrugada, depois
éramos expulsos do paraíso,
RUA.
E íamos dançando ao som
do silêncio.
O meu pai quando morreu,
ainda acreditava que tinha andado na guerra colonial; e claro, tal como eu,
Nada.
Nunca o serei como um dia
ele foi, tão pouco irei ser aquilo que durante o dia me dizem para fazer, e eu,
Nada,
Não quero fazer nada.
Claro que quando rebentou
a guerra em Angola, o meu pai foi mobilizado para fazer transportes para o
mato, visto ainda não terem chegado as tropas,
E claro,
Ele acreditava que foi
militar,
Ao longe filho,
O quê, pai?
Os homens da glória,
transportam os crucifixos da madrugada aos ombros, e depois,
Nada,
Ou quase anda,
Mas alguém consegue imaginar
o senhor Fernando de G3 ao ombro?
Tal pai tal filho,
Ouvia-os eu enquanto
descia a caçada em direcção ao rio.
Não nasci para isso.
G3 ao ombro…, nunca foi a
minha praia…, eu sou mais de plantas aromáticas,
Até que regressou o sono,
E?
Nada.
Claro, que absolutamente
nada.
Zero, meu amor.
Zero.
Olha, meu amor,
contaram-me hoje, tu acreditas, tu acreditas que um cacto se apaixonou por uma
abelha e dessa união nasceu a flor mais bela…
O mar, mãe, o mar…
O que tem o mar,
Francisco?
Sei lá mãe…
Apeteceu-me hoje!
E eu aqui sentado, o
único eu com juízo dentro desta casa que é o meu cérebro, a escrever poemas e a
escrever textos… e a desenhar,
Tudo isso,
Para a minha amada.
E eu que nunca entendi muito
bem essa coisas da mulher… estranha mulher que habita em cada uma das mulheres;
as que são livres e as que são escravas; do amor.)
Fugi do quartel da Ajuda.
Um certo dia, ia tão bem-disposto
que,
Chego a Santa Apolónia,
sete da manhã, pensei, pensei, eu vou, eu não vou…
Não fui.
Ao final da tarde, o
saudoso guarda Saraiva, amigo pessoal, meu e dos meus pais, bate à porta, a minha
mãe abre,
E ele,
Onde está o Luís?
A minha mãe, com coração
de mãe,
Aos soluços,
Aconteceu alguma coisa?
O Luís ainda não apareceu
no quartel,
Coitada de uma mãe,
Perdoa tu,
Claro,
Filho é filho,
Não os tenho, mas é isso.
(e que se fodam todos os
filhos que tratam mal os pais e todos os pais que tratam mal os filhos)
E que tive azar.
Fui parar ao pelotão
número cinco de cavalaria, olha meu amor,
Uma loucura,
Apenas a vassoura e o balde
não fumavam coisas estranhas e bebiam coisas estranhas,
Todos os outros,
Nós e o dos outros,
Formados e perfilados e
cigarro imaginário na boca,
Depois,
Tombava no pavimento
térreo como se fosse a pedra onde ainda hoje me sento; a minha pedra cinzenta e
onde guardo todos os meus segredos,
De onde te escrevo todas
as noites,
Meu amor.
De onde te escrevo.
Alijó, 07/05/2023
Francisco Luís Fontinha
Esse corpo que é meu,
Onde escrevo os poemas
que a manhã me dá,
Onde desenho o silêncio
que a manhã me rouba,
Esse corpo
Que é o teu,
Meu amor.
Esse corpo que é meu,
Onde guardo os poemas que
a manhã me dá,
Onde escondo todo o silêncio…
Antes de chegar a manhã e
mo roubar,
Esse corpo
Que é o teu,
Meu amor.
Esse corpo que é teu,
Onde escondo todas as
flores e todas as palavras…
Que a manhã me dá,
Que a manhã me rouba…
Esse corpo
Que é o teu,
Meu amor.
Alijó, 07/05/2023
Francisco Luís Fontinha
Tragam-me as flores
Deste Universo frio e
escuro,
Tragam-me a luz,
A luz deste Universo frio
e escuro,
Tirem as amarras deste
Universo frio e escuro…
E tragam-me toda a paixão,
Deste Universo frio
escuro.
Tão triste, meu amigo,
Quando vemos a manhã a
suicidar-se na sombra de uma árvore,
E eu, e eu nada posso
fazer,
A não ser,
Pedir ajuda,
SOCORRO…
E nunca sei se peço ajuda
para a sombra da árvore,
Ou se peço ajuda para a
manhã…
Mas a manhã,
Brevemente,
Estará feliz e contente;
Deixará de sofrer.
E enquanto não me trazem
as flores deste Universo,
Faço contas de cabeça,
E sabes meu amigo,
Já nem sei fazer contas…
Dito isto,
Acho que já nem sei fazer
anda,
A não ser,
Fazer sofrer…
E toda esta merda que te
escrevo,
São os meus gritos de
silêncio,
São as pedras da minha
infância…
Que quase sempre,
Com elas fodia os vidros
da minha escola.
E vê tu, meu amigo…
Até a minha escola
morreu;
Morreram todos aqueles,
Os nossos e os outros,
Uns morreram de tudo,
Outros…
Morreram de nada,
E entre o tudo e o nada,
Morro, parto deste
silêncio em escadaria
Em direcção ao céu.
E penso, muito, meu
amigo,
Penso quando
conversávamos de tudo e de nada…
E dentro dos círculos que
desenhaste no céu,
Escondo toda a minha
tristeza,
Toda a minha loucura…
De estar vivo sem o
merecer.
E, no entanto, penso em
ti.
E escrevo.
Escrevo porquê?
E juro-te, meu grande
amigo,
Juro-te que quando me
trouxerem as flores do Universo frio e escuro…
Não vou fazer nada;
Absolutamente nada.
O que fazer,
Meu amigo,
Quando todas as
personagens destes livros,
Todas,
No silêncio da noite,
Se abraçam a mim, todas
elas,
Sem que eu consiga fugir
e esconder-me junto a ti…
Dentro dos círculos que
numa qualquer noite desenhaste no céu…
Alijó, 06/05/2023
Francisco Luís Fontinha
Que cores são estas,
Que cores,
Meu amor,
Que cores são estas,
Estas cores…
Das minhas flores,
Que cores são estas,
Estas cores destas
flores,
Que cores são estas,
Da despedida em perdão,
Do perdão em flor,
Da flor meu pão,
Que cores,
São estas cores,
Que cores são estas,
Das minhas pobres flores,
Desta tela sem vida,
Onde guardo estas cores,
Que cores,
Meu amor,
São estas cores…
Das cores em flor,
Que cores são estas,
Estas cores que me
abraçam,
Quando as minhas cores
morrem,
Dentro das cores,
Da flor,
As tuas pobres cores,
Nas minhas pobres flores…
Que cor são estas,
Estas tristes cores,
Neste poema triste,
Que cores,
Meu amor,
São…
Estas cores,
Sem cor,
Sem coração…
Que cores são estas,
Meu amor,
Minha paixão.
Alijó, 06/05/2023
Francisco Luís Fontinha
Se perguntarem por mim,
Não estou,
Lamentamos muito,
Partiu,
Fugiu,
Esconde-se hoje dentro de
uma lágrima de luz,
Se perguntarem por mim,
Não estou,
Sou uma pequena asa de
vento
Que voa sobre a cidade
Das tristes noites sem
luar,
Quando o meu poema morre
de saudade,
Se perguntarem por mim,
Não estou,
Lamentamos,
Muito,
Lamentamos muito…, mas
ele morreu
Nas mãos daquela cidade,
Se perguntarem por mim,
Não estou,
Sou aquela equação de ausência
Que brinca no pequeno
quadriculado caderno,
Que teve muitos sonhos…
E hoje, hoje esconde-se
dentro de uma lágrima de luz.
Alijó, 06/05/2023
Francisco Luís Fontinha
A vida legendada
Em cada dia de vida
Depois de um dia, o
derradeiro dia de nada
Na vida sofrida
Desta vida vivida,
A vida sem mais nada
Depois de partir a outra
vida
Quando esta vida morre na
fogueira
Na fogueira da vida
Enquanto esta vida está
de partida,
E desta vida legendada
Recebo as palavras da
vida
Da vida vivida
Na vida sofrida
Esta vida, quando a vida
em mim se suicida.
Alijó, 06/05/2023
Francisco Luís Fontinha