sábado, 21 de janeiro de 2023

Veleiro

 Encosto a cabeça à tua pele envenenada

Quando nos olhos de uma ribeira

A tua mão aquece as primeiras lágrimas da manhã,

Sento-me na tua mão

E escrevo todo o teu corpo

Com as palavras que a ribeira me segredou,

 

Sobre mim

Tenho as pedras cinzentas dos edifícios em ruínas

Ossos de betão

Cansados de serem as sombras dos corredores de vidro,

 

À janela,

Os teus seios mergulhados nos meus lábios…

Perfumados poemas

Que se destroem no teu púbis,

 

Encosto a cabeça

Ao teu cabelo de argila

Que na água fria,

Durante a noite,

Insemina o meu destino,

O destino de ser um veleiro dentro da tempestade,

 

Um veleiro com asas

Que voa sobre o derramado sémen

Na boca de um pedaço de silêncio

Em busca do amanhecer,

 

Encosto a cabeça à tua pele envenenada

Quando nos olhos de uma ribeira,

 

Os meus olhos se abraçam.

 

 

 

 

Alijó, 21/01/2023

Francisco Luís Fontinha

Órgãos de máquinas

 Correias,

Correntes,

Volantes

E chumaceiras,

 

Madrugadas,

Parafusos de pressão,

Engrenagens de teu corpo,

Amor,

Veios de transmissão,

Fadiga,

Tensão e noites sem dormir,

 

As rodas dentadas sem estrelas,

Cem estrelas…

O luar a sorrir,

 

A mecânica dos corpos,

Os corpos poisados sobre o sémen quadriculado,

Deste caderno sem nome,

Neste caderno apaixonado,

 

Correias e correntes,

Rodas dentadas,

Sonhos e palavras,

Palavras…

Palavras sem nada.

 

 

 

Alijó, 21/01/2023

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Asas do vento

 Se o vento tivesse asas,

Meu amor das flores semeadas,

Se o vento tivesse asas,

Coração,

Mão…

Mão para te acariciar,

Se o amor tivesse asas

E lábios para te beijar,

 

Se o amor fosse o mar,

Barco sem destino,

Cabelos ao vento,

Deste vento em menino,

 

Se o vento tivesse asas,

Se o vento escrevesse palavras,

Se o vento derrubasse as amarras…

Todas as amarras,

 

E todas as palavras.

Ai se o vento…

Que dorme em mim,

Neste meu pobre jardim,

Tivesse asas…

E lábios

E olhos

E beijos,

 

Beijos do vento,

Do vento com asas.

 

 

 

Alijó, 20/01/2023

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Sonhos de sonhar

 Dos braços desta ribeira

Recebo a voz do silêncio,

Nos braços desta ribeira

Vêm a mim as semeadas palavras

Que na voz do silêncio

Acordam as madrugadas,

 

Dos braços desta ribeira,

Ribeira que corre nas minhas veias,

 

Dos braços desta ribeira

Que em círculos brinca na minha mão,

Vou procurar a manhã que acorda,

Na manhã que mergulha na montanha…

Nos braços desta ribeira,

Ribeira das noites em luar,

Regressam a mim os sonhos,

Os sonhos de sonhar.

 

 

 

 

Alijó, 19/01/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Sol

 Há-de nascer o sol nas árvores do meu jardim

Onde me visitam os pássaros da manhã

Há-de nascer a alegria

E um rio sem fim

Para levar a minha poesia,

 

Há-de resolver-se na minha mão

A complexa equação da madrugada

Onde habitam mares

Onde brincam as crianças,

 

Há-de crescer neste vazio de viver

A flor da alvorada

Sem medo de morrer

Sem medo de nada,

 

Há-de nascer o sol…

O sol que ilumina a manhã de Inverno

O sol que afugenta as tempestades,

 

Há-de nascer o sol nas árvores

Do meu jardim

Onde guardo as palavras…

As palavras de mim.

 

 

 

 

Alijó, 18/01/2023

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Vida

 Numa folha em papel branco

Podia escrever a minha vida

A minha vida

Como se a vida pudesse ser escrita

Como se a vida pudesse ser desenhada

Numa pequena folha em papel

Ou numa tela desmaiada,

 

Numa pequena folha desanimada

Nasceu a não sei quantos de Janeiro

Às sete e trinta da madrugada

Num feliz Domingo de Sol,

Cresceu

Brincou junto ao mar

Cresceu

Cresceu

E morreu a tantos do tantos

De dois mil e tantos…

A vida

A minha vida,

 

Uma merda de vida

Dentro das escarpas da solidão

A vida que é escrita

Na escrita que é vivida,

Vivida em cada mão,

 

Numa folha

Numa folha em papel branco

Quando no corpo um nenúfar de vento

Te leva a pequena folha

A pequena folha em papel branco…

E não tens onde escrever

A tua vida

A vida da tua pobre vida.

 

 

 

 

Alijó, 17/01/2023

Francisco Luís Fontinha

Metástase

 Há-de regressar a metástase do silêncio

Ao teu corpo desengonçado

Enquanto este rio de sangue

Corre para as umbreiras do amanhecer,

 

Há-de regressar deste rio sangrento

A fome e a peste

A solidão

E as amendoeiras em flor,

 

Há-de regressar a metástase do silêncio

Da fina flor desenhada

Deste pobre corpo

O corpo dependurado na manhã,

 

Há-de regressar

Regressar às sonâmbulas madrugadas

O sorriso suspenso nos teus olhos

Quando das metástases do silêncio

 

Este corpo

Corpo que dizem que me pertence

Que não acredito

Porque já nada me pertence

Se alegra na noite de mim.

 

 

 

 

Alijó, 17/01/2023

Francisco Luís Fontinha