(a todas e a todos que me
foderam a cabeça durante este ano, desejo-lhes um ano de merda, aos outros, um
feliz ano e que todos os seus sonhos se concretizem. E aos que falam de mim,
que lhes nasça um pinheirinho no cu)
Levas-me ao céu, sabias?
Olha, do céu venho eu e
não trago nada, subi, desci escadas, sentei-me junto à casa dos milagres, puxei
de um cigarro, peguei num livro de Gogol e nem almas mortas eu vi.
Não digas isso, levas-me
mesmo ao céu, e desenhas em mim o silêncio da noite, e quando estou nos teus
braços sinto-me uma gaivota sem terra para poisar, um pedacinho de sono à
espera do luar, ou uma gigantesca onde de mar, nos teus braços sou um barco sem
vontade de aportar, pássaro, nos teus braços sou foguetão em direcção a Marte, Saturno,
nos teus braços sou as luas de Júpiter, e se o tempo parasse, ou mesmo se a
Terra deixasse de girar, eu, a tua eterna amada, era a criança mias feliz do
Universo.
Olha, do céu venho eu e
não trago nada. Nada. Tudo está caro, e até o dinheiro está caro. Por um grama
de desejo, dois quilogramas de prazer e mil beijos, paguei uma noite de
silêncio e dois orgasmos.
Ouvíamos Pink Floyd, lá
fora, uma cascata de lágrimas que se desprendiam das tristes nuvens, poisava
docemente sobre o pavimento faminto do sonho, as tuas mãos silenciadas pelas
minhas, percorriam-me o corpo como se eu fosse uma lâmina de sono em pequenos
voos sobre as alegres planícies de centeio que propositadamente deixamos ficar
na fotografia da noite passada, e sim, levas-me ao céu, ergues-me sobre a
meticulosa mediatriz do desejo, e quando sinto as tuas mãos no meu ventre sei
que a manhã não acordará mais, como nunca mais acordaram as tílias do nosso
jardim.
Escreves no meu corpo o
mais belo poema de amor, e quando as tuas mãos em desejo abraçam o meu desejo,
sim, levas-me ao céu, levas-me ao céu sem que eu precise de coisas complicadas,
as simples chegam-me, não preciso de mais nada; tenho tudo.
Quero ser a tua tela, a
tela onde deixas as tuas cores e os teus sonhos, a tela onde sei que habitam sóis,
estrelas da tarde e todos os mares da tranquilidade, quero ser a música que
ouves, ou o livro que pegas com todo o carinho, que manuseias sem qualquer
pressa, e olha… podes fazer de mim o teu livro, o teu sono, podes…
Subi, desci escadas,
sentei-me junto à casa dos milagres, puxei de um cigarro, peguei num livro de
Gogol e nem almas mortas eu vi, ao menos se eu tivesse visto uma, uma só alma. E
é do céu que eu venho e nada trago, nem consegui conversar com Deus, mas também
para que eu queria conversar com Deus… eu que quase não converso com ninguém, eu
que não acredito em Deus, no diabo, nas almas de Gogol, eu que apenas sou uma
palavra disfarçada de insónia, que quase não come, que quase não voa… como
posso eu, eu, levar-te ao céu?
Mas levas-me, meu
querido.
Daqui oiço o silêncio,
olho pela janela e vejo um gajo com uma bilha de gás às costas, como se a Terra
esteja quase a deixar de ser Terra e passar a ser…
As tas mãos, meu amor?
Que têm as minhas mãos,
minha querida?
Sei lá… têm tanta coisa…
Têm palavras, têm cor,
têm todas as madrugadas e têm poesia…
Poesia, meu amor.
Poesia?
Poesia das tuas mãos…
Alijó, 30/12/2022
Francisco Luís Fontinha