Se eu não morrer
Ensinar-te-ei a escrever as
primeiras palavras
As tuas primeiras
equações
Gostas de equações
As mais simples
Às mais complexas
Equações trigonométricas
Equações de segundo grau
Equações diferenciais
Se eu não morrer
Levar-te-ei a ver o
primeiro clarear da manhã
O teu primeiro luar
O primeiro pôr-do-sol
Se eu não morrer
Ler-te-ei o primeiro
poema
Tantos poetas que tenho
para te mostrar
Herberto
AL Berto
O'neill
Cesariny
Se eu não morrer
Ler-te-ei textos de
Proust
Gogol
Ou de Luiz Pacheco
Se eu não morrer
Ensinar-te-ei a desenhar
nos lábios da madrugada
A pintar o sono na geada
Se eu não morrer
Levar-te-ei a ver o mar
E os barcos da minha
infância
E as mangueiras da minha
infância
Se eu não morrer
Ler-te-ei os meus textos
Os meus poemas
Os meus livros
E mostrar-te-ei as minhas
telas
Se eu não morrer
Mostrar-te-ei como se
constroem pontes
Edifícios muito altos
Se eu não morrer
Oferecer-te-ei os teus
primeiros livros
As tuas primeiras tintas
As primeiras telas
Se eu não morrer
Tirar-te-ei os teus
primeiros retractos
E conhecerás as tuas
primeiras cidades
Vilas
E aldeias
Se eu não morrer
Levar-te-ei ao Tejo
E a todos os rios do
Planeta
Onde há um rio para olhar
Se eu não morrer
Ouvirás todo o tipo de
música
E assistirás a todo o
tipo de dança
Se eu não morrer
Levar-te-ei ao circo
Ao teatro
Cinema
Se eu não morrer
Farei tudo isso
Enquanto sentado numa cadeira
em frente à Baía de Luanda
Espero que me levem
Que me levem para as
sombreadas paisagens de prata
E me deixem brincar no
telhado zincado de uma nobre cubata
Se eu não morrer.
Alijó, 10/12/2022
Francisco Luís Fontinha