segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Um quadro sem nome

 

Sou apenas um quadro

Só e suspenso numa parede

Fria e também ela

Só,

 

Sou apenas um quadro

Só e sem nome,

 

Não tenho nome

Porque o gajo que me pintou

Um tal de “Fontinha”

Nem um nome me deu,

 

Elas olham-me

Eu olho-as

Elas gostam de mim

Eu gosto delas

E sinto-me tão feliz…

Porque o gajo que me pintou

Nem é olhado

Nem gostam dele,

 

Sou apenas um quadro

Com cores

Rabiscos

Sombras

E palavras invisíveis,

 

Sou apenas um quadro

Só e suspenso numa parede

Fria e também ela só,

 

Tal como o gajo que me pintou,

 

Frio e só.

 

 

Alijó, 05/12/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 4 de dezembro de 2022

O olhar de Deus

 Teus dedos finos e frágeis

Quando a brancura dos teus lábios

Acordam a manhã com um sorriso

 

Poisa a alegria sobre a geada

Como poisam as abelhas nas flores

Que durante a noite acordaram na minha tela

E a minha tela está viva

E brinca numa parede em triste silêncio

 

A noite transporta as estrelas

Que regressam do outro lado da rua

E a alegria que poisa sobre a geada

Desenha o olhar de Deus

Na janela da tua mão

 

Tua mão

Onde habitam os teus dedos finos e frágeis

Que acariciam a minha tela

Que brinca numa parede em triste silêncio

 

E eu termino o dia a contemplar as flores

E as abelhas

 

E as estrelas que regressaram do outro lado da rua.

 

 

 

 

 

Alijó, 04/12/2022

Francisco Luís Fontinha

Feitiço

 Um pouco mais de azul

Teus lábios em fino pergaminho

Que na minha boca é feitiço

Um pouco

De azul

Quando os teus olhos acordam da tempestade,

 

E transportas a tristeza nos ombros da madrugada,

 

Choras porque o Sol está triste,

 

Um pouco mais de azul

Teus lábios em minha mão

Quando o cansaço das flores

São o cansaço teu,

 

E de um pouco mais de azul

A flor que cresce no teu peito,

 

E ouve-se um grito,

Também ele azul,

Também ele… triste.

 

 

 

 

Alijó, 04/12/2022

Francisco Luís Fontinha

Poeta morto

 Sou o comandante

Deste navio fundeado

No poço da morte

 

E enquanto escrevo e pinto

Este velho navio

Sem rumo

Olha as estrelas que brincam no fundo do mar

 

A manhã incendeia-se nos teus olhos

E mesmo assim

A tristeza ergue-se contra a montanha

Onde habitam as palavras do poeta morto

 

Coitado do poeta morto

Nu

E deambula pelas ruas da cidade

Sem saber como receber cartas

Sem saber se amanhã escreverá um novo poema

Ou se um novo poema o escreverá a ele

E a Terra não parará de girar

Como as árvores que crescem em direcção ao Sol

 

Sou o comandante

Deste navio fundeado

No poço da morte

Quando este vosso poeta

Voa sobre os cubos de vidro

Que aprisionam a paixão das almas mortas

 

E mortas que estão

Não sonham.

 

 

 

 

Alijó, 04/12/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 3 de dezembro de 2022

A boca da solidão

 O pai

E a mãe

E as árvores sombreadas da manhã,

 

As mãos

Que pegam a minha mão

A mão que segura a faca nocturna do desejo

E durante a noite

Espeta a faca no meu peito,

 

O tecto da aldeia

Em lágrimas

E do sol

As primeiras horas da solidão,

 

Os livros

Todos os meus livros

Escritos por mim

Lidos por mim

Todos eles

Morrem sobre a minha secretária vaiada pela insónia,

 

E o sobretudo que visto

Em fina madeira prensada

Despede-se,

 

E percebo que sou apenas um cadáver de sono,

 

Como são tristes as noites de Dezembro,

 

O pai

E a mãe

E as árvores sombreadas da manhã,

 

Quando a manhã é um pincelado beijo na boca da solidão.

 

 

 

 

Alijó, 03/12/2022

Francisco Luís Fontinha

As estrelas dos teus olhos

 Hei-de levantar-me

Desta pedra cinzenta

Onde me sento e morro

E espero

E invento

E desejo

Que acordem as estrelas dos teus olhos

 

Fumo o cigarro que há-de matar-me

Fumo as palavras

Que também elas

Me vão matar

 

E se eu quisesse

Voava para os teus braços de árvore envenenada

 

Acordam os pássaros que a manhã há-de matar

 

E num ápice

 

Olho-te como me olham as abelhas

Junto à colmeia do sono

 

E a noite

Despe-se na tua mão

 

Hei-de levantar-me

Desta pedra cinzenta

Onde habita a tua boca

 

E dos doces lábios da paixão

 

O poema que se alicerça ao meu peito

Bebo o veneno que lanças sobre o mar

Bebo a insónia que morre no mar

E hei-de levantar-me

Desta triste cinzenta pedra

 

Até que a noite se suicide dentro de mim.

 

 

 

 

Alijó, 03/12/2022

Francisco Luís Fontinha

Espada de sombra

 Esta espada apontada ao peito

Este peito refém de um cigarro

Está triste

E cansado

Que terei eu no meu peito?

 

Um coração envenenando

Ou

Um coração em papel

Onde escrevo

E desenho as primeiras lágrimas da amanhã,

 

E esta espada

Qual a Nacionalidade desta espada?

 

Uma espada apontada ao peito

E o meu peito

Ofegante

Em silêncio,

 

E no silêncio

O meu peito refém de uma espada

Morre

Lentamente

No sorriso da alvorada,

 

Uma espada

No peito

Este coração

Em papel

Em cartão,

 

No peito uma espada

Uma espada de sombra

Como o teu nome

Quando brinca

Quando brinca na sanzala da saudade,

 

Tenho uma espadada apontada ao peito

Uma espada sem nada

Uma espada

Uma espada triste e cansada,

 

Uma espada em liberdade.

 

 

 

 

 

Alijó, 03/12/2022

Francisco Luís Fontinha