quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Pedacinho de terra

 

Dêem-me asas que eu voo

Dêem-me um pedacinho de terra

Que eu construo o mais belo jardim

Deste amigo poema

Cansado de mim.

 

Dêem-me a lua

Para pintar nos seus olhos

Os cortinados da manhã

Quando o mar se despede

Quando o mar morre na minha mão.

 

Dêem-me o silêncio das árvores embriagadas

E nelas

Posso desenhar os pássaros e todas as madrugadas

Dêem-me a voz

Para bem alto gritar.

 

Dêem-me a morte

A má sorte

Dêem-me essa canção de revolta

Para eu subir à montanha mais alta

E sentar-me enquanto te olho.

 

Dêem-me as pedras e as ribeiras

Os livros e as amarras da solidão

Dêem-me tudo e não me dêem nada

Mas não me tirem as palavras

Que escrevo na madrugada.

 

 

Alijó, 23/11/2022

Francisco

O poeta enforcado

 

Sou o comandante deste transatlântico sem nome

Pobre no sono

Rico em fome,

 

Sou um velho comandante

Que traz na algibeira

O pão das bocas esfomeadas

Um velho comandante

Na lágrima das palavras,

 

Na lágrima das palavras

Estes versos em loucura

Oiço um comboio em finos apitos

Enquanto o mar cava a minha sepultura

Da terra em grosseiros gritos,

 

E nas pobres minhas madrugadas

Rompem sobre mim as flores em papel queimado

E é neste jardim silenciado

Que observo o poeta enforcado,

 

Fartou-se da vida

Das árvores coloridas

Fartou-se da poesia

E do começo de um novo dia,

 

Fartou-se de mim

Este poeta enforcado

E eu o velho comandante

Deste transatlântico desgovernado

Fico em frente ao mar; só e sentado.

 

 

 

Alijó, 23/11/2022

Francisco

Uma espada com fome

 

Há uma espada que dorme no meu peito

Uma espada de luz

Que se ergue em cada madrugada

Há uma espada em silêncio

Há uma espada que chora.

 

Há uma espada que me corta

Em pequenas fatias de solidão

Uma espada espetada no coração

Há uma espada de luz

Que inventa no meu olhar as palavras dos teus lábios.

 

Há uma espada poisada na minha janela

Que traz todas as cores do Universo

Uma espada em verso

Há uma espada

E uma espingarda que dormem no meu peito.

 

Há uma espada dentro de mim

Que me odeia

Que me odeia enquanto sorri a lua

Há uma espada silenciada

Uma espada fria e nua.

 

Uma espada em flor

Que transporta uma espada sem nome

Há uma espada com dor

Uma espada com fome

Há uma espada que dorme no meu peito.

 

 

 

Alijó, 23/11/2022

Francisco

terça-feira, 22 de novembro de 2022

As palavras do mar

 Em círculos

Que deixo de existir

Das pobres janelas em teu doce olhar

Pequenos quadrados

Lábios que desejam o mar

Entre a planície e a triste paisagem da paixão

 

E se o amanhã não acordar

Tal como as minhas palavras

Se morrerem de enfarte

Na tua sanzala de amar

O corpo que voa

Enquanto em círculos

Deixo

Deixo de existir e apago na minha mão

O desgraçado fogo da insónia

Porque o beijo em círculos

 

Senta-se junto ao rio

Um rasto de sémen nas pedras parideiras

No uísque poema da loucura

E sejamos justos

Sejamos honestos

Este dia em círculos

Os homens embrulhados no sono

Há uma cama em desejo

Das sereias em cetim

A minha boca morde o poema

 

Abandono a enxada que ama a vinha doirada

Da tua alma camuflada

Dos incêndios às lágrimas

São sombras

São flores

 

São a espingarda em abençoado cansaço

Longe de ti

Dos teus olhos minerados

E sinto a tua mão

Que arde no meu rosto

O medo

A fome que poisas no meu peito

Em cigarros assassinos

Em cadeiras ao vime sonhar

E um pobre defunto deseja o mar

 

E o mar que ama

Chora

E dorme estátua de cera

Em círculos

 

 

E deito fora as minhas mãos

E abandono este altar de talha cansada

Onde habito e rezo

Depois chamo pela madrugada

E recebo os teus lábios

Em círculos

Em desejo menina cantar

As canções do supremo olhar

São palavras meu Deus

São as palavras do mar.

 

 

 

 

Alijó, 22/11/2022

Francisco

Nuvens poéticas em pérfidos luares

 Trazes nos olhos

O doce mel do mar

Que em teus lábios de fina madrugada

Dançam as andorinhas da adornada Primavera

Que na tua boca inventam o beijo,

 

Que no teu corpo

Menina em marítima lágrima de sono

As minhas mãos escrevem

O poema em construção

Do desejado Deus em oração,

 

As flores que transportas nas mãos

Do silenciado sorriso do centeio

Às pobres pedras da calçada

Onde danças

E brincas menina cansada,

 

E sorris à alegria janela

Que a manhã semeia e levita

Nas árvores envenenadas da paixão

E as nuvens poéticas em pérfidos luares

Poisam nas tuas coxas de ribeira acoitada,

 

É a tua voz que se liberta desta lareira

E em cada pedacinho de insónia

Diz-me ao ouvido

Que o doce mel que trazes do mar

São os sonhos que escreves no meu peito.

 

 

 

 

Alijó, 22/11/2022

Francisco

Manhãs de Inverno

 Se um dia o mar acordar

Do sono infinito desta cidade de Deus

Quando a noite inventa a paixão

Que se suicidou num belo Domingo

Enquanto os putos brincavam junto ao rio,

 

Se esse dia regressar

E se esse dia trouxer toda a poesia das montanhas

Eu

O mendigo das esplanadas em papel

Poisarei os meus braços nos teus braços,

 

Depois

Os pássaros que falam e cantam junto à lareira

Que me olham

não me conhecem

mas voam sobre a minha sombra,

 

Depois

O vento esfarrapado em pequenas brincadeiras de café

Beijam os corpos em putrefacto silêncio

Que a boca do inferno

Aprisiona nas lágrimas de cera,

 

Que as pobres abelhas deixaram sobre o mar

Os barcos amam-se em amontoados corpos de sucata

Dentro de um cubo de vidro

Quando as árvores

Tombam sobre a sombra fina das manhãs de Inverno.

 

 

 

 

 

Alijó, 22/11/2022

Francisco

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Teu nome – Caos

 Nunca lhe dei um nome. Olho-o, suspenso na parede fria e só como todos os meus livros, empilhados em estantes, frias e sós, mas esta pintura que neste momento observo, não tem nome. Não sei quem é o pai, quem é a mãe, tão pouco se gosta de literatura, poesia, música ou de arte; e que nome dar a uma pintura, suspensa numa parede fria e nua e só – como todas as pinturas que faço, frias, nuas e sós.

Irei chamar-lhe Caos.

O Caos nasceu numa tarde qualquer de Verão, como quase todas as minhas pinturas, e ao contrário de mim, que nasci num belo Domingo de Sol de Janeiro e às sete e trinta da manhã, o Caos nasceu numa tarde de Julho ou de Agosto, tanto faz.

Tem olhos verdes, e se o olharmos bem, tem no rosto o secreto mar do deserto. Perdoa-me, mas meu filho serás, como todas as outras minhas pinturas.

Nunca te dei um nome, enquanto te olho, e percebo que estás de braços abertos e estás suspensa nessa parede fria e nua e só, tenho pena da noite que mais tarde te abraçará. E que todas as estrelas se alicercem na tua boca,

E também não sei se tens irmãos.

E todas as paredes são frias e nuas e escuras e sós; e quando regressar a noite, mudarás novamente de nome, e de Caos, quem sabe, passarás a madrugada, quem sabe, passarás a noite, quem sabe, passarás a lua,

Quem o sabe.

As cores da tua pele incendeiam a luz ténue do teu olhar, um comboio de lata emerge da cozinha, e corredor adentro, entra no quarto, e deita-se sobre os lençóis do negro medo onde poisam as minhas palavras. Ele bebe a cicuta dos sonhos, aquela que o levará até à janela onde o mar brinca com a maré, e todos os barcos em papel, alguns embriagados pelo desejo, olham-no, como eu o olho, mas que nunca saberei o seu nome.

Que importa se esta pintura tem nome – e se eu não tivesse nome, certamente escrevia como escrevo, pintava como pinto e amava como amo, então

Quão importante se ele se chama de Caos ou de outra coisa qualquer.

Pintura será. Meu filho será.

E por breves momentos, coloco-me no lugar do Caos;

Conseguirá amar o Caos?

E se uma pintura amar, e se uma pintura tiver dentro de si o desejo?

E se o Caos for um poema disfarçado de pintura?

E se esta pintura, que apelidei de Caos, for um lindo poema de Sol?

E se este lindo poema de Sol for apenas a pintura que não tinha nome, que apelidei de Caos e que está suspensa nessa parede fria e nua e escura e

Com a solidão da noite.

E o homem que deu vida ao Caos, o pai do Caos, será ele um pintor, um poeta ou

Um pequeno silêncio de vento?

Não importa se a noite é escura, não importa se a parede da sala é fria, não importa…

Levanta as mãos, e reza.

Até que o vento seja um pequeno quadrado de luz.

Poderia sentar-me nesta cadeira e em frente ao mar, dar nomes a todas as minhas pinturas, poderia reler todos os meus poemas, mas são tantos que o tempo restante de vida que me resta, não chegaria.

Irei dormir sem saber o teu nome, como não sei o nome das minhas pinturas: mas gosto muito de ti, meu querido Caos.

Depois,

Um fino e frio e escuro silêncio, desenhará um sorriso na parede da tua sala, fria e nua e escura e só.

Uma serpente enrolada nas marés que assombra a janela com retracto para o teu nome; o Caos a quem dei a vida e amo-o como amos todos os meus filhos. As minhas pinturas do nobre deserto entre os parêntesis da insónia.

 

 

 

 

 

 

Alijó, 21/11/2022

Francisco