sábado, 12 de novembro de 2022

Noite dos pequenos fantasmas

 Não esperes por mim

Esta noite

Porque quando acordar a noite

As minhas mãos deixarão de pertencer ao teu luar

E as estrelas que transportas nos lábios

 

Vão morrer nas minhas palavras

Não

Não esperes por mim

Esta noite

Porque esta noite será a noite dos pequenos fantasmas

 

E das tristes alegrias

Porque esta noite não terá os pássaros

Que todas as noites

Dançam sobre as minhas árvores

As minhas árvores de voar

 

E de todos os dias

Estas noites em que me esperas

Porque esta noite

A noite de mim

Eu estou ausente

 

Viajo neste paquete infinito

Que a noite traveste de saudade

Quando nos teus lábios

Uma equação de luz

Diz-me que esta noite é apenas mais uma noite curvada nos parêntesis do silêncio

 

 

 

 

 

Alijó, 12/11/2022

Francisco Luís Fontinha

Noite perdida nas tuas lágrimas em papel

 Uma mão de luz

Afaga o meu rosto silenciado pelo mar

E a fotografia que aprisiono no peito

Ergue-se na manhã desalinhada

Enquanto nos teus olhos de mel

 

Brinca uma triste gaivota

Somos pequenos instantes

Somos feitiços

Que lançam palavras

Em cada esquina do luar

 

E esta pequena mão de luz

Invisível

Que apenas os teus lábios conseguem iluminar

Poisam docemente sobre mim

Como poisavam as sombras das alegres marés

 

Que entretinham os meus barcos de brincar

E de pequenos instantes

Transformamo-nos em palhaços de sono

Em busca da noite perdida

Até que depois de abrir a janela para o infinito

 

Regressam as estrelas das tuas lágrimas

Que voam no meu rosto

E que procuram as árvores em cio

E que detestam as minhas mãos

E que me dizem que deixei de existir

 

 

 

 

Alijó, 12/11/2022

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Lareira em desejo

 Invento esta lareira em desejo

Quando a sombra do teu cabelo

Dorme na minha mão

Porque lá fora a noite brinca

E a lua poisa nos teus lábios

 

Porque esta lareira em desejo

Traz o beijo desenhado

Pelas nortadas do silêncio

E este beijo desenhado

É a planície da saudade

 

É a planície de um simples abraço

Invento esta lareira

Nas tuas finas mãos

Que ergues para o céu

Enquanto a tarde voa sobre o mar

 

E de um barco aprisionado à triste manhã

Restam apenas as minhas palavras

Que fui escrevendo no teu corpo invisível

E nestes pobres livros que folheio

Recebo o teu olhar de luz

 

Que habita no teu castelo

E percebo que nos teus olhos

Crescem as searas de trigo

Que um dia foram o esconderijo

De duas crianças ensonadas

 

 

 

Alijó, 11/11/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Tristes noites de Outono

 Já se vê um pequeno sorriso

No teu olhar marítimo das tristes noites de Outono,

Puxo de um cigarro

E olho-te no espelho que esconde as estrelas

Que saem do teu olhar,

 

E sobre a mesa onde poiso o meu corpo,

Uma lâmina de luz, em pequenos círculos,

Desenha a morte do poema envenenado pelos teus lábios,

E se não fossem estas palavras que todas os dias lanço ao mar,

O meu coração era um barco fundeado no teu peito…

 

Uma âncora de ferro, uma pequena sílaba que deixou de respirar,

Um abraço em despedida,

E todas as noites oiço-te mergulhar

Nas sombras quadriculas da insónia,

Porque desta noite,

 

Apenas sobrevivem as canções junto à lareira,

E junto à tua pele, as minhas mãos descem ao luar

Do desejado milagre,

Ajoelho-me e percebo

Que a noite é a tua casa, onde te escondes das luzes da paixão,

 

E nas luzes da paixão permaneces só, impávida

Como uma lágrima de sono

Que quando acorda puxa o mar

Para os teus beijos…

E que os teus beijos sejam migalhas de pão.

 

 

 

 

Alijó, 10/11/2022

Francisco Luís Fontinha

Palavras entre marés

 Estávamos no Inverno

E das tuas mãos finas longas e frias

Vinham a mim as palavras entre marés adormecidas

Sobre a frágil melancolia dos teus olhos

Um pedacinho de sorriso meu

 

Caía sobre o mar de insónia

Como crianças em brincadeira

À volta de uma fogueira invisível

E percebia-se das nuvens que nos abraçavam

As gloriosas flores em combustão

 

Todas as manhãs

Abro a janela para o mar

Limpo a poeira nocturna que sobre os meus livros dorme

E numa carícia

Invento o sono nos teus olhos de poesia

 

Guardo as tuas lágrimas de luz

Desço as escadas que me levam durante a noite

Às esplanadas dos grandes rochedos

Saltamos o muro da infância

E na tua mão acordam as madrugadas simples sem sótãos

 

O poema que trazes no corpo

Aos poucos

Puxa a minha triste mão

E de um cigarro anónimo

Regressam a mim as lareiras das tardes sem literatura

 

 

 

 

Alijó, 10/11/2022

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Olhos de amar

 Há um pequeno sorriso

Nos teus olhos de amar

Há uma manhã que se despede

Dos eternos jardins em poesia

Há uma lua sem luar

 

Em cada novo dia

Há uma árvore

Que se deita na tua mão

Uma árvore sem pássaros

E um pássaro sem pão

 

Há um pequeno sorriso

Nos teus olhos de amar

Uma casa inabitada

Perto de uma ponte com fome

Há um rio sem nome

 

Que se abraça aos socalcos da madrugada

Um rio que nunca se cansa

Das minhas tristes palavras

Um rio que inventa

As lágrimas dos teus lábios

 

E as lágrimas da tua boca

Há um beijo no teu corpo

Um beijo desenhado por um sem-abrigo

Um beijo desejado

Um beijo em perigo

 

 

 

Alijó, 09/11/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 8 de novembro de 2022

Os barcos da minha infância

 Nesta lareira onde ardem os meus sonhos, oiço as lágrimas do silêncio, da labareda da noite, quase todas as noites, acordam

Ou dormem?

Acordam as cordas de nylon que aprisionam os barcos da minha infância; alguns em esferovite, outros em madeira fina e outros ainda construídos com os pequenos pedacinhos sobejantes das estrelas em papel que a menina das lágrimas deixava cair quando chorava.

Não tínhamos nada, apenas tínhamos alguns farrapos, algumas bugigangas e muito amor. Hoje percebo que ninguém sobrevive sem comida, mesmo que tenha muito amor, mas se não houver comida e existir muito amor, não se morre, sobrevive-se e caso seja necessário engana-se o estômago a olhar uma pilha de livros que o meu pai teimava em não vender. Confesso que também não vendia a pilha dos livros.

Queimá-los nesta lareira onde ardem os meus sonhos, talvez, mas vender, não, vender não,

E talvez já tenham acordado, que dizes?

Ainda dormem, e mesmo que já estejam acordados, não te preocupes, não passam de barcos à espera de entrarem na tua mão,

E claro, vender, não.

Tinha vergonha da minha janela, acreditava que num metro quadrado de um caixote em madeira cabiam todos os meus sonhos, fizemo-nos ao mar, e logo percebi que nem a saudade cabia, quanto mais todos os meus sonhos. E de menino dos calções passei rapidamente a rapazote das botas pesadas, das ceroulas, das meias grossas e das luvas que nunca me protegeram as mãos de nada, a não ser, de quando te vi pela primeira vez e

Ou será que dormem?

Porque não passam de barcos à espera de entrarem na tua mão, e como barcos que são, também eles amam, também eles choram, também eles acreditam que os sonhos são pedacinhos de estrelas nas mãos da alvorada.

E o mar todas as noites entrava-nos pela janela, e o miúdo dos calções, depois rapazote das botas pesadas, das ceroulas, das meias grossas e das luvas que nunca me protegeram

as mãos de nada, a não ser, a não ser dos pregos que um carpinteiro preguiçoso tinha semeado no metro quadrado de madeira e num dos lados tinha inscrito

Ou dormem?

PORTUGAL.

Acredito que não dormiam, pois, anos mais tarde, descobri que todos os barcos, mesmo durante a noite, inventam estórias sobre a lua e toda a santa noite cantam como cantam os pássaros,

Ela subia às árvores e brincava com os pássaros,

E os barcos conversavam com as estrelas em papel que a menina deixava cair quando chorava,

Não, não dormem.

Não tínhamos nada, a roupa escasseava, o frio gélido da Trás-os-Montes entranhava-se-nos no corpo até que acabávamos por adormecer e ao outro dia acordávamos tesos como uma barra de ferro, e só depois de abrirmos a janela, e com o passar das horas, descongelávamos até ao final da tarde, que depois de cair a noite, voltávamos novamente a congelar.

Ou dormem?

PORTUGAL.

Queimá-los nesta lareira onde ardem os meus sonhos, talvez, mas vender, não, vender não,

E talvez já tenham acordado, que dizes?

Não. Não vendia a minha pilha dos livros.

 

 

 

 

Alijó, 08/11/2022

Francisco Luís Fontinha