sábado, 29 de outubro de 2022

Círculos de luz

 

Habita-me sombra da manhã

Que jorra o veneno sobre o mar

Habita-me e escreve em mim

Os piores desejos da madrugada

Depois… senta-te na minha mão

 

E desenha no teu sorriso

Os pequenos círculos da paixão

Habita-me como se eu fosse o espantalho

Esquecido no campo

À procura do luar

 

 

Alijó, 29/10/2022

(palavras e quadro de Francisco Luís Fontinha)

Corpo silêncio

 


Escrevíamos no olhar da manhã

As tristes cores do desejo

Porque nas paredes dos teus lábios

Habitavam as lágrimas dos tristes Invernos

E sabíamos que havia um corpo suspenso na montanha (o teu corpo)

 

 

 

Alijó, 29/10/2022

(texto e quadro de Francisco Luís Fontinha)

Canções da madrugada


 Deita-te no meu peito lápide de sono

Onde habitam as canções da madrugada,

Dome sobre mim,

Deita-te nos meus braços

Caravela envenenada,

 

Flor do meu jardim.

Deita-te sílaba pequenina

Das tardes rochosas,

Das noites sem fim…

Quando as estrelas iluminam os teus olhos,

 

Quando as estrelas são o jasmim.

Deita-te manhã em delírio,

Triste livro em construção,

Deita-te menina insónia,

Insónia deste silenciado coração.

 

 

 

Alijó, 29/10/2022

Francisco Luís Fontinha

(quadro de Fontinha)

Palavras ao vento

 Morreram-me todas as fotografias

Enquanto a espuma do luar pertence-te

E do húmus silêncio

Regressam ao meu peito as flores da loucura

De um Deus ausente,

 

De uma mão que acusa

Se levanta e ergue sobre a manhã

As cerejas da Primavera

Somos instantes

Fios de sombra

 

Nas asas de um rio,

Somos pertences

Na algibeira dos jardins inconformados

Entretanto

Suportas-me

 

E finges que nas minhas mãos

Não transporto a dor

E o sangue das catacumbas envenenadas

Que sinto correr nas minhas veias…

São como o meu corpo; veneno.

 

E desta manhã embalsamada

Onde guardo as lágrimas do sorriso cio

Invento em ti

As palavras que semeio

Das palavras que lanço ao vento.

 

 

 

Alijó, 29/10/2022

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

As acácias de uma noite de Outono

 Bebo

Fumo as tuas palavras

Desenho círculos de luz

Nas janelas do teu olhar

E abraço-te

 

Fumo

Bebo as tuas silenciadas palavras

E sento-me dentro do teu peito

Oiço as flores

Que tens nos teus lábios sonâmbulos

 

Fumo

Bebo

E canso-me de olhar as horas neste velho relógio

Em ruínas

Encharcado de água

 

Fumo e bebo

Alimento-me do mar

Enquanto todos os peixes voam

E fumam

E bebem

 

Depois

Fico confuso

Já não sei se bebo as tuas palavras

Ou se fumo as tuas lágrimas

Ou se ambas

 

Enquanto os cortinados destas frestas

Encantam-se com as sombras daquele rio

Daquele mar em rebuliço

Onde se escondem os meus barcos

Onde fingem os meus livros

 

Fumo

Bebo as tuas palavras

Beijo-te e imagino o paquete amar

A entrar no meu peito

Fico imóvel

 

Em silêncio

Como vivem em silêncio

As nuvens da minha infância

Bebo

Fumo as tuas lágrimas

 

Penso nas palavras do teu cigarro

Pergunto-me se realmente tive infância

Ou se estar vivo

É fumar as tuas palavras

Ou beber as tuas lágrimas

 

E um vazio de luz

Poisa nos meus ombros

E fumo

E bebo as tuas lágrimas em palavras

E canto

 

Fumo

Bebo a tua voz de amendoeira em flor

Que habita nas ausentadas noites

Onde me esqueço

E cambei-o o meu corpo

 

Fumo

Bebo os teus beijos

Pegos nos teus cigarros

E olho as pobres marés de Outono

Fumo bebo e quando me abraças percebo que acordaste como acordam as acácias (nuas)

 

 

 

Alijó, 28/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Pedras cinzentas


 

Olho-te na claridade nocturna da paixão

E este corpo que transporto

Agacha-se junto às pedras cinzentas

Que iluminam o teu sorriso

Pareço o vento

Sou o vento

Quando dorme no teu cabelo

E te abraça como um louco poema

Louco só

Quando as palavras

Se alicerçam aos teus olhos de manhã ensonada

Olho-te sem perceber porque morrem as crianças

Porque choram as crianças no Inverno

Que trazem nas veias o derradeiro veneno

E perdem-se nos corredores da dor

Olho-te na claridade nocturna da paixão

Que neste pobre desenho habita

E depois da morte

Vêm os braços da fé

Quando rezas

Quando te ajoelhas junto ao altar da maré dos silenciados luares

Uma lareira incendeia as tuas mãos

Que ergues a Deus

E no desenho

Acordas para a reencarnação

 

 

Alijó, 28/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Mentiras palavras

 

Não me abraces

Porque sou um poema envenenado

Habito nesta cidade das mentiras palavras

Não me habites

Tristes madrugadas

 

Das pobres flores semeadas

Não me abraces

Enquanto oiço as lágrimas dos teus olhos

Que dormem nestas mãos de pequenos nadas

Destas mãos sem palavras

 

 

Alijó, 28/10/2022

Francisco Luís Fontinha