Bebo
Fumo as tuas palavras
Desenho círculos de luz
Nas janelas do teu olhar
E abraço-te
Fumo
Bebo as tuas silenciadas
palavras
E sento-me dentro do teu
peito
Oiço as flores
Que tens nos teus lábios
sonâmbulos
Fumo
Bebo
E canso-me de olhar as
horas neste velho relógio
Em ruínas
Encharcado de água
Fumo e bebo
Alimento-me do mar
Enquanto todos os peixes
voam
E fumam
E bebem
Depois
Fico confuso
Já não sei se bebo as
tuas palavras
Ou se fumo as tuas lágrimas
Ou se ambas
Enquanto os cortinados destas
frestas
Encantam-se com as
sombras daquele rio
Daquele mar em rebuliço
Onde se escondem os meus
barcos
Onde fingem os meus
livros
Fumo
Bebo as tuas palavras
Beijo-te e imagino o
paquete amar
A entrar no meu peito
Fico imóvel
Em silêncio
Como vivem em silêncio
As nuvens da minha
infância
Bebo
Fumo as tuas lágrimas
Penso nas palavras do teu
cigarro
Pergunto-me se realmente
tive infância
Ou se estar vivo
É fumar as tuas palavras
Ou beber as tuas lágrimas
E um vazio de luz
Poisa nos meus ombros
E fumo
E bebo as tuas lágrimas
em palavras
E canto
Fumo
Bebo a tua voz de
amendoeira em flor
Que habita nas ausentadas
noites
Onde me esqueço
E cambei-o o meu corpo
Fumo
Bebo os teus beijos
Pegos nos teus cigarros
E olho as pobres marés de
Outono
Fumo bebo e quando me
abraças percebo que acordaste como acordam as acácias (nuas)
Alijó, 28/10/2022
Francisco Luís Fontinha