quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Final de tarde

 Invento-te

Nas sílabas silenciadas da insónia,

Invento-te

Nos poemas que escrevo,

Invento-te

Nas estrelas que se abraçam aos meus olhos…

E são apenas pontos de luz,

E são apenas estrelas.

 

Invento-te

Nas palavras que semeio sobre o mar,

Invento-te

Em todas as marés,

Em todos os pôr-do-sol…

Invento-te

Em cada final de tarde

Junto à baía,

 

Invento-te

Quando o sono poisa nos meus lábios…

E troco os beijos e todos os desejos

Pela luz que entra na minha biblioteca…

E se senta sobre a secretária,

Invento-te

Nas fotografias que dormem pertinho de mim

E percebo que são fantasmas,

 

Invenções,

Porque te invento,

Porque te desenho

E escrevo,

E enquanto um pedacinho de mel,

Ou um pequeno silêncio de mar…

Vem a mim,

E me questiona porque te invento, confesso; não sei responder.

 

 

Alijó, 6/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Pedacinho de desejo

 

Se eu lançar

Um grama do teu desejo

Em direcção à lua,

À velocidade da luz,

Demoraria cerca de um vírgula vinte e cinco segundos,

 

Imagina que esse grama do teu desejo

Era lançado contra o sol,

À velocidade da luz…

Esse pedacinho de desejo

Demoraria cerca de oito vírgula três minutos,

 

Entre estar sentado

Na lua,

Ou dormir no sol,

Escolho certamente a lua…

Porque o grama do teu desejo

 

Chegará a mim mais rapidamente…

E se estiveres nos meus braços,

Quanto demoraria a chegar a mim um grama do teu desejo?

Instantâneo?

Ou assim, assim…

 

Ou nem por isso…

Agora imagina que eu queria quantificar

O silêncio do teu olhar,

Ou a área dos teus beijos,

Ou… deixa estar; nunca o conseguirei!

 

 

 

Alijó, 06/10/2022

Francisco Luís Fontinha

O muro do desejo

 

Desenho o beijo

Na sombra fria e escura

Do muro do desejo,

Pergunto-me,

Quanto pesará um beijo…

E ninguém sabe,

Ninguém consegue calcular o peso de um beijo,

Eu não sei,

 

Desconhecendo a massa de um beijo…

Será impossível de calcular o seu peso,

Portanto,

Um beijo poderá pesar muito…

Ou não pesar nada…

Ou nem sequer existir,

Um beijo desenhado,

Quase sempre, é um beijo desejado,

 

Mas haverá beijos que não são desejados?

E desenhados?

Conseguem desenhar um beijo?

Como se escreve um beijo?

E se a sombra fria e escura

Do muro do desejo…

Não existir?

Não sei…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 06/10/2022

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Iões da saudade

 Percebo que a noite é escura

Quando cada milímetro quadrado da tua pele

Se despede das minhas mãos,

Percebo que a noite é escura

Quando a minha voz se perde na velocidade da luz

E se abraçam,

E se beijam,

O som… e a luz,

 

Percebo que a noite é escura

Quando dos teus lábios fogem os iões da saudade,

Quando um beijo se ergue na margem esquerda das tuas coxas…

Quando um pedaço de noite é apenas um pedaço de noite,

Percebo que a noite é escura

Quando semeio as minhas palavras sobre o teu peito,

E nele, desenho as imagens do desejo,

 

Percebo que a noite é escura

Quando este poema poisar sobre o teu cabelo,

Quando a cidade dorme,

Percebo que a noite é escura

Quando as janelas do teu olhar se abrem…

E as equações do sono,

São pequeninos silêncios

Na lua… também ela, tal como a noite, escura.

 

 

Alijó, 05/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Quando a noite é escura

 Quando a noite é escura

E procuro o teu corpo,

Se me aproximo,

Encontro-te,

Se me afasto,

Perco-te,

 

Quando a noite é escura

E apenas sinto o teu perfume,

Mapeio-te,

Como se fosses uma rocha…

Como se fosses um pedacinho do poema,

Junto à lareira,

 

Quando a noite é escura

E ausentas-te do silêncio,

E te perco em cada fotão de desejo,

Quando a noite é escura,

Quando a lua dorme,

Quando somos apenas gotículas de suor

 

Suspensas no sonho,

Quando a noite é escura

E pertences a todos os mares

E a todas as montanhas…

Quando a noite é escura

E apenas os teus lábios brincam como brincam todas as sílabas em cio…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 05/10/2022

Flores de amar

 Pego nestes barcos em papel cremado

E lanço-os ao mar da saudade,

Uns voam, outros navegam sobre a cidade,

E ainda outros… parecem um rochedo encalhado,

 

Tal como um coração despedaçado,

Quando o Outono transporta o luar,

E há sempre uma pequena lágrima no mar,

Porque estes barcos em papel cremado

 

São como corpos sepultados,

Riem, choram e dizem que a noite estrelar

Os deixa muito cansados,

 

Como as tuas flores, na madrugada…

São gemidos, são vozes a suplicar,

Porque são as tuas flores; as tuas flores de amar.

 

 

Alijó, 05/10/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 4 de outubro de 2022

As tristes ardósias da tarde

 Poisam sobre mim

As tristes ardósias da tarde,

Nos braços, transporto o silêncio envenenado

Dos poemas desencantados,

E no olhar,

Um pedacinho de mel dorme docemente…

 

Procuro na algibeira as palavras que te escrevo,

Pego no isqueiro… e acendo-as, como se fossem o meu último cigarro.

Olho-o, aquele mar que deixei ainda menino,

Olho-os,

Todos os barcos que fui coleccionando ao longo dos anos…

E percebo que há muito deixaram de ser barcos,

 

Hoje, são apenas sucata; vómitos de aço

Acorrentados aos fins de tarde,

Sopros,

Pedacinhos de tristeza,

Enquanto uma criança inventa o sono e olha o mar na alcofa;

Tão lindo, o mar…

 

Tão lindo!

E sinto o cheiro da terra queimada,

E lanço sobre as velhas sanzalas…

Todos os meus sonhos,

Todas as minhas imagens.

Poisam sobre mim

 

As tristes ardósias da tarde,

E não; não estou triste, não, não me falta nada.

Porque um sem-abrigo pode ter tudo

Quando os outros acreditam que não têm nada,

Porque se o sem-abrigo conseguir sorrir…

É um homem feliz. Tem tudo.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 04/10/2022