A orgia dos pássaros. Definem-se
as palavras nos lábios do poeta. Escorregam das mãos do poeta, as lâminas do
desejo, quando do poeta, apenas crescem as mandibulas envenenadas do silêncio.
Amar-te, não chega, escrevia ele na ardósia da noite, quando lá fora, na ruela
da escuridão, uma flor se perdia de amores por uma abelha.
Suicidou-se, o parvalhão.
Diziam que se rezasse,
regressariam as palavras ao poema; ele rezava e, o poema continuava incompleto,
triste e amorfo. Das luzes da alvorada, cresciam beijos na boca do poeta e, da
boca do poeta, renasciam as sílabas estonteantes da noite.
Eu, acredito que sim.
O feitiço tomava conta da
madrugada, silenciavam-se todas as palavras em delírio, como se silenciam os
beijos na boca perfumada do Inverno.
Tenho medo de morrer.
Odeio o cancro.
Odeio a decadência
humana.
Libertavam-se, aos
poucos, os gemidos atónitos da manhã, quando era de esperar que lá fora já
fosse noite, noite cerrada, moribunda, esquizofrénica como todas as palavras.
Suicidou-se por nada,
como se suicidam todos os poetas.
Levava-a nos braços em
direcção ao mar, acariciava-lhe os lábios, mas o desejo pertencia à equação dos
pobres, pouco a pouco, libertava-se das garras do medo.
A morte deixou de
pertencer ao destino, partiu e fugiu para longe. Eis, a eterna manhã enublada
de hoje.
Sentia nos braços o peso
da idade, a carne pertencia-lhe, entre duzentos e seis ossos desgovernados
junto ao rio, mas depois, percebia que das suas palavras, muito pobre em crómio,
os silêncios se travestiam de gargalhadas; hoje faço anos, segredava-lhe ao
ouvido.
Anos?
Sim, faz anos que
adormeci no banco de jardim, debaixo das mangueiras, em Luanda.
Um papagaio desgovernado,
alicerçava-se-lhe nos doentios braços de menino traquina, como uma viagem sem
retorno, à volta da ilha da saudade.
Todos nós, somos pássaros
embalsamados nas mãos do destino.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 30/11/2021