Não posso estar presente
No dia do meu funeral.
Lágrimas derramadas por muita
gente,
Rancores de raiva me querem tão
mal.
Tiveram o cuidado
Em vestir-me a rigor,
Fato e gravata, no caixão deitado
Multidão que chora presente dor.
Porque choram pergunto eu desanimado!
E só depois de ter morrido
Compreendi a razão de ser
odiado...
Sinto-me triste por ter nascido!
E estou feliz deitado
Neste caixão em madeira...
A presença do vigário
Nunca me agradou,
Fizeram tudo ao contrário
Daquilo que o meu pensamento planeou.
Não me importo. Irei
contrariado...
Poucas horas deitado
E já me sinto distante,
-Porra. Sinto-me cansado
De olhar tão triste gente.
Estou pronto para embarcar.
No meu quarto depositado
Ouço alguém cantar
A canção do abandonado.
Choram as mulheres lágrimas na
escuridão
E feliz, vejo crianças a brincar,
Brincadeiras à volta do meu
caixão
Antes do cangalheiro as portas
fechar.
Começa o maldito padre uma
“merda” qualquer,
E eu que nem padre queria.
Fecha-se o maldito caixão
E o meu olhar perde-se no meu corpo
cansado,
Gritam então..., meu querido
filho! Filho da minha alma meu coração...
E tudo fica calado.
Missa não tive, missa não.
O maldito padre apressado
Reboca o meu pobre caixão,
E eu a rir porque vou deitado.
Lançar as cordas. Corpo ao fundo.
Finalmente...
A terra cobre-me como sempre
tinha pensado,
Terra que tudo mastiga, terra que
engole gente.
Assim descansa o meu corpo
cansado.
Mais tarde uma lápide foi
colocada
Em memória de um tal Luís
Fontinha, data de nascimento...
Nascido em Janeiro e Luanda
apaixonada
Meu filho querido tristeza do meu
sofrimento.
E a lápide foi apagada.
Um anjo na escuridão
Novas palavras escreveu pela
calada,
Aqui Jaz Luís Fontinha, aqui
apodreces maldito “cabrão”.
Sete anos mais tarde.
As letras no tempo foram apagadas
Tal como uma folha de papel
dourada.
Outro no meu lugar foi enterrado
Juntamente com os restos que sobravam
de mim,
E eu sem culpa alguma
compartilhei o mesmo valado
Que mais tarde alguém fez um
jardim...
Francisco Luís Fontinha
Algures em Belém/Lisboa – 87/88