quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Neblina cinzenta


Quem és tu, meu amor!

Que me aprisionas todas as madrugadas.

Quem és meu amor!

Das ribeiras cansadas.

Quem és tu, meu amor!

Que me iluminas nas tardes passadas.

Quem és tu, meu amor!

A flor que desenha no meu olhar,

As roseiras,

E o mar.

Quem és…

Menina das palavras,

Dentro dos livros embriagados,

Pelo silêncio,

Que um dia,

Ao acordar,

Poisem as gaivotas na minha mão,

E acordem os corpos camuflados,

Num coração.

Quem és?

Papel onde escrevo,

Corpo que me alimenta,

E sinto,

E vejo,

A neblina cinzenta,

Como uma pedra invisível,

Como a água-benta.

Que és… meu amor!

Meu relógio desgovernado,

Suspenso na claridade das tardes sonolentas,

Gritas,

Vens,

Avanças sobre mim como uma flecha,

Que arde no peito,

E me deito,

E durmo a sesta.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

30/10/2019

terça-feira, 29 de outubro de 2019

O beijo


Como seria hoje sem ti, meu amor!

Uma merda.

Uma canção,

Uma flor,

Irrompe do chão,

De espingarda na mão.

E dispara,

Contra o tédio,

Uma bala de canhão.

Como seria hoje sem ti, meu amor!

Uma revolução,

Um beijo na mão,

Ou um livro em combustão.

Como seria hoje sem ti, meu amor…

Só, nesta escuridão,

Sentado,

Descalço,

Desnudo,

Cansado,

Olhando o mar alicerçado,

Aos ombros do capitão.

A alvorada,

Sempre distante da espingarda,

Como seria hoje?

A trovoada,

Dançando na solidão,

Comendo pipocas,

Junto ao rio da desilusão…

Como, diz-me!

Como seria hoje sem ti, meu amor!

Quando no interior,

Desta confusão,

A mesma flor,

Morre na minha mão.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

29/10/2019

domingo, 27 de outubro de 2019

Abstenção


Abstenho-me de sonhar.

Sinto no corpo o cansaço das armas proibidas.

Abstenho-me de sonhar,

Desenhar,

Escrever no sonho a madrugada de amar.

Pintar.

Mar.

Abstenho-me de sonhar.

O poeta das noites perdidas.

O astronauta das tardes prometidas,

Junto à ribeira,

Lá longe,

O apito do comboio em suicídio…

Apetece-me partir.

Fugir.

Escrever no teu olhar

As tardes passadas na eira.

Sem fronteira,

Caminho velozmente contra o vento,

Alguém, alguém mente,

E sofre,

As dores do sofrimento.

Abstenho-me de sonhar.

Escrever,

Desenhar.

Abstenho-me de pintar,

Quando uma gaivota poisa no teu silenciar….

E pela madrugada,

Sem o saberes, sem o quereres,

Uma nuvem começa a chorar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

27/10/2019

Censura



Este meu quadro; colagens de lábios, como podem verificar, foi confundido pelo Facebook como vaginas e foi bloqueado. Censurado. Vergonha.

 

 

Francisco Luís Fontinha


sábado, 26 de outubro de 2019

Medo


O medo.

Tenho medo do medo.

Tenho medo de voar sobre o medo,

Quando o medo,

Corre velozmente até à Foz.

Quando a Foz, com medo,

Esconde-se no medo da voz.

O medo.

O medo do medo, como eu, com medo, me escondo na noite com medo.

O medo das palavras.

O medo da ausência de que partiu com medo.

As palavras do medo, quando o livro do medo, fica poisado no medo da mesa-de-cabeceira.

E eu,

Com medo,

Brinco no medo da eira.

Ai o medo!

O medo de amar.

O medo do medo de não ser amado com medo.

O medo das flores,

As flores do medo,

Sós,

No jardim do medo.

O medo de caminhar,

O caminhar junto ao mar, com medo,

Com medo de zarpar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alij´p

26/10/2019

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

As estrelas


As estrelas, mãe!

As estrelas são tão lindas, belas,

Parecem os teus olhos sonolentos enquanto voavas sobre o infinito.

Uma gaivota poisa no teu sorriso de areia branca,

Finges que estás feliz…

Mas sei que tens medo, estás triste como as noites de Inverno.

As estrelas, mãe!

As estrelas habitam no teu cabelo, branco como a chuva,

Na limpidez do orvalho.

Amanhã, junto à noite, vem procurar-me…

Tanto para conversarmos.

Que deixei de escrever para guardar as palavras só para ti…

E tenho-as, aqui, na minha mão…

Que tantas vezes te afagou o cabelo.

Entre livros e desenhos,

Éramos felizes!

Como hoje.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

25/10/2019

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

As mandibulas nocturnas do silêncio


Escrevo saudade nas mandibulas nocturnas do silêncio.

Desenho o silêncio nas pálpebras da saudade.

Escrevo-te sabendo que não me vais ler mais.

Oiço a tua voz sofrida nas vidraças de Luanda.

O miúdo dos calções corria, sorria, com as tuas brincadeiras.

Levaste-me a ver o mar.

Levaste-me a ver os barcos.

Eu…

Sonhava um dia ser um dos paquetes fundeados no cacimbo.

Fazias-me papagaios em papel colorido.

Corríamos com um cordel na mão;

Ele subia, subia…

Perdendo-se nas nuvens do fim de tarde.

E hoje,

Tudo é recordação.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

21/10/2019