domingo, 7 de fevereiro de 2016

O peso do corpo sobre as pálpebras do destino


O peso do corpo

Sobre as pálpebras do destino,

O menino dançando nos braços do abismo,

Esperando o regresso dos soníferos poemas de amor,

Uma canção em desalinho,

Distante deste corpo

Sobre as pálpebras do destino,

O campónio silêncio,

A despedida embainhada nas sílabas do sofrimento,

As vozes dos outros

Acabrunhadas,

Tristes

E cansadas da despedida,

Como a morte do vento,

Sinto-me uma louca locomotiva

Dançando os socalcos do Douro,

Respirando o xisto das palavras

Engasgadas nos murmuráveis anéis de prata…

 

Sofro tanto, meu amor!

 

As insígnias soberbas lentidão

Rodopiando os círculos da saudade,

O peso do corpo

Arrepiado nas amendoeiras em flor,

Desperto,

O amor,

A sinfonia da loucura aprisionada no texto do escritor,

O mar,

O meu mar suicidado nas lâminas do medo,

Sem ter o juízo,

Sem ter a aventura

Dos segredos,

O peso do corpo,

Este,

Meu…

Escorçado das insignificantes marés de areia…

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 7 de Fevereiro de 2016

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Partiram, levaram o miúdo dos calões e o caixote em madeira...

(…)
 
Amanhã amar-me-ás como hoje?
Mas hoje... não existe, um caixote em madeira, alguns tarecos e meia dúzia de fotografias,
Todas,
Todas a preto e branco...
Partiram, levaram o miúdo dos calões e o caixote em madeira,
Alguns tarecos, pouca coisa e fotocópias de fotografias envenenadas pelo silêncio, na algibeira, o amor, o desejo do mar, dos barcos e das coisas
Simples?
Os livros,
E das coisas sem nome,
Sombras de mangueira?
E beijos, das coisas travestidas de saudade, dos livros lidos nas entranhas do desejo, caminhávamos entre quatro círculos de luz, abraçavas-me como se abraçam os pássaros, as acácias e os pindéricos cabelos de nata,
Amanhã amo-te...
Partiram, fugiram das noites embriagadas com direito a limonada e a sexo, construíram cubatas nos musseques da alegria, saltaram muros e muros, tinha medo das curvas da vida, adivinhava os beijos como sendo abelhas em flor, sobre as casas sem nome, idade, e
Sexo?
Só depois das seis,
E sonhos, de um dia regressar...
Regressar, mãe?
O texto escreve-se no teu corpo, a partida pertence ao passado, triste, tão triste como fazer amor num vão de escada,
Os gemidos,
Os silêncios mergulhados na algibeira do cansaço, amanhã saberei se me pertences, maldito caixote em madeira,
Alguns tarecos, meia dúzia de fotocópias de fotografias,
O mar, mãe?
O mar.… morreu,
Como morrem todas as coisas belas,
Sinto-me um caixote em madeira, um socalco em lágrimas descendo até ao Douro, uma eira, imaginada em Carvalhais – S. Pedro do Sul, sinto-me a noite vestida de negro, abraçada aos meus sonhos, sem poder mais,
Amanhã, meu amor!
O circo, os palhaços narcisados nas palavras escritas pelo fantasma do silêncio, a minha vida uma “merda” comparada com a vida dos meus vizinhos, hoje sonhei que a pobreza tinha morrido... como se a pobreza tenha morte... este momento embriagado em poemas de amor,
Poder mais...
Os sorrisos, a mentira do soneto sobre os ombros vergados de uma enxada, o cristal opaco que sobressai nas fotografias de infância, a dor, e a doença
Sinto-me
E a doença sifilítica nos dedos do artista, adormece a tela, o poema e a musa do poeta,
Sinto-me.… um suicidado cadáver de esperma, um transeunte canalha com suspensórios e gravata, e sapatos de ponta delgada,
Um café Doutor?
Café...
Faltam-me os cigarros...
E a doença sifilítica nos dedos do artista, adormece a tela, o poema e a musa do poeta,
Sinto-me.… um suicidado cadáver de esperma, um transeunte canalha com suspensórios e gravata, e sapatos de ponta delgada,
Faltam-me as tuas mãos, mãe,
Café?
Viajo na tua saia e percebo que não temos regresso, regressar é um suicídio sem palavras, uma carta escrita, os motivos da tua ausência, as faltas da tua presença na Igreja, sinto-me quando abres a janela do quarto e tenho a certeza que estou vivo,
Bom dia, mãe...
Meu querido filho!
O livro cresce nas ardósias cinzentas da memória,
Que és enigmático, meu filho...
Que sim, minha mãe,
Que sim,
Telefonaram da Rua dos Mendigos?
Para mim, mãe?
A cidade embriagada nas sandálias do pescador, o mar, sempre o apaixonado mar, a paixão azul, do azul literário e poético..., sabes com é, mãe,
Pois,
Sei que sempre sonhaste comigo,
Eu?
Sim, tu, mãe,
Quando dizias que aos três anos de idade já voava...
Eles chegaram, o caixão ainda cheirava à tinta fresca da manhã, brincava um silêncio de olhos verdes no vão de escada,
Foder num vão escada, como fodem todas as palavras do poema...
Sabíamos que o corpo não pertencia às nossas vidas,
Clandestino, eréctil nas disciplinas do abismo, o poema esfomeado esperando o amante suicidado,
amanhã, amanhã nascerá um cansaço de medo no afastamento dos círculos das cidades embriagadas,
Sem iluminação, sem mulheres ou bares para combater a distracção, uns panfletos expostos na parede xistosa,
Há Tripas,
O caixão dançava no centro da sala de estar,
Confesso,
Nunca tinha assistido à dança de um caixão...
Já imaginaram o dançar de um caixão?
Há tripas e...
Moelas,
A aldeia padece de claridade, existem fios de escuridão nos telhados cansados das palhotas de algodão,
Enigmático, eu?
Nunca tinha assistido à dança de um caixão...
Já imaginaram o dançar de um caixão?
Há tripas e...
Moelas,
E palavras sem coração, sentia-me embriagado nas mãos do amanhecer, sentia-me um miúdo encostado à sonolência da idade,
A aldeia em chamas, os campos esbranquiçados na tela do desejo imaginavam canções de moluscos e alguns grãos de areia,
O desenho teu na cidade dos alicerces alienados, os bares em combustão, as miúdas dançando canções de solidão,
Amas-me?
Que não,
Que a arte vive e vai morrer no teu olhar,
Ouves-me?
E palavras sem coração, avenidas nuas, travestidas de machimbombos reumáticos voando sobre a cidade, eu... eu... adormecia,
Inventava beijos nos teus braços, a minha primeira paixão, imaginava-te uma flor triste e cansada, nos circos ambulantes da saudade,
Os sete orgasmos do Mussulo, a liberdade sobre as palmeiras invisíveis que me atormentavam, como campânulas de sofrimento, ao deitar, o caixão que dançava deixou de o fazer, dificuldades com o cachê, dispensa de artistas e cadáveres de cera, um altar recheado de almas, tantas almas como os versos do sem-abrigo quando sentado numa cadeira apodrecida de um circo ambulante,
Quero ser artista, mãe!
Nem penses..., nem... penses...
Filho meu não é artista!
 
(…)
 
(ficção)
Francisco Luís Fontinha
in “Amargos Lábios do Poema”

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Me grita, chora… a cada palavra sussurrada pelo teu olhar


Esta caneta de marfim

Que treme a minha mão,

Infinita na rasurada folha de papel,

Ela, absorve-me,

Como se eu fosse um filho obediente,

Capaz de rasgar todas as palavras escritas,

Esta caneta de marfim

Que às vezes dorme na minha mão,

E sonha na minha mão…

Esta caneta de marfim…

Cansada da minha mão,

Dor mar,

Do luar

E das estrelas,

Também eu me sinto cansado desta caneta de marfim

Que treme a minha mão,

Me grita,

Chora…

A cada palavra sussurrada pelo teu olhar,

A cada palavra assassinada pelos teus lábios,

Esta caneta,

Morre a cada final de página…

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 5 de Fevereiro de 2016

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

A fuga


Deixei de sentir as minhas palavras no teu corpo,

Fixei as tuas lágrimas no lençol de espuma

Que cobria o teu olhar,

Cruzei os braços,

Puxei de um cigarro… e disse-te adeus…

 

Como se nunca mais te visse!

 

Ausentei-me dos teus horrores,

Alimentei-me da solidão que proliferava nas tuas mãos,

Cerrei os olhos…

Esqueci que tenho um esqueleto,

Que sou humano como tu…

 

Da sombra embriagada do silêncio à medula espinhal do desejo…

 

Fui!

Fomos!

 

E nunca mais te vi neste jardim de aromas artificiais

Que habita este esconderijo de porcelana…

 

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 3 de Fevereiro de 2016

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Grito


Seus olhos voaram enquanto a tempestade se alimentava do vento,

A ténue Primavera não acordou, hoje, nem acordará tão brevemente,

O silêncio pertence à noite,

O desejo pertence-lhe, só a ela, ele… embainhado nas palavras…

Sofrendo como sofrem todos os poemas depois de lidos,

Seus olhos voaram…

E o vento no estômago da tempestade,

Gritava

E desenhava estrelas no luar,

E gritava,

Sem perceber porque dormiam os pássaros

Na janela encerrada…

 

Quando o mar,

Também ele, berrava,

 

E seus olhos voaram…

E seus olhos transformaram-se em luz divina,

 

Que nenhum homem consegue abraçar.

 

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 2 de Fevereiro de 2016

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Outros já tinham partido para outros destinos, e a porta de entrada ficava encerrada durante a noite apenas com um cordel que pela parte de dentro era unido por dois pregos, também eles, velhos, também eles, caducos, também…


Havia uma lanterna que basicamente nos servia para...

Afugentar as mentiras, minhas?

Sim, embriago o Artur encostado ao balcão de mármores com um livro em granito onde algumas palavras brincavam às escondidas,

“Aqui Jaz Artur Prior”, e nada mais do que isso,

Mentiras que eu entendo, que eu descubro e fico calado, cabisbaixo, envenenado pelas árvores com as pequenas folhas comestíveis, e bebíamos, e fazíamos como se de dois corpos suspensos na madrugada se tratasse, e não o éramos, porque há muito que deixamos de ser corpos, hoje somos caules brincalhões, balões de naftalina,

Porquê, Artur?

Não sei, sei... meu querido...

Porquê, quê?

Sabíamo-lo,

E não fizemos nada para terminar o sofrimento dele,

Havia uma lanterna que basicamente nos servia para...

Afugentar as mentiras, minhas? E devíamos estar loucos, tu, e eu, porque de nada havia para ancorar ao porto de embarque, perdi a âncora, abandonei as cordas de nylon, e travesti-me de petroleiro desgovernado, só, felizmente...

Só?

As gélidas escadas de sal dormiam abraçadas aos suspiros da fonte da Gricha e eu achava normal não existirem pássaros durante os sonos nocturnos que passava à janela a contabilizar os automóveis friorentos que desciam a calçada de luz dos candeeiros enferrujados que iluminavam os vultos esquisitos, os vultos de pedra, simples moças a entrarem em casa de madrugada, congelados os tentáculos de cobre que reluziam e brilhavam debaixo das estrelas de cetim, a nossa casa não tinha vidros, alguns estavam vivos, outros, outros já tinham partido para outros destinos, e a porta de entrada ficava encerrada durante a noite apenas com um cordel que pela parte de dentro era unido por dois pregos, também eles, velhos

Eu

Eu achava normal os vidros das janelas estarem estilhaçados, alguns estavam vivos, outros, outros já tinham partido para outros destinos, outros já tinham fugido para outras direcções, como quem entra na cidade e perante a placa com a inscrição “outras direcções” ele fica sem saber como chegar ao segundo andar porque as velhas, porque as escadas em madeira terminaram a validade, rangem, têm cãibras nas pernas suspensas nos pinos de aço como o reumatismo felizardo que cintilavam nas paredes de gesso com rugas de vidro, pinos de aço, ele fica sem saber o que fazer

Eu também,

Outros já tinham partido para outros destinos, e a porta de entrada ficava encerrada durante a noite apenas com um cordel que pela parte de dentro era unido por dois pregos, também eles, velhos, também eles, caducos, também

Não tínhamos água e só, eu só, e só da velha Gricha jorrava a glicerina fresca com o diabo no rabo ao ditado corrigido pela senhora professora com a bata branca e a menina dos três olhinhos poisada na secretária, olhava-nos, sorria-nos, gostava de nós a gaja

Também eu,

Também eu gostava da gaja que subia a calçada de madrugada, e juro, não era senhora casada nem a menina dos três olhinhos, mas tinha um corpo esculpido num pedaço de granito que eu tentei copiar e desenhar na parede da sala, não, na parede do quarto, não, na parede da cozinha, não

Só tínhamos um compartimento amplo, enorme, com bolinhas coloridos ao bolor que descaiam do tecto como se fossem dois mamilos acabados de nascer, e balões, e serpentinas, e perguntavam-me

Vivem num circo? Respondia-lhes que não, Não vivo num circo, mas a nossa vida é um espectáculo colorido, tínhamos uma casa com muitas janelas e poucos vidros, tínhamos uma sanita velhíssima que quase sempre estava com gripe e tínhamos que a levar às urgências do hospital, no tempo que ainda havia

Hospital?

Não sei se amanhã, cedo, recordarei os teus olhos de hoje, amanhã, não sei, se recordarei, cedo, os lábios teus que percorreram o meu corpo invisível, como uma cortina de fogo, dentro de um copo com água, um cilindro, o cubo, não, sei talvez que não recordarei, porque não sei o significado de recordação, perdi o sentido de navegação, e hoje, como ontem, sou um pedaço de madeira desgovernada sobre os teus ombros penumbrosos e frios que o Outono provoca em ti com as canções de pequenos silêncios, sei, ou será que me esqueci? Como seriam os teus lábios, de cedro, antes de mergulharem em mim, coitado, um transeunte doente, e enfeitiçado, mal-educado, ausentado

não

Cedo, amanhã, preguiçarei como um marinheiro à procura de um corpo homem para poisar as desejosas insónias que vivem nos homens com cheiro a oceano, o sal entrava em nós, e vivíamos como dois camarotes partilhados mutuamente como duas pequenas divisões de uma casa flutuante, germinados, os nossos corpos de vapor nas asas de uma triste gaivota, o covil como nunca o tínhamos visto, não, sei se amanhã, cedo, alguma coisa em mim para recordar, mas o quê, concretamente?

nuvens? pratos com sopa mais parecendo copos com água? ou... as tuas mãos sobre mim, como uma caneta de tinta permanente, sempre e sempre e nada, ausente de ti porque eu desconhecia as cavernas que o medo provocava em nós, porque tu sentias o meu peso como simples gramas de poeira depois de o vento desaparecer entre candeeiro a petróleo e bananeiras de regresso a S. Pedro do Sul, havia muitas, nas termas, uma fonte, circular, cheirava a enxofre, borbulhavam pequenas partículas de sémen, e tu, sempre o tu, sentíamo-nos felizes como dois pássaros voando entre Carvalhais e Favarrel, e nunca vi as tuas mãos entranharem-se-lhes no tronco resinoso do pequeno pinheiro manso da tapada do meu avô, chegávamos lá, e sempre lá, ouvíamos os sussurros expeditos das vozes enlatadas do atum e da sardinha, até que me pedias para um dia

Juras que um dia me recordarás?

 

 

(Ficção)

Francisco Luís Fontinha

in “Noites de Mim”

segunda-feira, 1 de Fevereiro de 2016

domingo, 31 de janeiro de 2016

Que nunca tive um ombro para chorar…


O sofro nesta vida desesperada

Que nunca tive,

O sono velozmente

Nesta triste rua transparente,

Que sente

E sofre

Os dias clareados,

O sofro do sofrimento

Nos sonhos abandonados,

A sorte,

O desejo envenenado,

Amados

Os transeuntes invisíveis da madrugada,

E vive

E sofre

A vaidade encarcerada,

As metáforas do teu olhar

Embainhadas nos silêncios de ontem,

E hoje acordei

Desenhando o teu rosto no meu rosto,

Sofri,

Sonhei

E senti a verdade dos alicerces de prata,

A cidade enraivecida,

O vício encurralado nas avenidas

Sós

Com soníferos de lata,

O bairro de sucata,

A rua deserta

Como só tu sabes amar,

E viver,

O sofro sofrido

No “foda-se” empobrecido,

No “foda-se” libertado

Deste verso comprido,

Saboreio-me nos teus lábios,

E pinto os meus lábios de sonolência,

Revejo todas as fotos de infância…

Um magricela doentio,

Em cio,

Com palavras em chapa,

Sofro,

O sofro nesta vida desesperada

Que nunca tive,

Que nunca tive um ombro para chorar…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 31 de Janeiro de 2016