domingo, 9 de novembro de 2014

A morte em seu regressar


A morte em seu regressar
palmilhando aventuras
despedindo a dor e o sofrimento
a morte em seu regressar
das catacumbas da insónia
há nas tuas pálpebras de amêndoa
um poema embebido em lágrimas
há nos teus ossos a sinfonia da partida
a morte... a morte sem melodia
perdes-te na cidade
andas descalço até tombares no chão
como um soldado... como um canhão,

Não gritas
não inventas desculpas para a tua viagem
nada levas
tudo em ti pertence à poeira
e ao cansaço de viver
a morte em seu regressar
entre nocturnos pássaros
e desnudas nuvens de incenso
a morte... a morte da palavra
quando todo o papel arde na tua mão...
e tu... e tu sem nada dizeres
impávido... olhas-te no espelho... e constróis sorrisos de vidro!



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 9 de Novembro de 2014

Desalmado


O amor é uma merda!
Amo
desalmado...
desejo,
não sou desejado,

Leio
escrevo... e fodo
inventado palavras, desenho barcos na tua pele,
e mesmo assim... som infeliz,
ausente,
às vezes para ti...

O amor é uma merda!
Amo
desalmado...
em pedra
como a cinza do teu olhar...

Amo-te, amo-te... E depois?


Francisco Luís Fontinha
Domingo, 9 de Novembro de 2014

sábado, 8 de novembro de 2014

Naftalina madrugada


O teu corpo radiografado por um louco poema
os teus ossos catalogados e encaixotados em pequenos cubos de vidro
a gaivota amar que voa nos teus seios
e não dorme
e...
e o teu corpo radiografado passeando na seara morta
as tuas coxas pinceladas pela mão do louco poema
e... e os teus ossos descendo a calçada do Adeus
pedindo esmola na rua dos muros amarelos
um vulto faz-se à vida
parte o invisível vidro do carro abandonado
e rouba o louco poema sem pronunciar a palavra “obrigado”,

O teu corpo que mergulha na minha mão
em fatiados abutres de madeira prensada
gritam
gritam e não fazem nada...

Há uma estória não terminada
uma canção escrita e guardada nas prateleiras da insónia
o teu corpo que chora
e sonha
e habita na minha memória
morta
como a seara deambulando no silêncio enfeitiçado
os ossos em pó
puro pó virgem...
sofrendo nos canos de uma espingarda
sofrendo...
o cansaço da naftalina madrugada.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 8 de Novembro de 2014

Barco encalhado na tristeza morta


A tristeza morreu
no vão de escada sem saída
o esqueleto meu
dançando nas palavras sem vida
a tristeza é uma prostituta sem destino
uma cidade esquecida num qualquer subúrbio onde brinca um menino
a tristeza que se alicerça aos braços do barco encalhado
e o rio o acolhe e alimenta
como um filho
como um... como um filho empalhado
ele sorri e canta as canções de amar
a tristeza não sabe que existe uma bandeira oblíqua
uma bandeira com sabor a mar
e um País distante...
o País da saudade
porque a tristeza... porque a tristeza morreu sem vaidade.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 8 de Novembro de 2014

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Criança desalmada


O fantasma espelhado da tua voz
caminhando na lareira do desejo
um cortinado de luz em direcção ao nada
tristes são as tuas palavras
acorrentadas ao silêncio
o falso destino
as imagens melódicas dos teus lábios
voando no vulcão da saudade
e da cidade regressam a mim os tentáculos espinhos de aço
que se alicerçam no meu peito...
a dor imaginária quando sei que a tua sombra se confunde com a madrugada
ainda por nascer...
criança
criança desalmada
criança flor no jardim em chamas...
o fantasma espelhado...
alimentando todas as sílabas do cabelo invisível
palmilhando montanhas e searas nocturnas
subindo as escadas do sótão sem coração
e embriagado
beijo
o teu
o primeiro...
o último
fim...
fim...
como a vida de um homem nas margens de um rio.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 7 de Novembro de 2014

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Poema vencido


Sombreados lábios
no pincelado amanhecer
tristes searas de incenso
sem vontade de crescer
imenso Oceano mergulhado na minha mão
concubina solidão vagueando na ruela sem saída
é esta a minha vida?
duzentos e seis ossos sem comida,
oiço os teus seios na escuridão do meu silêncio
brinco sob as mangueiras de um País distante
cheiro o orgasmo do poema vencido
é esta a minha vida?
um emaranhado farrapo esquecido na espingarda do soldado...
um... um cigarro apagado...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 6 de Novembro de 2014

Fugitivo nocturno


Quando as algemas do silêncio poisam no meu finíssimo pulso de fugitivo,
ando em viagem há quarenta e dois anos,
sonhei dentro de um paquete,
que hoje...
hoje apenas sucata,
voei sobre a cidade do beijo,
e...
e do Tejo,
cansei-me dos apeadeiros sem transeuntes,
desertos,
sós... como os pedintes,
só... como o desejo,

Fui vagabundo nocturno,
magala desalinhado,
obstruído nas catacumbas da solidão,
drogado de profissão...
embriagado das sanzalas de granito,
com fotografias para o obscuro corpo de uma bailarina,
quando as algemas do silêncio poisam...
e eu, e eu longínquo como os pássaros em cartão,
dormi na rua,
vagueei pela cidade à procura de nada,
apenas caminhava...
e não acreditava,

E não acreditava na ausência,
e...
e no amor eterno,
amor de “merda”
só a cidade me alimentava...
e acolhia,
apaixonei-me por cacilheiros e marinheiros invisíveis,
fui trapezista junto à Torre de Belém...
e sentava-me no pavimento cansado dos fins de tarde,
imaginava-te num caderno de desenho Cavalinho,
escrevia nas páginas adormecidas do “Doutor Jivago”...
e hoje pertenço às “Almas Mortas” do Nikolai Gogol.




Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 6 de Novembro de 2014