terça-feira, 11 de março de 2014

Regressar

foto de: A&M ART and Photos

Imagino-me deitado nos teus recortados sonhos de papel cenário,
acaricio a tesoura da saudade e sinto-lhe o perfume do amanhecer,
há entre nós uma sombra louca em betão armado,
amado cacilheiro vagueando ruas e avenidas sem janelas para o mar,
imagino-me adormecido,
ausente dos teus beijos,
imagino-me deitado nos teus tristes lábios quando a tua pele se despede da madrugada,
há uma ponte para atravessarmos, há uma ponte imaginária nas tuas mãos de cidade sem nome...
e dos teus dedos vejo crescerem dentes de gladíolos como desenhos de paixão ancorados ao meu peito de celofane,
imagino-me sentado esperando o teu regresso...
e sei que nunca vais regressar, porque é impossível regressarem aqueles que nunca existiram...
e fico junto ao cais, imaginando-me deitado nos teus recortados sonhos de papel cenário,

Imagino-me deitado nos teus olhos com odor a amoreiras apaixonadas,
imagino-me cinzento,
nuvem sem rumo, nuvem em pequenos farrapos de nada,
imagino-me sendo as tuas pálpebras e percebo o significado da dor,
imagino-me deitado... de papel cenário,
cansado... cansado dos versos embriagados,
imagino-me o cigarro que não consegue arder porque acredita nos sonhos de papel cenário,
e quando se afunda a noite no meu corpo...
o circo emerge de mim,
palhaços, trapezistas... e animais embalsamados... imaginam-me deitado nos teus seios poéticos com sabor a sílabas abençoadas,
como os pássaros...
como os pássaros poisados em jangadas.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 11 de Março de 2014

Concerto Solidário dos 40 anos do IPO-Porto!

A todos aqueles que desenham sorrisos em pergaminhos tristes, às vezes cansados e desiludidos. Obrigado.

Destaques do Blogue Cachimbo de Água – Sapo Angola


Poema de Francisco Luís Fontinha em destaque no Sapo Angola – Cenas da Net.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Melanoma


Às fingidas rosas do meu envelhecido jardim,
às árvores envelhecidas do meu envelhecido jardim,
aos pássaros do meu envelhecido jardim e que infestam o meu corpo de sons estúpidos,
sangrentos,
como o amanhecer do teu olhar,

À Primavera que quase a regressar... eu não a sinto,
porque o meu envelhecido corpo que habita no meu envelhecido jardim... morreu,
voa ente noites de prazer e poesia... sem o saber,
e palavras que não consigo assassinar,
se eu pudesse... matava-a... à maldita “melanoma”,

Se eu pudesse, se eu quisesse... o meu envelhecido corpo que habita o meu envelhecido jardim... transformava-o em poéticos melódicos sorrisos,
mas não,
não a consigo assassinar,
nem tão pouco me apetece escrevê-la,

Às formigas do meu envelhecido jardim onde pernoita o meu envelhecido corpo,
sinto-o como se fosse uma âncora de papel sobre os ombros de um feliz travesti,... embriagado com a beleza do espelho mágico de uma Lisboa enfeitada com envelhecidos jardins e envelhecidos corpos... todos... todos embriagados,
sonolentos,
como as nuvens cinza dos cinzeiros de lata,
como... como os meus cigarros que dormem numa esplanada vagabunda, sós, sós... como eu,

Aos sinos da Igreja do meu envelhecido jardim onde habita o meu corpo em jejum,
lágrimas para quê?
às palavras que resisto em não escrever, como amar, ou... rezar,
e se eu a pudesse assassinar...
rezava... rezava até não me cansar...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 10 de Março de 2014

domingo, 9 de março de 2014

sofridos beijos

foto de: A&M ART and Photos

os sofridos beijos da aranha madrugada
cansada
os sofridos beijos da mulher amada
as flores poisam nela como o diáfano pergaminho embalsamado
coitada
nas pálpebras do triste amanhecer
e sem querer... ou sofrer
espera desesperadamente pelo amado
o homem de papel com olhos de luar
os sofridos beijos na penumbra noite em sofrimento
há nela um punhado sorriso de mar...
e de amar... ama as carícias do vento.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 9 de Março de 2014

Boneca de porcelana

foto de: A&M ART and Photos

Aparecias no descampado morro da solidão,
trazias vestido o perfume da paixão,
e nos seios a cansada poesia do louco poeta,
depois... depois desaparecias na escuridão de uma porta sem fechadura,
deixavas-me suspenso nas amoreiras do desejo,
e entre um beijo,
e entre a saliva do silêncio...
nada mais do que a tua sombra transposta como a matriz ranhura,
ouvíamos o mar galgar as tempestades da tua pele,
e pergaminhos de suor, pequenas gotículas de gemidos ais...
alicerçavam-se à minha mão descarnada, como uma árvore esquecida na madrugada,
e percebia de ti as inconstantes locomotivas do amor,

(tínhamos dentro de nós o beijo e as sílabas desenfreadas com dentes afiados,
não havia em nós as coloridas paredes de verniz,
não havia em nós os sonâmbulos cubos do amanhecer...
e mesmo assim, quase sempre, desejava-te como a caneta de tinta permanente deseja o papel nu,
ausente,
de ti, de mim... de nós, quando se acendiam os candeeiros das avenidas com palheiros de prata)

Aparecias, e desaparecias...
acorrentada a uma fotografia junto ao lago com cisnes circulares e olhos de noite,
procurávamos nas janelas das camas ensonadas os cortinados do Adeus,
ausentávamos-nos, e regressávamos anos depois...
tudo como dantes, tudo tão igual em pequenas fotocópias de prazer,
e sentíamos em nós os tristes pilares do edifício amarelo,
descíamos as escadas, íamos à cave dos sótãos com zincados tectos, e sabia que habitava em ti a fuga, fugias, regressavas... e quando me apercebia, lá estavas tu sentada em mim,
eu era a tua estátua de marfim,
e entre lágrimas e alguns poemas..., nada nos pertencia,
tínhamos dois corpos ancorados aos rochedos de Belém,
e entretínhamos-nos a contar os comboios em corridas apressadas para Cascais,
e depois..., e depois adormecias nos meus braços como uma boneca de porcelana...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 9 de Março de 2014

sábado, 8 de março de 2014

O marinheiro imaginário

foto de: A&M ART and Photos

Não pertencias aos ciprestes voltados para o rio,
trazias na algibeira um punhado de tabaco, algumas gotinhas de vodka... e eras marinheiro fundeado na paixão dos homens,
olhávamos a ponte submersa nos rochedos vermelhos,
e sabíamos que nunca mais haveria sol dentro de nós,
eu, eu era uma gaivota suspensa nos teus lábios... e voava em ti como uma louca espuma depois do adeus,

Desenhávamos relógios de luar nas pálpebras de Belém,
dávamos as mãos... e caminhávamos até deixarmos de ver as estrelas,
o silêncio transformava os cigarros em longos suspiros que só o desejo percebe,
e sabe,
e às vezes, poucas, éramos visitados pelo “chapelhudo” vestido de verde seara de trigo,

Não pertencias aos ciprestes e tínhamos inventado o alegre som melódico das palavras,
(acorda agora o “Planeta 3”)
os corpos murchos deambulavam nos cansados campestres telhados de colmo,
não pertencias nem nunca pertencerás às engasgadas folhas de papel pardo, sem poemas, nuas como nós,
e tínhamos uma noite imaginária dentro de uma Lisboa que escrevia nos nossos corpos o desassossego,
e eu, e eu gostava do teu olhar que transpirava vogais com sabor a amêndoa e a chocolate,

Vinha o dia e com ele, os círculos e os quadrados..., vinha o dia e tu não me pertencias,
vagueavas de esquina em esquina,
de cidade em cidade, e de porto em porto, de barco para barco,
e os cigarros fumavam-se sem que eu percebesse a tua ausência, e tu não estavas lá, como sempre, eras apenas uma sombra da noite com roupas de amanhecer, talvez fosses a madrugada, ou... o rio sem palavra,

E nada como dantes, Dead Combo, e uma esplanada vazia, hirta... sem coração,
Lisboa pertencia aos guindastes com dentes de marfim,
sentávamos-nos sobre a calçada descalça, e via-mos os beijos das estátuas de granito abraçados aos sofás de ardósia esperando o regresso da tarde, e vinha a tarde... e queríamos a noite, a noite só para nós...
e não, nunca, pertenceste ou pertencerás aos ciprestes voltados para o rio.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 8 de Março de 2014