foto de: A&M ART and Photos
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Esqueço-me que a minha velhinha máquina de
escrever ainda escreve, apesar da idade, ainda lhe sinto em algumas
das noites o pulsar das teclas, às vezes percebe-se que existe um
sobressalto, coisa pouca, quase como quando vamos por uma calçada e
encontremos uma das pedrinhas salientes, damos um pulhinho, quase que
caímos ou não caímos e continuamos as conversas como se nada
tivesse acontecido, acontece que muitas da vezes faltam-lhe as
palavras, algumas deixaram de existir nela, outras come-as
embrulhadas nas também velhas folhas de papel, e ainda tenho o
problema da fita, quase inexistente, quase transparente, e vejo as
letras como que invisíveis rajadas de vento quando os edifícios da
outra margem vergam, ajoelham-se e rezam, e assim vão acontecendo
frases, palavras misturadas em negros e vermelhos, rasuradas com o
lápis-borracha, e qualquer dia, ela
FIM,
E qualquer dia, ele
FIM,
E qualquer dia, nós
Esquecemos-nos que a nossa velhinha máquina de
escrever ainda escreve, pouca coisa, ou quase nada, mas escreve,
banalidades, a fulana do terceiro esquerdo diz que o companheiro do
quarto direito a agride, o transparente transeunte do rés-do-chão
afirma a pés juntos que a menina do sexto frente está quase sempre
embriagada
E eu, a velha máquina de escrever, pergunto-me
Que tenho eu a ver com isso tudo, que me interessa a
mim, ao papel onde escrevo e à fita que colocas os careceres já
gastos no pequeno papel, às vezes tão fino que consegue-se ler do
outro lado
Do espelho?
E qualquer dia, ele
FIM,
E qualquer dia, nós
Fartos de ouvir, de ler, banalidades,
Coisas sem significado, fulana põe os cornos ao
marido, e depois?
O marido corneia a fulana, e depois?
Que tenho eu, uma velha máquina de escrever com
todos esses acontecimentos, e a culpa foi do parvalhão que me tirou
da caixa em plástico rijo onde eu habitava, anos e anos encerrada,
dormia, sonhava...
E eu, a velha máquina de escrever, pergunto-me
E depois?
“Fodia não fodia” mas percebia,
E depois?
FIM,
Da vida, da escrita, das folhas em papel, e do
cheiro a tinta, fazes-me falta quando sentia os teus dedos no meu
teclado, e depois de escreveres um poema ou um texto, sentia-te
dentro de mim e ele acontecia, o orgasmo maquinal
FIM,
E deixaste de tocar-me e deixaste de escrever em mim
e deixaste de olhar-me e pegar-me e acariciar-me e
FIM,
Beijinhos,
FIM.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 27 de Outubro de 2013