foto de: A&M ART and Photos
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Acordei e percebi que tinha mãos de tecido,
estampado com pequenos desenhos interpenetráveis nas manhãs
deslaçadas em neblinas e cinzentos cinzeiros de areia, desenhos
obscuros, desenhos como noites deitadas sobre as ponte em madeira,
que ligavam a cidade dos mendigos às terras perdidas dos confins da
insónia,
Tinha medo de amar-te sabendo que não existias como
mulher disfarçada de árvores, como as outras, embrulhadas em
sombra, encobertas e enroladas nos desgostos das meninas com tranças
e vestidos de chita, adormecíamos sempre que a luz diurna se
extinguia nas falsas alvoradas dos papagaios em papel, seguravas tu o
fino cordel, e eu
Sentado, sentavas-te no portão de entrada,
amarrávamos o cordel a uma das pequenas barras em ferro e
olhávamos-nos como se eu fosse o espelho, e tu
Eu a menina das tranças e vestido de chita, eu a
menina que não sabias existir e que passava horas a olhar-te na
paragem dos machimbombos quando apressadamente corrias a cidade como
um louco em bicicleta rumo ao Oceano, depois esperava-nos um barco de
esferovite com um potente motor a pilhas que tinhas retirado a um dos
teus carrinhos de brincar,
Lembras-te do avião que penduravas por um finíssimo
fio de pesca num dos ramos da mangueira e em círculos acertados,
vomitava voltas como ventoinhas suspensas no tecto da tristeza?,
Claro que não me lembro,
Não te lembras porque as tuas mãos de tecido
derramaram-se sobre a velha máquina Singer e hoje elas são parte
integrante do vestido de chita da menina
Quem é essa menina de tranças e vestido de chita?
A flor, o centeio correndo leira abaixo, descendo
paredes em xisto, derretendo os cubos de açúcar dos torrões de
terra ressequidos, no centro da terra o espantalho, uma velha
vassoura, trapos e uma cabeça de
Abóbora?
Doce de abóbora e torradas,
Lembras-te dos dias quando ainda éramos sombras de
ébano e tínhamos no corpo a excentricidade das cambaleantes
escadarias dos guindaste depravados, mendigos como eu havia muitos,
muitos de corpo empalhado, e como eu
Com mãos de tecido,
E como tu, como tu adoravas as tardes com a tua
cabeça adormecida no meu leito colo sem horário para acordares, e
eu quando acordava,
Mãe, mãe tenho sede,
Tínhamos uma mesa e quatro cadeiras, tínhamos uma
sala minúscula onde apenas cabíamos quando pedíamos licença ao
velho para nos sentarmos, e depois da devida autorização
Sentávamos-nos, e comíamos,
E bebíamos o veneno da vergonha de existirmos.
Acordava, e percebia que tinha mãos de tecido,
estampado com pequenos desenhos interpenetráveis nas manhãs
deslaçadas em neblinas e cinzentos cinzeiros de areia, desenhos
obscuros, desenhos como noites deitadas sobre as ponte em madeira,
que ligavam a cidade dos mendigos às terras perdidas dos confins da
insónia, e olhava-me e do outro lado do espelho ela vestida com um
vestido de chita e tranças...
Não, não te conheço, desculpa, não te amarei
sabendo que és apenas uma sombra como telhados de vidro nos cardumes
das cidades invisíveis, amar-te-ei?
Nunca o saberei, e nunca te perguntarei...
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 26 de Outubro de 2013
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