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foto de: A&M ART and Photos
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Não respiro, as tuas calças sufocam-me e entro no
vazio da melancolia que deixaste ficar sobre a mesa da sala de
jantar, sento-me e adormeço até que sinto acordar o dia vestido de
tristeza, a agonia entranha-se no soalho junto à lareira, imagino-te
caminhar descalça no pavimento encerado sobre a madeira estrangeira,
vejo no chão o espelho que nunca vi e que pensava não existir,
caminhas, nua, só minha, só para
Para ti, meu querido, apenas,
Só,
Como as árvores não plantadas do teu quintal com
vestígios de silêncio, e ao longe, imaginamos o mar entrar-nos pela
janela do quarto, oiço a tua doce voz no tal
Espelho em soalho encerado?
No teu corpo, no teu corpo como ontem existiam
peixes no aquário que tinhas no Hall de entrada, a porta evaporou-se
e todas as janelas
Morreram?
Voaram como lágrimas em queda livre da tua doce
face em claridade alface,
Morreram... como morrem todas as paixões e todos os
esqueletos com duzentos e seis ossos, expirou a validade dos teus
beijos, e a cidade respira ingenuamente como uma planta esquecida num
dos imensos jardins em Belém, não respiro eu, e sei que as tuas
calças deambulam como desassossegos verdes contra as paredes de
gesso dos compartimentos que nunca saíram do papel, projectos,
desenhos concebidos milimetricamente para se afogarem no rio da
saudade, hoje, hoje dizes que sou eu, hoje sinto-me um barco a
flutuar nas tuas coxas, hoje
Só...
Hoje percebi que as imagens de mim são reflectidas
nos fantasmas dela, e que ele pertence à cidade, é filho do ciume,
ele
Só?
Hoje percebi que as imagens de mim são reflectidas
nos fantasmas dela, e que ele pertence à cidade, é filho do ciume,
ele delicia-se com as mensagens secretas dos pensamentos travestidos
telepaticamente depois de cair a noite sobre os largos ombros,
sento-me e adormeço até que sinto acordar o dia vestido de
tristeza, a agonia entranha-se no soalho junto à lareira, imagino-te
caminhar descalça no pavimento encerado sobre a madeira estrangeira,
vejo no chão os barcos enferrujados, vejo no teu chão palavras,
muitas palavras para mais tarde escrever, ler, rasgar, pintar,
palavras em pequenos molhos e vendidos nas ruas ímpares, e hoje
Só, eu, perdido na cidade com dentes de marfim e
garganta de xisto, oiço-te quando me chamavas e eu acordava
embrulhado em cobertores de lã, era verão, questionavas-me
Tens tanto frio, meu querido, estamos no verão...
Imaginava o que pensarias, imagino hoje o que
pensas... quando percebeste que eu era uma paixão impossível,
quando percebeste que eu era um pássaro em aço e impossível de
destruir, tens... frio... no verão,
Só, então!
E vi no teu soalho encerado as lágrimas que foram
minhas, quando tu ainda criança, eu, eu voava sobre as nuvens e as
gaivotas, e quando acordava, percebia
Percebias...
Querido, tu estás na lua?
Claro que não, apenas frio, frio...
Percebias que eu era de pano, que eu era um
espantalho que decidiste queimar numa fogueira juntamente com alguns
dos livros que sobejaram das vendas clandestinas,
O jardim
Só,
Ardia, ardia como ardem as cidades de palha...
(não revisto - ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 14 de Setembro de 2013