sábado, 20 de julho de 2013

… um sonhador travestido de mendigo

foto de: A&M ART and Photos

Objectos complexos
quiçá dos número perfeitos que o corpo absorve
objectos como serpentes venenosas enroladas na garganta da morte...
e o teu novíssimo esqueleto de chita vagueia sobre os zincos telhados
que a noite esconde quando das estrelas vêem-se os alicerces da solidão,

Ove-se em ti o círculo de sombra que a madrugada esconde
vivíamos embebidos no pânico das amendoeiras em flor
percebíamos que um dia também seriamos flores com braços de xisto
e no peito um pequeno sorriso de rio elevar-se-á até ao cimo da insónia...
ouve-se que o teu corpo amarrota papel pedaços como palmas de sofrimento nas ardósias das tardes de suicídio...

Objectos cansados pelos sons poéticos dos teus lábios
dizes-me que sempre fui um louco
… um sonhador travestido de mendigo voando nas transversais ruelas da cidade
eu... sou a cidade
prostituindo-se com a poesia invisível dos trapos pincéis que o mar alimenta.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Participação na logos nº 3 Julho 2013



És uma chata quando me perguntas...

foto de: A&M ART and Photos

Três dias após beijar os teus lábios de andorinha, cessei os braços nas tuas mãos de porcelana... e morri, recordo-me de ter cerrado os olhos, o verde em mim transformou-se em cinzenta neblina sobre o cansaço dos veleiros estacionados junto ao Tejo, amar-te-ei, pergunto-me? Quem és tu, se todas as flores vivem e morrem... quando o vento se alicerça nos minguados dias de tristeza, alimentas-te de orgias fumegantes e de gemidos lareira desvairada, líamos em conjunto os livros não lidos, virgens, e vivíamos como se tivéssemos acabado de nascer,
És uma chata quando me perguntas...
Amas-me?
Não o sei, porque esqueci-me o significado do amor, porque me esqueci o significado das palavras... porque me esqueci que ainda vivo, pouco, mas vivo miseravelmente como um pássaro que percebe que no próximo cruzamento uma munição será disparada em sua defesa...
Levante-se o réu
Levantei-te e gritei o desejo por ti, das tuas tristes flores, dos teus alegres lábios... e gritei das tuas sulfurosas lágrimas de enxofre..., e dizem-me que sou um miserável, um triste, um quase vagabundo percorrendo veredas e caminhos encruzilhados entre migalhas de centeio e palhaços de pedra, um rio renasce nos teus olhos
Não fiques riste minha amada indefesa e sonâmbula das tarde de Domingo, Amas-me? Sabendo eu que não sei o significado de amor, dos sonhos apenas trago em mim as pobres imagens vagabundas com purpuras sílabas semeadas no meu peito, saber-me-ás um dia converter em arbusto de Belém?
Um rio renasce nos teus olhos, de mim parece-me infinito o adormecer e a insónia, lembro-me das tuas imagens decalcadas em pequenos muros de betão que dividem a velha cidade da nova cidade, e são tão lindos os teus olhos de luar que percebo o significado da tua tristeza, sinto-o rosnar junto ao meu pobre tornozelo, porque tudo em mim é pobre, e percebo, que ele, o meu canino... sem dúvida... o meu melhor amigo, viver como as flores?
Lembras-te de mim, ainda?
E vivo, como se hoje fosse o meu último dia a pensar em ti...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Das laranjas embalsamadas

foto de: A&M ART and Photos

Pareia em teu dúctil corpo de incenso
a melodia poética das flores em construção...
vivo-as como se fossem gaivotas sobrevoando o desejo dos teus lábios
enfim... como se fosses uma nuvem de chocolate com doces morangos
pareiam em ti as palavras silenciosas dos minutos travestidos
que os calendários transformam num jejum incompleto e disforme...

Alimento-me das tuas cansadas dores íngremes nas plataformas inclinadas dos discos voadores
aos pratos sobre o teu peito que uma mesa de quatro pernas dorme e vive na praia dos teus seios
incongruente porque lá fora mesmo debaixo das árvores do nosso invisível quintal...
barcos
guindaste de areia
urgem como rugas na madrugada sumarenta das laranjas embalsamadas...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 18 de julho de 2013

A insígnia lágrima vestida de alegria

foto de: A&M ART and Photos

Trazias no olhar límpido a insígnia lágrima vestida de alegria
sentavas-te sobre mim e de longe ouvíamos as cansadas palavras
que migravam entre as madrugadas
mórbidas das manhãs sem marinheiro
galgando vales e campos aráveis como barcos em papel
subindo a montanha dos desejos às gargantas insolúveis da dor amanhecer,

Havia uma simples escada que terminava no segundo andar com vista para os lábios nocturnos
comendo morangos com pequenos cachos de brancas uvas...
trazias de mim a roupa pele em tonalidade de branco sujidade e sombras de torrado silencio...
mergulhávamos nos abraços que um velho esquisso transparecia através da luz da doente janela
com o coração salteando rochas de enxofre e ninguém conseguia pegar na tua doce lágrima
e fazer dela uma canção de amor ou... uma cancela com passaporte para a insónia,

Fazíamos as malas com os pedaços de tecido sobejantes das tempestades de areia
e sabias que na minha algibeira vivia um miserável humilhante verme com dentes em marfim
um transeunte em formato crocodilo que alguém trouxe de Angola...
e por engano vive
grita
ruge durante as noites de sexo sobre o tapete da casa de banho...

Trazias no olhar límpido a insígnia vergonha do corpo misturado em pequenos vidros
que desciam da nuvens embebidas em orgasmos vegetais das plantas de verniz...
escrevias nas paredes do alpendre palheiro as equações da eternidade
e um buraco de minhoca percorria-te o corpo sonolento dos soníferos de resina...
e inventavas noites a cada hora diurna...
como imagens desgovernadas a subir as escadas para o segundo andar onde habitava o nada

….

Ninguém percebe a tua boca quando se masturbam os teus lábios nas lágrimas do sofrimento...
confesso... e ninguém percebe as brechas de água que jorram dos teus lábios
confesso que a princípio pensei que eras uma lágrima voando sobre as escadas sem destino...
trazias... e gritavas... e rangiam os dentes em marfim dos esqueletos em flor
como tu e eu
dentro de um hipercubo apaixonado por rectas paralelas... fazendo o amor... algures no espaço vazio dos púbis em cacimbo quando mabecos e serpentes venenosas... derramavam sobre ti os uivos das sílabas das miseráveis algibeiras do mendigo com chapéu de bruma cor à tela desmaiada...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 17 de julho de 2013

O belo, que tu transportas nos lábios, chega-me...

foto de: A&M ART and Photos

O belo transforma-se em floresta e das palavras, das palavras crescem andorinhas com sorriso encarnado, um mar de rosas invade os alicerces da cidade... e eu, cambaleio entre sombras nocturnas que o medo absorve... e os candeeiros solitários, onde uma penumbra emerge sobre os bancos em madeira com ripas de inveja, olho-te, meu amor, e as tuas mãos tocam-me, e do meu rosto, da minha face decalcada numa chapa de estanho uma mísera garganta embrulha-se nas vozes desgovernadas, há palavras mortas, há flores de tempestade à porta da Igreja, e tu, meu amor, sempre, sempre que me encontras perguntas-me pela música, pelas palavras... e eu, minto-te, porque nada tenho para te oferecer... apenas miséria, apenas fome,
O belo, que tu transportas nos lábios, chega-me, confesso que nunca quis ser rico, ter fortuna, confesso-te que o meu sonho era ser artista de circo, desde criança que sonho com o circo, andar de terra em terra, de País em País, de Planeta em Planeta..., ir à luar, uma semana em Marte, três dias em Saturno..., e aos Sábados, as famosas matinés de areia molhada, deitavas-te e uma língua de fogo adormecia em plena praia imaginária, um molde sobrevivi às marés, e quando entrasse a noite em nós, preenchíamos o respectivo molde com beijos e sorrisos,
E três dias depois,
Nova cidade, montar toda a estrutura, o palco, as luzes, eu, o palhaço frustrado e diminuído, habitante do patamar inferior da Sociedade, porque existem intelectuais de fim-de-semana, os ditos inteligentes com cabeça de vidro, e das omoplatas vagueiam as sibilantes listras abelhas com coração de manteiga, o filho da puta do mendigo, acaba de cuspir no meu próprio pão, e de duas sardinhas, uma para mim, a a outra, reparto-a por ela e pelos dois filhos, nunca percebeu quem eram os respectivos pais..., abríamos a janela da roulote, os vizinhos do lado, um casal de trapezistas, faziam o amor sobre o arame que prendiam de uma ponta da dita até ao infinito... e havia cordas penduradas do piano de cauda que o músico de serviço transportava como se fosse o único objecto palpável, de valor, a única riqueza,
Nunca quis ser rico,
Os intelectuais de fim-de-semana, sentam-se aplaudidamente nas primeiras cadeiras do circo, eu, o pobre, o miserável, o inculto desta terra, rodopio sobre uma bicicleta de madeira que um velho há cerca de vinte e cinco anos me ofereceu num bar no Bairro Alto, vomitávamos as palavras e nem tempo tínhamos de as escrever, havia gajas com asas de cristal e gajos com cérebros envoltos em serrim, cheira intensamente a merda, são eles, os do fim-de-semana quando descem até às raízes invisíveis das omoplatas dos cortinados dos intelectuais ditos espertos, tão... tão espertos e mergulham na burrice e acordam na estupidez, tenho fome, preciso da tua boca e dos teus seios e das tuas coxas, preciso dos alicerces da cidade, de todos os vãos de escada onde se prostituem intelectualmente alguns gajos, poucos, quase nenhuns, preciso, precisava... que da noite viessem as vísceras infames dos livros sobre as mesas de cabeceira, se eu quiser, eu consigo, porque sou um miserável, empobrecido, intelectualmente pobre, dizem-no, parvalhões com serrim envolto no cérebro, asas sobre as omoplatas, cristais nos olhos, e rodas dentadas onde devia existir um cérebro, deixavam de pensar, e aplaudiam fugazmente as palhaçadas dos artistas conceituados, na roulote em frente, o amor
Fazem-no como se ainda estivessem sobre o arame de sémen que atravessa o espaço exíguo de um lado ao outro,
Foda-se, ouviam-se-lhe os sons menstruais das Primaveras amarfanhadas, e a carroça, ou quase carroça, balançava como um plátano sobre o rio da saudade, descíamos a encosta, sentávamos-nos sobre os joelhos do desejo,
Parvalhão, tens a mania...
Sobre os joelhos do desejo, fotografias a preto-e-branco na parede da rolete, um fino tique nos dedos com sabor a chocolate emergia das fundações da ponte que ligava a cidade nova à cidade velha, e nunca, nunca mais vi o velho nem a bicicleta de madeira, mas nos meus tempos livres, o mesmo número de sempre, só que agora sem a bicicleta, sem o velho, sem o Bairro Alto... apenas um sofá com as molas sofrendo de bicos de papagaio e espondilose, perdizes, perdizes masturbam-se com as cadeiras vazias do espectáculo, murchos, os candeeiros, e das lâmpadas, nem o esqueleto, e apenas finos orgasmos de poeira vagueiam sobre a plateia..., o belo, que tu transportas nos lábios, chega-me, confesso que nunca quis ser rico, ter fortuna, confesso-te que o meu sonho era ser artista de circo, desde criança que sonho com o circo, andar de terra em terra, de País em País, de Planeta em Planeta..., ir à luar, ir e não regressar.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 16 de julho de 2013

A última vez de nós

foto de: A&M ART and Photos

Ambos o sabíamos, todas as noites, uma caneta prateada, iluminada com tinta preta, misturava-se nas ranhuras do papel, macio, do aparo, algumas vezes, gotas minúsculas de um líquido não determinado, descia, lentamente, até que de muitas gotas minúsculas de líquido... nascia uma poça longínqua de um líquido... não determinado,
Sangue, não o era,
Suor?
Não acreditávamos,
Ambos ouvíamos o rosnar da locomotiva da cama suspensa sobre quatro velhos tijolos, tínhamos nascido pobres, continuávamos pobres, e amanhã, pobres seremos, sentados a uma mesa com quatro pernas, range, ouve-se um estranho gemido de areia, provavelmente, o mar a rondar-nos a casa, provavelmente, o homem do chapéu de palha para saciar a sua sede, ele beberá de nós o mosto disfarçado de silêncio, e não acreditávamos
Suor?
Os cigarros morriam no cansaço da tarde, gemias como uma raposa quando prensada nas ranhuras das portas com vista para o mar, víamos da fechadura um líquido esguio... e de seguida vinha a noite, fazíamos amor debaixo dos cobertores de madeira que embrulhavam a caixa onde o avô escondia a farinha de milho, recordo-te recheada naquele intenso cheiro, ao longe, víamos o rio Sul travestido de curvas com olhar de fonte de água sulfurosa, o enxofre fazia-nos arder os olhos, e das nuvens de espuma, brancas migalhas de saliva rodeavam-nos, e sentíamos no corpo a tristeza da chuva ante de desfazer-se sobre os telhados da aldeia...
Sangue, não o era,
Suor?
Não acreditávamos,
O sino anunciava-nos o silêncio que acompanhava a noite, tínhamos algumas horas para permanecermos juntos, e nunca sabíamos se era a última, a última vez de nós, ela, a caneta, introduzia-se vagarosamente nas entranhas coxas do papel de arroz, sentia-se o perfume do rio Sul subir até sobrevoar a Cárcoda..., e imaginávamos homens, e imaginávamos mulheres, e imaginávamos... madrugadas voando entre pinheiros mansos e carvalhos ensanguentados pelo desejo que o sono provocava em nós, escondidos
(de dentro da caixa da farinha sentia o teu corpo em banhos de sol, mergulhavas nas ondas que a fonte sulfurosa das Termas deixava nos teus seios de rosa encarnada)
E escondidos vivíamos os cigarros, e escrevíamos ao toque do fumo a dilacerar-se nas asas de uma gaivota que se prostituía lá para as bandas de Cais do Sodré, antes, muito antes de entrarmos dentro da caixa da farinha, ainda antes de ser dia, antes o enxofre provocar-te lágrimas no rosto que escondias do espelho do quarto do meio, diziam que a prostituta era uma velha carruagem que costumava transcrever no papel de arroz o percurso Cais do Sodré a Belém, e por aí permanecia, até que uma magala aparecia, vestia-se de mergulhador e descia às profundezas das linhas circunflexas da vaidade,
E não acreditávamos
Suor?
E no próximo apeadeiro permaneciam até que fosse dia, até que as gaivotas levantassem voo... fugissem para o mar, até que renascias do interior da caixa da farinha, víamos o rio Sul, e sentávamos-nos sobres as restantes pedras do Castro da Cárcoda... olhavas-me, e segredavas-me que a solidão era sem qualquer dúvida
Amor, a solidão é a maior prova de amor que uma flor como eu pode ter,
E de dentro da caixa da farinha, ambos, ouvíamos os sons que todos ouvimos quando habitamos apartamentos defeituosos em cidades defeituosas...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha