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foto: A&M ART and Photos
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Perdi-me como Sábados desperdiçados dentro de uma
semana confundindo-se com o pôr-do-sol, perdi-me enquanto ouvia
mendigos disfarçados de livros, à porta dos bares abrigos com
arrais de aço e pequenas correntes de suor, bebia-se vodka até que
descia o enjoo marinheiro quando em alto mar alguém avisava que o
melhor para combater o enjoo marítimo era bacalhau cru, de
preferência salgado, nunca o experimentei, porque nunca enjoei
durante os treze dias de viagem, talvez porque as crianças não
enjoassem, talvez porque da cidade de onde eu vinha, tinham-me
habituado aos solavancos das calçadas húmidas depois da chuva,
vinha o sol, acordavam as ervas mais sonolentas, e ainda de boca
semiaberta, amarguravam sílabas de solidão, como às abelhas quando
se lhes pedia
Escreve um poema,
As pobres das abelhas não escrevem, e que eu saiba,
são felizes, o meu cão não escreve, e é feliz, eu não sou
marinheiro, e sou feliz, ando de porto em porto, percorro os oceanos
mais distantes do dicionário das palavras difíceis de pronunciar,
engasgo-me com a saliva que os amanheceres violentos provocam em mim,
e em ti, que vives dentro de mim, pareces com febre, as teclas estão
quentes, pergunto-me se conseguirás sobreviver até ao final da
noite, de todas as noites, até que regressa o Natal, e depois
Escreve-me um poema,
E depois eu cá em parvalhão escrevia, estás tão
quente, hoje, sinto-te nas minhas mãos, palpitas como sobejantes
morcegos de porcelana
(fico extremamente irritado quando estou a escrever
e o parvalhão do telemóvel sempre a vomitar sons vibratórios, como
um reles vibrador adquirido numa loja do Chinês, provocando orgasmos
aleatórios na secretária – De madeira? - , sim, sim meu querido,
de madeira...)
E partindo-se a porcelana, resta nada, luzes
tristemente sós, fingindo melódicos anseios nos fins de tarde,
ouviam-se-lhes os gemidos em grãos de areia, e um colchão de palha
roçava-se nele,
(fico extremamente irritado quando estou a escrever
e o parvalhão do telemóvel sempre a vomitar sons vibratórios, como
um reles vibrador adquirido numa loja do Chinês, provocando orgasmos
aleatórios na secretária – De madeira? - , sim, sim meu querido,
de madeira...)
E também de mim, nova vibração, novo orgasmo,
chegada de SMS, e a coitada da secretária – De madeira? - sim,
sim, sim meu querido, de madeira, como as searas depois de mortas,
como as cidades depois de incendiadas pelo ofegante arremesso de
objectos contra natura, odiava as camisolas de gola altas e as calças
à boca de sino, mal conseguia segurar-me sobre os sapatos de três
andares, mais parecendo a quilha de um veleiro, e agora imagino o
coitado do João, de saia, camisola de gola alta e sapatos a
condizer, mexe-se como uma andorinha de plumas entre os dedos, pinta
docemente os lábios com bâton ruge e quando acorda o dia, vejo-a
deitada num qualquer banco de jardim, desesperada, à espera do
autocarro, e Auroras Boreais
(fico extremamente irritado quando estou a escrever
e o parvalhão do telemóvel sempre a vomitar sons vibratórios, como
um reles vibrador adquirido numa loja do Chinês, provocando orgasmos
aleatórios na secretária – De madeira? - , sim, sim meu querido,
de madeira...)
Escreve-me um poema, e Auroras Boreais poisam como
insignificantes poéticos desejos sobre o teu peito onde vive um
coração de chocolate.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha