foto: A&M ART and Photos
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Onde me levarás quando eu descer os cortinados da
dor, comíamos sandes de livros com molho de poesia e tantas migalhas
em palavras, que hoje, nos esquecemos dos momentos ínfimos que a
noite nos proporcionava, acreditávamos em silêncios e desenhos nas
paredes do sono, lápis de cor, caixas de seis, doze ou... vinte e
quatro, e sonhávamos com um corredor fino, alto, e escuro, e havia
uma porta envidraçada, uma porta de entrada para o nada, e ninguém
nos perguntou porque vivíamos obscuros, fingíamos-nos também nós,
de pequenos cubos de vidro, fingíamos-nos também nós, de porta com
o espaço reservado aos nossos corpos de vidro, livres, não opacos,
transparentes e flutuantes como as folhas das árvores do jardim
o destino é fodido, dizias tu...
Do jardim das grandes amoreiras, as tuas sandália
jaziam sobre o tapete de ardósia, voando, subindo veredas de carvão,
o suor do teu corpo parecia papel de embrulho, ofegante, dilacerante,
oitenta e quatro metros por segundo quadrado, tu, descias, descias
até mergulhares nas
destino, é, hermeticamente fechado como as caixas
de porcelana onde guardavas os guardanapos, alguns anéis e outras
bugigangas sem interesse, como tu, para ti, sem interesse, como eu,
como são as portas depois de encerradas, pregadas do lado exterior,
como são os olhos das fechaduras, quando dilaceram um corpo nu, ou
quase nu, suspenso nas mãos de oito estrelas com cinco cordéis de
algodão, cinco, quatro, alegrias de viver e uma janela de Inverno
com sombras para o mar das sílabas cansadas pela tua doce boca de
lentidão, beijos, e víamos a tua face rosada mergulhar no candeeiro
sobre a mesa-de-cabeceira,
o
é, dizias-me tu,
E como eu te percebo agora, porque sempre fui um
filho bastardo do maldito destino, e sempre gostei de ti, como o
sabíamos depois das tristes palavras que deixaste penduradas num
pequeno cartaz junto ao frigorífico, irritei-me, peguei nele... e
andar abaixo, rés-do-chão esquerdo, a vizinha por milímetros não
atropelada por um amontoado de sucata, velharias, como eu, aqui,
sentado, a tentar perceber o maldito destino de mim, sabendo eu, que
eu, não, nunca, existi
acreditarás no meu pequeno corpo?
E pior do que isso... é que nem sou em ferro,
porque os sucateiro davam-me um euro por cada quilo, ora isto
perfazia cerca de setenta e nove euros, não era muito, sempre será
alguma coisa, por enquanto, espero, porto ancorado às ilhargas
elásticas dos azuis camarotes de veludo, havia champanhe, caviar, e
o melódico som poético do homem das sete luas gordas, recheadas com
pequenos pássaros das árvores do quintal coberto por mangueiras,
criança triste fazendo-se passar por estilista, desenhava e
costurava vestidos por medida, e nas horas vagas, escrevia poesia nas
paredes do quarto, desenhava nas paredes da casa de banho, e
irritava-se quando não o levavam a olhar o mar, domingos de manhã,
escondia-se entre os barcos atracados no Porto de Luanda, e sonhava
um dia vou ter uma porta com muitos vidros, e
debaixo da ombreira, uma linda mulher, com panos brancos, ou quase
nua, ou ambas, ou nenhuma delas... um dia, vou ter uma porta, vinte e
quatro, vinte e cinco, pequenos vidros, quadradinhos de ternura e
açúcar prateado porque os teus lábios são como os pasteis de
nata, comem-se, e depois... depois sentimos-nos leves como as
gaivotas, passamos debaixo das portas com pequeníssimos vidros, e
voamos sobre o Tejo...
Acreditas nos destino, amor meu?
E saboreava-os na boca como se fossem beijos teus...
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha