quarta-feira, 15 de maio de 2013

Acreditarás no meu pequeno corpo?


foto: A&M ART and Photos

Onde me levarás quando eu descer os cortinados da dor, comíamos sandes de livros com molho de poesia e tantas migalhas em palavras, que hoje, nos esquecemos dos momentos ínfimos que a noite nos proporcionava, acreditávamos em silêncios e desenhos nas paredes do sono, lápis de cor, caixas de seis, doze ou... vinte e quatro, e sonhávamos com um corredor fino, alto, e escuro, e havia uma porta envidraçada, uma porta de entrada para o nada, e ninguém nos perguntou porque vivíamos obscuros, fingíamos-nos também nós, de pequenos cubos de vidro, fingíamos-nos também nós, de porta com o espaço reservado aos nossos corpos de vidro, livres, não opacos, transparentes e flutuantes como as folhas das árvores do jardim
o destino é fodido, dizias tu...
Do jardim das grandes amoreiras, as tuas sandália jaziam sobre o tapete de ardósia, voando, subindo veredas de carvão, o suor do teu corpo parecia papel de embrulho, ofegante, dilacerante, oitenta e quatro metros por segundo quadrado, tu, descias, descias até mergulhares nas
destino, é, hermeticamente fechado como as caixas de porcelana onde guardavas os guardanapos, alguns anéis e outras bugigangas sem interesse, como tu, para ti, sem interesse, como eu, como são as portas depois de encerradas, pregadas do lado exterior, como são os olhos das fechaduras, quando dilaceram um corpo nu, ou quase nu, suspenso nas mãos de oito estrelas com cinco cordéis de algodão, cinco, quatro, alegrias de viver e uma janela de Inverno com sombras para o mar das sílabas cansadas pela tua doce boca de lentidão, beijos, e víamos a tua face rosada mergulhar no candeeiro sobre a mesa-de-cabeceira,
o
é, dizias-me tu,
E como eu te percebo agora, porque sempre fui um filho bastardo do maldito destino, e sempre gostei de ti, como o sabíamos depois das tristes palavras que deixaste penduradas num pequeno cartaz junto ao frigorífico, irritei-me, peguei nele... e andar abaixo, rés-do-chão esquerdo, a vizinha por milímetros não atropelada por um amontoado de sucata, velharias, como eu, aqui, sentado, a tentar perceber o maldito destino de mim, sabendo eu, que eu, não, nunca, existi
acreditarás no meu pequeno corpo?
E pior do que isso... é que nem sou em ferro, porque os sucateiro davam-me um euro por cada quilo, ora isto perfazia cerca de setenta e nove euros, não era muito, sempre será alguma coisa, por enquanto, espero, porto ancorado às ilhargas elásticas dos azuis camarotes de veludo, havia champanhe, caviar, e o melódico som poético do homem das sete luas gordas, recheadas com pequenos pássaros das árvores do quintal coberto por mangueiras, criança triste fazendo-se passar por estilista, desenhava e costurava vestidos por medida, e nas horas vagas, escrevia poesia nas paredes do quarto, desenhava nas paredes da casa de banho, e irritava-se quando não o levavam a olhar o mar, domingos de manhã, escondia-se entre os barcos atracados no Porto de Luanda, e sonhava
um dia vou ter uma porta com muitos vidros, e debaixo da ombreira, uma linda mulher, com panos brancos, ou quase nua, ou ambas, ou nenhuma delas... um dia, vou ter uma porta, vinte e quatro, vinte e cinco, pequenos vidros, quadradinhos de ternura e açúcar prateado porque os teus lábios são como os pasteis de nata, comem-se, e depois... depois sentimos-nos leves como as gaivotas, passamos debaixo das portas com pequeníssimos vidros, e voamos sobre o Tejo...
Acreditas nos destino, amor meu?
E saboreava-os na boca como se fossem beijos teus...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Hotel Quinta da Seixeda – Alijó

terça-feira, 14 de maio de 2013

As janelas do Outono

foto: A&M ART and Photos

Dissimulávamos-nos entre as raízes poeirentas
dos velhos candeeiros a petróleo
deitávamos-nos sobre uma velha secretária em madeira apodrecida
e rezávamos
como personagens de um livro de insónias sobre o divã da saudade
percebia que os teus olhos
os olhos meus contra a cortina de fumo que alimentava o eterno silêncio
desejo
desejando palavras indesejadas
como nós
havíamos um dia de recortar as imagens das nossas cartas perfumadas
e suspendê-las ou decalcá-las... ou simplesmente... queimá-las contras os vidros das janelas do Outono,

Havia um corpo ancorado ao teu
que confesso... nunca percebi a sua história de cadáver sem sonhos
voando entre as montanhas dos pássaros encarnados com telhados de vidro...
ouvia
ouvíamos os ossos do esqueleto incompleto das tuas coxas ranger como gonzos
durante a noite construída em mentiras
e falsas imagens
com legendas tridimensionais
incolores
sofredoras como os bancos de madeira onde nos sentávamos...
que coisa... esta nossa vida
de equação de Einstein...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Desisto quando percebo que todos os corpos são corpos

foto: A&M ART and Photos

Escondes-te do mar, dentro do mar, existe à tua volta um túnel hiperbólico, ausente do vento de nordeste, escavam-se na rocha as palavras por dizer, proibidas, emagrecidas, escondes-te e desces e desces e desces,
dentro do meu corpo,
Sou o teu hospedeiro, o eterno viajante, sem bagagem, sem luvas, e na algibeira, poucas, as migalhas de sílabas para matar a saudade de escrever, quando a vontade há muito foi embora, agora, ficou, tu, a ausência de pessoas, de beijos, a ausência de calendários, como que existissem nas paredes em ruínas das almas que vagueiam pela cidade, corações, amor, desilusão, poucas vezes me confesso no espelho junto ao contentor de lixo, uma vezes cheio, outras, ultimamente, vazio, penumbro, escuro, e fundo,
peço um copo com água e açúcar, fico estável, não saudável, hirto, consigo caminhar sobre a espuma nocturna dos desejos masculinos, pensões de vinte e cinco euros, escadas em madeira, terceiros andares, quartos andares, pessimamente, os sótãos, difíceis para quem sofre do reumático, e quando se alcança a janela que dá para um telhado de oxigénio, existo, perco o pouco fôlego e desisto quando percebo que todos os corpos são corpos, apenas carne, ossos, e desejos, e dos tais beijos, desisto, perco-me, subo e subo e subo... até abraçar o teu corpo infinito enrolado em rectas paralelas e círculos de luz, tenho olhos verdes, e tu dizes-me que sou tímido, não sei, talvez, a primeira vez senti um frio na espinha, quando percebi que o comboio vinha na minha direcção, acordei repentinamente, interrompi o sonho, e até hoje, procuro-o... apaixonei-me por ele, e pelas loucas locomotivas com paragem em Cais do Sodré, um dia, eu, percebi que quase morrias nas minhas mãos, apenas porque tinhas esquecido de encerrar os cortinados de lona dentro do caixote de madeira, subo, subo até dizer chega, por hoje, baste de sacrifícios, de loucuras, de tesões sem palavras, nada
Entre nós,
o mundo acabou?
E sempre me respondeste que o mundo não acaba, nunca, eterno, efémero, como as gargantas dos espelhos saltitando das roseiras metáforas que a tua boca transpira,
acabou, terminaram as filmagens das últimas cenas, o eterno fim quando lá do cimo, víamos, abraçados, mão com mão, lábio com lábio, o recomeçar de um novo mundo, novas carruagens, novos viajantes, estes, sem bagagem, sem papeis de parede nos quartos, e que melhor quarto para dois, três ou... quatro, amantes, do que uma parede em gesso forrada com frestas, um crucifixo sobre a cabeceira, duas almofadas perfumadas com picos de bafio e hálito a teia de aranha, a chuinga colada sobre a mesa-de-cabeceira, e os teus gemidos travestidos de noite
Vagueando eu,
sobre os jardins inconsolado da marginal, sóbrios, eu, débil e triste, a tua partida em partida, os pedaços da tua pele sobre o meu peito cansado, recordando cigarros e imaginando, um dia, ser também como tu,
Filho da noite, sou, comíamos, bebíamos...
vagabundo tu,
O mundo acabou?
eu, débil e triste, a tua partida em partida, os pedaços da tua pele sobre o meu peito cansado, recordando cigarros e imaginando, um dia, ser também como tu, uma mala de viagem dançando de mão em mão, dormindo de quarto em quarto, não ter dono, não ser de ninguém, caminhar e subir, caminhar e subir, e subir... e caminhar sobre as tuas nádegas de areia,
O mundo acabou? Filho da noite, sou, comíamos, bebíamos...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Blogue Cachimbo de Água em destaque – Sapo Angola

segunda-feira, 13 de maio de 2013

a luminosidade eira dos sonhos

foto: A&M ART and Photos

uníamos-nos como silêncios rochedos que o mar absorvia
e de uma pequena palavra escrita tua mão docemente desabitada
tínhamos uma janela quando a abríamos-la e poisávamos-nos como ramos de oliveira
numa orgia manhã magoada no fundo de um poço
um efémero buraco com triângulos lábios
e de uma pequena... conversa de criança
a palavra descrita quando o corpo evapora-se e acompanha a manhã
hoje é segunda-feira e tudo desaparece conforme a luminosidade eira dos sonhos...

uníamos-nos como silêncios,

em prata folhas alimentadas por sombras de alecrim
abríamos-la com os pequenos sorrisos dos aleijados desenhos
que eu sem jeito nem perfeito
deixei cair nas escadas do ausentado mestre da solidão canina
parecíamos uns velhos alicates enferrujados
esquecidos à porta de uma velha tasca
na cidade grande com ruas estreitas e muitas janelas de tecido...
e sabíamos que era noite pelos uivos apitos dos marinheiros de palha.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

… significado, omitido, como todas as âncoras que ligam os corpos celestes ao fundo do oceano

foto: A&M ART and Photos

Não sei se amanhã, cedo, recordarei os teus olhos de hoje, amanhã, não sei, se recordarei, cedo, os lábios teus que percorreram o meu corpo invisível, como uma cortina de fogo, dentro de um copo com água, um cilindro, o cubo, não, sei talvez que não recordarei, porque não sei o significado de recordação, perdi o sentido de navegação, e hoje, como ontem, sou um pedaço de madeira desgovernada sobre os teus ombros penumbrosos e frios que o Outono provoca em ti com as canções de pequenos silêncios, sei, ou será que me esqueci? Como seriam os teus lábios, de cedro, antes de mergulharem em mim, coitado, um transeunte doente, e enfeitiçado, mal-educado, ausentado
não
Cedo, amanhã, preguiçarei como um marinheiro à procura de um corpo homem para poisar as desejosas insónias que vivem nos homens com cheiro a oceano, o sal entrava em nós, e vivíamos como dois camarotes partilhados mutuamente como duas pequenas divisões de uma casa flutuante, germinados, os nossos corpos de vapor nas asas de uma triste gaivota, o covil como nunca o tínhamos visto, não, sei se amanhã, cedo, alguma coisa em mim para recordar, mas o quê, concretamente?
nuvens? pratos com sopa mais parecendo copos com água? ou... as tuas mãos sobre mim, como uma caneta de tinta permanente, sempre e sempre e nada, ausente de ti porque eu desconhecia as cavernas que o medo provocava em nós, porque tu sentias o meu peso como simples gramas de poeira depois de o vento desaparecer entre candeeiro a petróleo e bananeiras de regresso a S. Pedro do Sul, havia muitas, nas termas, uma fonte, circular, cheirava a enxofre, borbulhavam pequenas partículas de sémen, e tu, sempre o tu, sentíamos-nos felizes como dois pássaros voando entre Carvalhais e Favarrel, e nunca vi as tuas mãos entranharem-se-lhes no tronco resinoso do pequeno pinheiro manso da tapada do meu avô, chegávamos lá, e sempre lá, ouvíamos os sussurros expeditos das vozes enlatadas do atum e da sardinha, até que me pedias para um dia
Juras que um dia me recordarás?
até que... um dia desenhasse corações nas espigas de milho, empoleiradas, todas elas, atulhadas, como homens e mulheres entre quatro paredes, e
Não,
e cedo, amanhã, preguiçarei como um marinheiro à procura de um corpo homem para poisar as desejosas insónias que vivem nos homens com cheiro a oceano, o sal entrava em nós, e vivíamos como dois camarotes partilhados mutuamente como duas pequenas divisões de uma casa flutuante, germinados, os nossos corpos de vapor nas asas de uma triste gaivota, e assi o desejavas antes de eu nascer,
Talvez te recorde,
e o significado de recordação,
(talvez um dia consiga recordar-te, meu querido)
… significado, omitido, como todas as âncoras que ligam os corpos celestes ao fundo do oceano, e pedras, e pedras estranhas, fazem amor numa pequena rua no Paquistão...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha