sexta-feira, 12 de abril de 2013


O jogo nas mãos de um jogador fantasma

foto: A&M ART and Photos

Significará que deixarei de ouvir-te debaixo dos alicerces do silêncio, depois de transpormos os muros da solidão, saltar bem alto o edifício que habita no nosso quintal, voarmos sobre as árvores em cartolina frágil, em cores garridas, se houver, caso contrário, escolheremos fios de sémen para desenharmos as árvores que em tempos brincavam dentro de nós, anos depois, são fantasmas de pedra com braços de pedras, e pernas de pedra, e cabeça de pedra, apenas os olhos, esses, não são de pedra, esses, são vivos, húmidos pelas palavras, e diziam-me que eram verdes
(define-me verde)
Uma paisagem? Os olhos do boneco de pedra? Uma cor? Ou... poderá um corpo ser verde, e o desejo desse corpo, encarnado? Castanho? Ou... simplesmente... branco! - Como te chamas, menina? - recordo-me em pequenas de todos chamarem-me de Catarina, lindo nome, para mim e para os nobres vestidos de orvalho que se escondem no guarda-fato, lindos, com brilhantes, e bordados com fio de oiro, e Catarina – Diga , senhor! - sabias que debaixo dos alicerces do silêncio
(sei sim senhor, meu senhor)
Vivem sombras de cansaço, unhas sem cérebro, e na cabeça um penteado loiro, oxigenado, e dizias-me que as algas comiam os sonhos – Poderá lá ser possível, mentiras tuas... - minúsculo, tão minúsculo que um simples piolho encarnado dançando no loiro oxigenado... ele, o tal de cérebro, nem se via, deixou de ouvir-se, significará que ouvir-te debaixo dos alicerces
(na impossibilidade de encontrarmos os seus familiares, todos os pertences reverterão a favor do Estado)
E que debaixo do debaixo, muito mais fundo da linha que separa os alicerces do coração ensonado em terra encerada pelas raízes dos mendigos na fila de espera da Almirante Reis para a sopinha da tarde, um grupo de condenados, coisas pequenas, furtos ligeiros, delinquência mínima, vêem-se na obrigação de pegarem a mão de um contrabandista de tabaco e procurarem durante as fases escuras da vida
(carteiras, chaves, moedas e dentes de oiro)
Porque da vida desapareceram as difíceis marés das nádegas de areia,
(sem dúvida a dificuldade de encontrarem os mais próximos familiares, e em caso de dúvida, absolve-se o Réu, pois então, claro que sim, porque o mar é de todos, mas os barcos são de quem tem acesso aos sonhos, apenas a noite constrói barcos de papel, com mastros de cetim que abraçam velas de lágrimas, e sem dúvida, a absolvição é coisa rara para um marinheiro com mais de quarenta anos de embarcações, de Oceanos, garrafas de vodka, e cachimbos de saudade, porque a vida, às vezes, não muitas, para alguns felizes condenados para a ceia do Senhor Professor, e mesmo assim, eles vergaram-se perante as palavras do silêncio...)
És uma carta fora do baralho, debaixo do tapete que serve para tapar as fendas do soalho no casino clandestino sobre o jardim da vitória, uma mão que segura em três ou quatro cartas, algumas delas, viciadas, completamente incineradas pela distância do olhar da lua, quando há noite, quando há cobertura suficiente sobre os telhados de colmo, e é então que eu te oiço sussurrar o meu nome, e através das frestas da parede do quarto, sei que do outro lado, agachada junto ao rodapé em madeira apodrecida, está tu, à minha espera
(deixaste de vir)
Significará que deixarei de ouvir-te debaixo dos alicerces do silêncio, depois de transpormos os muros da solidão, saltar bem alto o edifício que habita no nosso quintal, desejar-te até sempre quando partires sem me dizeres para onde vais, e não hesitarei em inventar um história para me esquecer que um dia andaste descalça no meu sótão, que um dia andaste sem roupa junto à minha janela com fotografias a preto-e-branco, onde o mar alimentava as madrugadas de quando eu ficava sentado nas escadas, e esperava, e esperava que adormecesses, e quanto entrava no dito sótão... murmuravas – Estás bem, meu querido! - respondia-te dorme, dorme docemente como dormem as estrelas quando é de dia e não se vêem, porque elas também precisam de dormir, porque também eles
(precisamos de dormir e comer)
Porque também elas, não as estrelas, não a lua, mas elas, elas diziam-se militantes convictas das corridas de pulgas amestradas que todos os Sábados se realizavam nos jardins de Belém, havia um casal em despedida, havia uma feira de velharias... e havia
(sou um chapéu que pertenceu a um militar da EX-URSS, e eu perguntava-lhe – E depois? - que se eu quisesse, e por uns meros vinte euros, era todo meu..., pensei, reflecti, e disse, não, não te quero)
Como nunca quis ser nada, e havia também arbustos que me diziam – Francisco, cuidado com as tartarugas de plástico! - e ainda hoje, passados muitos anos, não entendo, entendi, ou entenderei... porque
“Significará que deixarei de ouvir-te debaixo dos alicerces do silêncio, depois de transpormos os muros da solidão, saltar bem alto o edifício que habita no nosso quintal, voarmos sobre as árvores em cartolina frágil, em cores garridas, se houver, caso contrário, escolheremos fios de sémen para desenharmos as árvores que em tempos brincavam dentro de nós, anos depois, são fantasmas de pedra com braços de pedras, e pernas de pedra, e cabeça de pedra, apenas os olhos, esses, não são de pedra, esses, são vivos, húmidos pelas palavras, e diziam-me que eram verdes”
(define-me verde).

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 11 de abril de 2013

O Morcego de Prata

foto: A&M ART and Photos

Disseram-me se subisse a montanha eu ganhava o sono eterno, o morcego de prata que alimenta as noites de luar e estrelas em queda, anjos de gravata às gargalhadas pela plateia dos sonhos, onde estão sentados
(meninas, meninos, senhoras, homens e donzelas de extrema beleza, também tenho de reconhecer que perdi a paciência quando me dizem – Sistema fora de serviço, obrigado, seremos breves – e as meninas e os meninos e as senhoras e os homens e as donzelas prateadas, sentados, sentadas, numa cadeira de praia à espera que o palco da vida regresse das planícies de madeira coloridas com carpetes de veludo, vermelho, verde e cinzento, como os dias e as noites, depois de partirem as embarcações com velas bordadas por tais donzelas, ou são belas, ou... velas de estearina no altar da pureza e da digna virgindade do palhaço com três pernas e quatro braços, em pura madeira virgem, como a lã das camisolas com formato de cubo sem portas, ou janelas, salgadeira que hoje não se utiliza, que hoje nem para guardar o farinha de milho serve, a dita caixa de madeira, depois tínhamos um forno no quintal onde cozíamos o saboroso pão de milho, e hoje, todos e todas, morreram como morreram as amêndoas em flor)
Os palhaços, onde estão sentadas enxadas com unhas de gel e a depilação a laser, mais à frente, o engraçado do engaço ou ancinho ou pente para pentear as ervas ornamentais dos segredos depois de ultrapassarmos o muro, um buraco, tantos buracos sem gente, vazios, gira a cabeça, rodopia na cadeira, e enterra os cornos no estrume que alimenta as plantinhas e os anzóis comestíveis das galinhas de perdão perplexo, sinto frio quando converso com as janelas do insignificante desumidificador, e mesmo assim ainda há quem me queria convencer que tudo à minha volta não é verdadeiro, dizem-me – É apenas um visão – finjo que acredito, digo que sim, com o fiz quando queriam que eu subisse para cima do palco e metesse a minha mão dentro da boca de um tigre – Era o metias – não o posso fazer e perguntam-me – Porquê? - por nada... apenas porque sou alérgico ao pêlo do tigre, nada mais, e apenas isso,
(em pequenos quadrados cerâmicos o meu corpo alicerça-se e cresce em direcção à montanha)
“Disseram-me se subisse a montanha eu ganhava o sono eterno, o morcego de prata que alimenta as noites de luar e estrelas em queda, anjos de gravata às gargalhadas pela plateia dos sonhos, onde estão sentados”
(e depois voou sem saber que havia nevoeiro e pouca ou nenhuma visibilidade, desapareceu dos radares, e hoje perguntamos o que terá acontecido ao morcego prateado, que alimentava as noites e os dias, as horas e os minutos, e apenas do interior do clarão da Cinderela apaixonada pelo ilustre visitante da Ilha dos rochedos, nunca mais, nem a enxada com as suas unhas de gel, nem o engaço ou ancinho ou pente para pentear as ervas ornamentais dos segredos depois de ultrapassarmos o muro, um buraco, tantos buracos sem gente, vazios, gira a cabeça, rodopia na cadeira, e enterra os cornos no estrume que alimenta as plantinhas e os anzóis comestíveis das galinhas de perdão perplexo, sinto frio quando converso com as janelas do insignificante desumidificador, e mesmo assim ainda há quem me queria convencer que tudo à minha volta não é verdadeiro, dizem-me – É apenas um visão – finjo que acredito, foram vistos e avistados por estas paragens)
O burro puxa ordeiramente a carroça da miséria, elas, a carroça e a miséria, correm apressadamente quando são perseguidas pelas autoridades fiscalizadoras, a carroça não cumpre as normas Europeias de segurança Rodoviária e a Miséria é inconstitucional, ou não
(despeço-me com amizade, fraternidade e sinceridade, de quem ainda acredita na paciência humana, mas às vezes, como o leito dos rios, é ultrapassado o limite, e a água vai onde não deveria ir...)
E a paciência escorre calçada abaixo, ouvem-se os gritos dos vidros acabados de partir..., e mesmo assim, o grandioso espectáculo não é interrompido, os palhaços sobre uma bicicleta de arame voam sobre as cabeças ocas das sandália que também elas, como as unhas de gel, saltitam entre gargalhadas e sorrisos, o apresentador queixa-se-me que não me compreende, que não percebe o que escrevo, que não escrevo, queixa-se-me como se eu me importasse com a sua opinião, sua, dele, o apresentador do maior espectáculo do Mundo – O Circo? - nem mais, meu filho, do Circo...,
(vou-me embora)
E quando acordo, sinto um casal de pulgas amestradas em cima do meu ombro; foi a noite mais feliz da minha curta vida.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Palavras Mortas

foto: A&M ART and Photos

Há na tua pele o desejo da chuva
até às ondas que o vento chora
há em ti um coração em sofrimento
porque no mar vive a madrugada molhada
há na tua pele o silêncio
e a plenitude corpuscular que o amor semeia nas ardósias em migalhas,

Há nos livros do prazer
palavras mortas
cansadas
obviamente destinadas a envelhecerem
nas tuas mãos acorrentadas ao destino cansaço
e há sem o saberes as flores em esqueletos putrificados,

Há momentos de tristeza
suspensos em cortinados que a manhã abandonou nos caminhos de ninguém
há coisas que parecem belas
e não o são
porque elas
essas mesmas coisas não são mais do que as sombras empoleiradas nas árvores de ontem...

Impavidamente sinto-os e sei que dormem dentro do teu corpo
nu e deitado no cadeirão de milho
com barbatanas de chocolate
há na tua pele o esplendor do abraço
sabendo eu que amanhã nascerá um novo amor
sobre os teus ombros amordaçados.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Domingo se verá se o comboio...

foto: A&M ART and Photos

Subo a calçada em direcção ao cais dos alicerces desgovernados, casas desesperadas, entre lágrimas e madrugadas, uma porta de madeira, antiga, com um ferradura imprimida pela sombra da mão do Senhor Excelentíssimo Doutor Francisco Cagarolas, doutorado em literatura e vinho louco, quase sempre, sentado, numa tasca rasca, entra-se e ao lado direito há uma mesa velha com uma toalha de plástico, as cadeiras tremem e oscilam, parecem tartarugas sobre as areias movediças da cidade dos cães, acendiam-se as luzes que quase pareciam velas de sabão, e ele ali dormia as tardes, lia e escrevia, e bebia frases complexas e quase inacessíveis aos restantes companheiros de viagem, abria a janela, e deixava entra o ar da ruela meia escura, cinzenta, nunca mais do que dois metro de largura, e quase que se tocavam as fachadas, diria mesmo que em altas horas da madrugada. Elas abraçavam-se e faziam sexo, elas desejavam-se como se desejam os orgasmos das flores depois de colhidas pelas mãos da empregada, vestida com uma saia não mais comprida do que o joelho, e vestia uma camisola onde nem os alicerces dos seios eram visíveis a olho nu, e talvez só com uma lupa se conseguisse determinar os pontos exactos onde começavam e acabavam, e pegava-se no teodolito e ele todo inclinado, meio embriagado, dizia-nos que os seios da empregada do senhor Doutor começavam em Cais do Sodré e terminavam em Santa Apolónia, meia-noite, comboio até ao Porto, ele dormia, ressonava, fumava cigarros até que um deles ficou-se a dormir e queimou-lhe dois dos cinco dedos da mão direita, a princípio tinha o vício de segurá-los com a mão esquerda, começaram a insinuar-lhe palavras de repúdio, e ele, começou depois disso a pegar-lhes com a mão direita, apesar de ser mais firme, sempre é outro estilo
(um outro odor, belo o perfume das coxas da menina Andreia, quando, por engano o Senhor Excelentíssimo Doutro Francisco Cagarolas, e volto-o a frisar, por engano, sentou-se no colo dela, e beijou-a e quando acordou, estava no cais dos alicerces desgovernados, casas desesperadas, entre lágrimas e madrugadas, uma porta de madeira, um janelo tão pequeno que só, e nunca mais do que dez abelhas, conseguiam atravessá-lo, e depois, sobre a mesa, em cima do plástico em toalhas de saudade, gotas de vinho misturadas com água da chuva, e escrevia, e escrevia, que sendo assim, até à próxima, não sei, quando será a próxima viagem a – Belém? - sim, Belém, Tejo adormecido, cadeiras de viagem dentro de malas de cartão, roupa vendida, trocada, roubada)
Na feira da Ladra, vestiam-se de mendigos e recolhiam moedas de escudo, hoje, nem para o “Passe” dos transportes públicos dá, não chega, quando chego eu, ele nunca está, e quando vem ele, eu não sei por onde ando, dizem que se chama Euro, mas poucos começam a colocar-lhe a vista em cima, corre-se a cidade, atravessa-se o rio, e ninguém acredita que depois de amanhã, em Alijó, um Circo famosíssimo vai apresentar o seu grandioso espectáculo, gosto
(apaixonado por Circo desde as idas em Luanda, à vinda, passávamos pelo Baleizão, sentávamos-nos na esplanada e eu saboreava gelados de gelo, porque dos outros – Não gosto desses! - e quis o destino que com quinze anos ele, o Senhor Excelentíssimo Doutor Francisco Cagarolas, apaixonado por uma trapezista, também ela, pobre, oriunda das roulotes em chapa folheada, como as barbas de milho do espigueiro de Carvalhais, não abandonasse a infância e rumasse ao desconhecido casino ambulante das cidades de vidro, a tasca quase que dorme, e das palavras, uma ténue respiração com cheiro a vinho tinto e a pataniscas de bacalhau, acabadinhas de fritar, que maravilha José, sim, sim Senhor Excelentíssimo Doutor Francisco Cagarolas, sim...)
“ o autor sabe perfeitamente que não devia escrever Senhor Excelentíssimo Doutor Francisco Cagarolas, mas sim, Excelentíssimo Senhor Doutor Francisco Cagarolas, mas quer o destino que hoje me apeteça transgredir as regras, todas, da escrita, das palavras e da boa-educação, também hoje não me apetece dormir, comer ou tomar banho”
E depois?
(sinto-me liberto, livre, com asas, e... - Vais-te embora, meu querido? - vou, decidi que vou com o Circo, sempre tem pessoas que me ouvem, compreendem, que pensam como eu, e quem sabe, talvez eu regresse ao passado e encontre a trapezista novinha, na altura, apenas com ossos e pouca ou quase nenhuma carne, abraçava-a e sentia nas minhas mãos, também elas muito frágeis, as costelas, todas, como se tivesse na mão a radiografia do tórax de uma menina que andava sobre um arame e atravessava as ruas em direcção ao pôr-do-sol...)
E depois invento qualquer coisa,
E hoje ainda só é quarta-feira,
Domingo se verá se o comboio...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 9 de abril de 2013

A menina dos rebuçados

foto: A&M ART and Photos

O corpo do texto mergulha na espuma recheada com “Liberation serif”, anunciam que brevemente vai começar a Prova Oral (Antena 3) e sinto-me tão absorvido no diário que brevemente terminará com o regresso do jantar, que desconheço se é em directo ou em diferido, ou qual é o tema, oiço que a Troika vai-nos dar mais sete anos, e não percebi muito bem, mas que de certeza é para nos enrabar a todos, ou só a alguns,
(eu enrabo, tu enrabas, nós todos enrabados e eles enrabam-nos como pequenos grãos de areia sobre a praia das marés embriagadas, televisão, desisto, não vejo e não oiço, vou desligar-me das coisas perfeitas, e fartei-me de tantos comentadores, de política, futebol e afins limitada)
Risos em plena sala, o histerismo das flores sem cabeça (afinal já passou, foi-se e finou-se), página um de um, padrão, Português (Portugal) e clica-se sobre o botão perdido no bolso da camisa, um som melancólico perde-se entre os tijolos das cabeças inseridas nas ranhuras da pele enjoativa com saliências de pólen que as avenidas das cidade esconde, e procuro-me nas sandálias que a menina de chocolate calça, e descalça-se, e descalça corre pela praia, procura-me e não me encontra, perdidos, ao fundo da fotografia, uma rua sem nome, sem idade, eu, nada, apenas converso com os números de polícia, e descubro de no número treze, todos os homens vestiam-se de mulher, mais à frente, no número vinte e cinco, terceiro esquerdo, quatro mulheres trabalhavam em sociedade anónima, SA, cinquenta e cinco escadas, três vezes ao dia, quatro drageias com mel e água destilada...
(INSER – PAD)
A menina dos rebuçados – Coitado, passou-se da cabeça! - injectáveis, e das nádegas dele saem silêncios de luz, durante a noite, ouvem-se nada, nem água, nem telefone, nem carro, nem trovoada, e a menina, diz-se crucificada na parede de betão, vêem-se os ferros doirados com alguma ferrugem junto aos dentes de marfim que os barcos de papel deixam cair, um aqui, outro ali, outro... meninas SA, número vinte e cinco, cinquenta e cinco degraus, chega, fartei-me, cansei-me, e vou voar,
(dois vidros partidos e três telhas desgovernadas contra o automóvel do tio Joaquim, trezentos cavalos, barbatanas de néon, faróis de liga leve, oito metros de adereços sobre a esplanada junto ao rio dos segredos, estou preso na despensa, oiço o pulsar da cozinha, na parede, um calendário, tem uma menina, não tem roupa, a vizinha acusa-me de pornografia, eu discordo, um calendário serve para ver e ouvir os dias, as semanas, os meses, as luas, e claro, as coxas da Gaivota..., dois, ou quatro, e três telhas desgovernadas – Onde puseste as clarabóias da menina Gaivota? - não sei, depois de as ter na mão, voaram, sumiram-se, resumindo, todos)
Enrabados por eles,
(três por cinco)
Quando cinco contos ainda valiam cinco contos, quando o cigano – Primeiro o dinheiro – e eu, pensava, “fodi-me, literalmente”, e não, ciganos honestos,
(três por cinco)
A menina dos rebuçados – Coitado, passou-se da cabeça! - injectáveis, e das nádegas dele saem silêncios de luz, durante a noite, ouvem-se nada, nem água, nem telefone, nem carro, nem trovoada, e a menina, diz-se crucificada na parede de betão...
(INSER – PAD)
Desistes de mim? Eu, eufórico, diabólico, trave de madeira apodrecida, o caruncho mergulha-me nas mãos, oiço os orifícios e cavernas, há minhocas vestidas de Cinderela, trapezistas, malabaristas, e palhaços de gesso com pernas de milho, o circo chegou à cidade do Cio, e o rio, completamente desprovido da roupa tradicional, nu, como as aranhas vagarosas das tardes de literatura, havia barracas de Farturas, Pipocas – O Guru? - e Churros e Amendoins sem casca, eufórico, trave de madeira em suspenso porque o chão derreteu e desapareceu, O BURACO, O DERRADEIRO BURACO, enfim sós, eu e tu, nós, que às vezes
(INSER – PAD)
Que – Vai um pacotinho de Pipocas? - que os taludes da insónia deslizam sobre os lençóis da tristeza, hoje, não sei se voltava a levantar-me da cadeira, começar a caminhar, ir até ao cais, e ver ao longe uma ponte deslizante, como manteiga em fatias de pão, que – Pipocas? - que tudo começou quando ouvi pela primeira vez que havia barbatanas comentadores e lesmas de açorda, e inventam-nos palavras como se as ardósias das Primavera fossem jardins cobertos, uma enorme tenda, um trapézio e palhaços, há Farturas & Churros & Pipocas – Posso experimentar? - claro que não, e o – Lucro? - embrulhadas em folhas envelhecidas de prostitutas amarelas das antigas telefónicas páginas – Parvalhão! - é mais barato, higiénico, e lembra-me a infância, de feira em feira, de cidade em cidade, de mar em mar, de cachimbo em cachimbo, regressei ontem, e foi como se vivesse aqui desde sempre, nasci aqui, e fui concebido ali, mesmo ao lado, lá para as bandas da Vila Alice, - Chique ah – rés do chão, Luanda à esquerda,
(queria falar-vos dos meus passeios de lambreta, eu, o meu pai e a minha mãe, mas o tempo de chuva, inibe-me, e lembra-me as noites junto ao Tejo embrulhado em saliva de charros e eu à frente, em pé, e se me pedisses em casamento, responder-te-ia que... prendia as duas mãozinhas no volante e inventava curvas na Baía de Luanda)
Luanda, a mesma Luanda à esquerda da Vila Alice.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

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