domingo, 17 de março de 2013

Zizi: - Odeio-te quando não fazes amor comigo

(Domingo)


Temos de terminar isto, fiz-te sofrer durante duzentas, trezentas... não mais de quatrocentas páginas, mas hoje, juro, hoje vou matar-te, deixar-te em pedaços, destruir este e os outros pedaços de papel para que nada, absolutamente nada sobre de ti,
Chamei-te Zizi,
Como podia apelidar-te de Maria, Teresa ou Marilú, e quando penso em ti
Marilú,
Recordas-me o incenso em brasa e o cheiro a mar quando ele vive a mais de duzentos quilómetros de mim, recordas-me as caves misturadas na noite, recordas-me a literatura travestida de orvalho abraçado a um cais de embarque, cortaram-te as correntes que te prendiam à terra achatada e agora navegas desesperadamente como o vento sem rumo, como as pessoas de mim
Sobre as árvores à espera que regresse a segunda-feira, hoje serás o último dos textos, quer queiras quer não, porque me cansei de ti, das tuas mãos e das tuas tristes palavras, também me cansei dos teus lábios, da tua boca
Zizi: - Odeio-te quando não fazes amor comigo, odeio-te quando te finges de espelho e estaticamente pareces um fio suspenso por um fio de nylon,
E tu sabias que era essa a minha vida, ou não?
Mas hoje morrerás, hoje deixarás de ser texto, palavras, imagens a preto e branco, hoje, Domingo,
Fato, cansado
De ti
Do cheiro do papel e dos livros,
Das tintas,
E das histórias,
Pareço, pareço um vagabundo numa paragem de eléctrico, vestido de negro, confundo-me com a chegada da noite, mas fico com a sensação que vão cair gotinhas de água com perfume de incertezas, dores musculares, e uma estrutura óssea quase em ruínas, doem-me os pilares, doem-me as vigas, doem-me os alicerces inventados por um engenheiro desgovernado, escrevia palavras nas coxas de Zizi, e levava-a a passear, quando
O Tejo já dormia e quase nem se via com as luzes reflectidas nos olhos da madrugada, chegavas tardíssimo a casa, chamavas por mim, eu dormia, outras
Fingia dormir,
Tínhamos sobre as almofadas de linho os quatro cubos de areia com cinco esferas de aço, tínhamos três janelas sem vidros, sem esquadria, apenas o buraco com imagens de
Matar-te-ei com com uma caneta de tinta permanente, e imagino-te a derramares-te pelas folhas do caderno como um pente nas faces do xisto antes de acariciado pelas mãos de um feliz travesti
Marilú,
Com imagens de manhãs brancas e noites cinzentas, como fotografias penduradas num cordel, e de mangueira a mangueira, olhavas-me
Olhava-te na vida de silêncio que inventaste para mim, e sobre mim, e depois de mim, e
Matar-te-ei hoje,
E deixarei de escrever-te, morrerás ao som de “The Enlightement” The Ratazanas, e depois fazer-te-ei descer as íngremes escadas da melancolia, até que desaparecerás nas ondas híbridas do oceano em cio, e eu queria tanto abraçar-te, e eu queria tanto beijar-te
Antes de poisar a caneta e escrever sobre a noite
FIM,
E não sabias que um barco vinha buscar-me aos cais dos acorrentados, e nunca soubeste que uma gaivota vinha a mim, como vieram todos os soluços das manhãs quando acordava e do outro lado do espelho
Apenas
Do outro lado do espelho um vazio chamado círculo, com olhos verdes, com pernas e braços e coxas e púbis, um círculo trigonométrico encaixado no crucifixo que a parede segurava com as mãos da insónia, e dizias-me
Odeio-te quando não fazes amor contigo...
Zizi?
Sim, amor
Não percebes que é propositadamente
O quê amor?
Que eu
Tu o quê amor?
Quero que me odeies...
Como se odeiam os poemas ainda não escritos dentro da minha cabeça de abobora, lembras-te do homem com cabeça de abobora? Talvez um dia, quando leres estas palavras, percebas
Quero que me odeies...
Que das minhas pobres palavras nunca vão nascer coisas para encantar os espelhos, as ruas, as ruelas e tristes casas de pasto, sobre uma pobre mesa de madeira vestida com uma pobre toalha de plástico, um copo e uma garrafa de vodka, tu preferias vinho, tinto, a empregada, já de idade avançada tinha acabado de deixar uma travessa com peixe frito, pão, azeitonas, dispensamos tudo, excepto as bebidas, não tínhamos fome, mas comíamos palavras
E sussurravas-me baixinho
Amor,
Sim Zizi,
Odeio-te quando não fazes amor comigo,
(e não percebias que era propositadamente).


(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha

sábado, 16 de março de 2013

Vida em carris subterrâneos


Vida em carris subterrâneos como a alma do morto
sobrevive-se dançando na praia como grãos de areia
salgada
sobrevive-se dançando
entre picos de solidão e melodias de cansaço
o meu porque sofrer é o mar depois de dormir
levar com os barcos sobre os lençóis da noite
gemer sorrindo fingindo amar
contra as janelas e os pilares vagarosos
que o vento transporta de ontem
para... stop
amanhã é outro dia,

Incendeiam-se-me as asas e caio na fossa séptica do amor
sem dizer nada
ou ninguém,

Ou palavras,

Leio-o porque dorme em mim não descendo calçadas
não brincando em jardins
leio-o como leio nas folhas das árvores
as migalhas do teu corpo em sabonetes de rosa adormecida
não me interessam os transeuntes famintos dos teus pobres seios
quando em mim
todos me odeiam
e vejo-me encardido nas pedras de mármore dos montes abandonados,

Vejo-me sentindo-me ser escrito por um louco
na mesa oca da taberna da Joaquina
e sei que lá fora
uma luz encarnada procura-me
como os olhos da madrugada
ou os cadáveres de ontem
em nada ou ninguém
para... stop,

Amanhã é outro dia,

Ou palavras,

Ou burocracias de um doente mental com hálito a chocolate
e nos bolsos doentes
encontraram-se-lhes pedaços de beijos
migalhas
canalhas
os todos entre ninguém
homens soberbos das esplanadas
e eu... infinito nos teus braços.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Tudo de nada enquanto dormias

Não devias ser de pedra como as árvores do oceano onde habita a Margarida, quando as noites não são noites, porque... fartava-me de olhar a lua, e as estrelas, coisas, pontos de luz, telhados em zinco com janelas de cartão, pregos, pregos entre ripas e caricas, e um dia zarpou, e ao outro dia encontraram-na deitada nos difíceis terrenos da aldeia, debaixo do rio, frio, as rochas magoadas pelos desgostos silêncios de Agosto, sem gosto, gosto de ti
Imaginava-me dentro dela,
Gostavas de mim como um pedaço de aço, antes de ser limado, desbastado com a rebarbadora das tuas mãos, não o conseguiste e chamaste o escultor Migueis de José, com as suas esbeltas ferramentas tentava ele moldar-me ao sabor dos teus lábios, e eu
E ele cada vez mais indomável, selvagem, como as aranhas em suicídios depois do almoço sagrado, sentadas na mesa do senhor António A., ou
E eu,
Ela, debruçada na escada virada a sul, plantas carnívoras alimentavam-se de pequenos papeis e folhas de alumínio, não gostavam de palavras, deixavam-nas na beirinha da malga de loiça, não gostavam de pão, e deixavam-no na superfície oleosa da mesa de madeira que roubaram na barraca do vizinho das traseiras, durante a noite, trouxeram a mesa e duas galinhas e um galo, e quatro ovos
gosto de ti
Imaginava-me dentro dela,
E só desistíamos quando uma enxada de cansaço batia no soalho, abríamos a janela do amor que tínhamos com vista para o mar da paixão, vestias-te de gaivota e eu
E ele
Gosto de ti,
Ele vestia-se dela, enquanto ela se misturava nos fumos vermelhos da encarnada melodia que se ouvia no rádio a pilhas, quase rouco, fraquinho, e de pouca pulsação
Na urgência
Não deve ser grave, São as pilhas, pilhas
Anilhas
Nas pernas das meninas com saias de chita, e do cabelo, cabelos de vento sobre uma palha em chapéu, e perguntaram-lhe suavemente
Olha menino..., Quem manda aqui? E ele
Gosto de ti
Assim,
Que eu saiba... ninguém, que eu saiba mandamos todos, todas, conforme vossemecê quiser e achar por melhor, pertencemos ao povo, somos o povo, e dizem
Quem manda é o povo,
E dizem,
Assim,
Gosto de ti
E ela
Anilhas
Nas pernas das meninas com saias de chita, e do cabelo, cabelos de vento sobre uma palha em chapéu, e perguntaram-lhe suavemente, enquanto os lábios se colavam nas pétalas azuis do buquê da Madame do terceiro direito, solteira e sem filhos, disponível
E ela?
Assim, gosto de ti, Como quem atira uma munição através de uma arma apontada ao nada, Assim..., desesperada, e coitada
Coitada?
Dela, quando ele acorda e desaparece pelo espelho do guarda-fato e só regressa três noites depois, vestido dela, cansada, com as pernas recheadas de velhas varizes e foices martelos estampados nas costas, percebiam-se-lhe os gritos de revolta, e nos mamilos alguém lhe escrevera
LIBERDADE PARA O POVO!
Que sim, que ia visitar-me logo que possível, e todas as noites relia as cartas dele, e todas as noites adormecia na esperança que um dia, ele
Sim, sou eu
Eu?
Ele
E
Ela,
E nunca apareceu para me abraçar, apenas em dispersos pedaços de papel, eu ia percebendo pelas palavras, que ele
E ela,
Nunca regressariam, nem três dias depois de partirem como o outro que tardiamente, regressava, e aparecia-nos no quarto, a cambalear, aos poucos, a atravessar o espelho do guarda-fato, com janelas de cartão, pregos, pregos entre ripas e caricas, e um dia zarpou, e ao outro dia encontraram-na deitada nos difíceis terrenos da aldeia, debaixo do rio, frio, as rochas magoadas pelos desgostos silêncios de Agosto, sem gosto, gosto de ti
Imaginava-me dentro dela.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

(escrito enquanto ouvia “The Enlightement” The Ratazanas)

sexta-feira, 15 de março de 2013

Trinta e seis suaves palavras

Sentavas-te sobre o vento, e iluminavas-me com aquele olhar frio, distante, híbrido, e humidamente longo... como todas as noites de Inverno, e como todas as lâmpadas semeadas pelo amor nos campos agrestes que as minhas mãos transportam, ouvia-te sabendo que te inventava, e sentia-o, e ouvia-o, percebendo que as manhã do meu sorriso tinham cessado de crescer, e mentia-te, e mentia-te quando dizia-te
Amo-te,
Sabendo-o que não, que nunca
Vi o mar e os barcos da Primavera,
E mesmo assim,
Dizia-te,
Amo-te, como amava as palavras do caderno negro, e mesmo assim, fabricava a morte em trista e seis prestações, suavemente..., até que um velho esqueleto de vidro,
Pumba... uma pedra de desejo estilhaçara-o, todo ele, como ele com os vidros do recreio na escola, pum..., e dizias-me
Amo-te,
Mentira, sabendo-a deitada dentro de uma laranja com circulares rodelas, simplesmente sós, simplesmente elas, todas, nas sílabas de Deus, quando acordava ela benzia-se e repetidamente
Obrigado meu Deus por mais um dia...
Um? E se o dia não terminar nunca? Contentavas-te apenas com um simples dia? Pobre, miserável, tépidamente como a água da chuva no interior de um velho conta-gotas, e inventavas o sono só para nós, e inventavas
A palavra amo-te, suavemente em trinta e seis prestações,
Anoitecia, escondiam-se-me as coisas moribundas que a montanha com coração de granito suspirava sobre as nádegas das canções que cantavas
Apenas para me embalar,
E inventavas-me dentro do sono, adormeceste, eu no teu colo, e pum... caí dos teus braços, e separei-me do teu honesto cansaço, choraste, tiveste medo por mim..., e rezaste, para quê? Talvez já tivesse partido, voado, dormido como dormem os longos sorrisos de orvalho, quando abrias a janela, e gritavas
Roubaram-nos o mar, roubaram...
E claro que nunca tivemos mar perto de nós, e claro que nunca vimos o mar, e claro..., pum... e tropeçamos nos paralelepípedos da saudade, dos relógios sem ponteiros, e das roldanas que faziam descer e levantar
O dia,
A noite,
E todas
Poucas
Coisas que tivemos, e perdemos, suavemente o amor em trinta e seis suaves
Palavras
Prestações com acesso ao sótão dos sonhos, inventavas-me o sono, e eu
E ele dizia-se-me em total liberdade, e fugia das palavras e dos sentidos obrigatórios das ruas da cidade empalidecida com as nuvens que eu lhe inventava, corria, não dormia
Sofrias de insónia?
Sabendo nunca que não dormia porque os holofotes com dentadura postiça magoavam-no, e ele dizia-se filho de um Deus esquisito, e com aspecto pérfido como as loucas salivas das bocas bocejando entre o pequeno-almoço e o jantar, dispensava o lanche, e o exame a matemática
E desde pequeno aprendeu a chorar, lágrimas verdadeiras, não as fingidas, nãos as invisíveis que se vêem como um fio de luz, depois de encerrada a janela, e
Palavras, poucas, como os teus lábios misturados no encarnado som da lua que a noite deixa ficar sobre os lençóis da paixão, inventavas-me, e inventaste o sono, e depois, o que ganhaste com
Isso, sim... o que ganhaste com essa invenção de sucesso?
A minha miséria? A vida de tédio que carrego num esqueleto frágil “cuidado”...
Entre a insónia e o desejo de existir, estar, voar, serás pássaro? Ou simplesmente nuvens livres sobre o mar..., apetece-me um cigarro de música ou um cachimbo de poesia, apetece-me ouvir-te, como deixei de o fazer sem perceber porquê
“Partir em caso de emergência”
Porquê, e parti-te como se partem os vidros dos jazigos que habitam nas cidades de espuma, e preciso tanto de ouvir-te, que perdi o sentido da tua voz, mesmo sabendo que já não pertences ao real, mas os teus livros, mas a tua voz, oiço-a sempre que posso, e nunca me canso de ouvir-te
Querido AL Berto, como ainda recordo as mangueiras de Luanda e a Baía e o Mussulo, adormeço, e oiço-vos, e vejo-vos, todos, a brincar nos sonhos de um menino que deixou de acreditar no amor
E nunca, nunca se cansou de ouvir-te.

(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha

Em destaque – Sapo Angola


Em destaque – Sapo Angola
blogue Cachimbo de Água

quinta-feira, 14 de março de 2013

Fascinava-me... e nós

Chega, como todas elas disfarçadas de leão, ou andorinha, ou gaivota, conversávamos debaixo das cerejeiras mergulhadas nos olhos tristes, negros, que às vezes também sofrem, dormem, voam sobre o xisto em lençóis de vento, fatias de madrugada, migalhas concentradas na água mineral da pobreza, sabia-o, quando aparecias dentro da minha mão, saborosa, a sua boca convexa, cinzenta, com mordeduras de marfim nos finais de tarde junto ao Tejo, conversávamos
Sabias que hoje o Gonçalves se vai casar?
Não, não sabia, e tenho a certeza que é a primeira vez que oiço tal coisa, casar o Gonçalves? Hum... só vendo com estes dois olhinhos de cereja com chocolate, ora essa... o Gonçalves,
Ora essa, chega, como todas elas disfarçadas de leão, cobras e lagartos, em cima da mesa velha em madeira recheada com o bicho e a teia de aranha da vizinha Manuel, e tal coisa, diga-se, juro que não vi nada, juro que nunca me deitei na cama dele, nem em sonhos
Nem em sonhos, suas desgraçada?
Juro, juro madrinha, juro
Apaixonei-me por bailarinos e bailarinas, em miúdo, o meu ídolo chama-se, e vá lá saber-se porquê, chama-se
Rudolf Nureyev,
E o silêncio entranhava-se-me como as primeiras palavras que ouvi, e o mar batia-nos à porta, abríamos-a, e ele entrava, o corpo dele parecia construído em fibra de carbono aerodinâmicamente adormecida nas clausuras dos grandes desenhos que ficaram expostos no barco em esferovite com um motor de um carro a pilhas, uma hélice de sílabas saboreava o estômago feliz do tanque onde as meninas iam lavar a roupa, e nós, rapazolas traquinas, sujávamos a roupa a corar silenciosamente poisada sobre as ervas filhas de Deus, e nós
Rudolf Nureyev, fascinava-me...
E nós
(juro, juro madrinha, nunca fui com ele para a cama), e nós deitávamos a cabeça no sono do vento, abraçávamos-nos como se abraçavam as plantas do jardim da tia Clementina, que Deus a tenha em bom descanso, e eu, armado em camelo, acreditei
Que hoje casava o Gonçalves, e afinal, não casou, e afinal, tudo um conto transformado em pesadelo, a noite desceu e levou-o até ao Terminal de Cruzeiros da Rocha Conde de Óbidos, e o meu rosto mais parecia um óbito do que uma criança acabada de regressar do infinito, com uma pesadíssima mala indesejada, feia, mórbida, torrencialmente vestida de prateado, e lá dentro
Coisas, coisas de uma criança,
E lá dentro,
Nem em sonhos, suas desgraçada?
Juro, juro madrinha, juro
Apaixonei-me por bailarinos e bailarinas, em miúdo, o meu ídolo chama-se, e vá lá saber-se porquê, chama-se
Rudolf Nureyev,
E lá dentro, alguma camisetas, calções, um par de sapatos, um par de sandálias, três ou quatro bonecos, um avião e um barco, e lá dentro, coisas, muitas, poucas, desgraçada
Juro,
E apenas encostei a minha cabeça no seu ombro, madrinha, só isso, e nada mais,
E achas pouco?
Havia mandíbulas de areia com espinafres, sobre o soalho de pano brincava um longo triângulo com três olhos de cereja com chocolate, estão a ver?
Aqueles olhinhos como os da Alice, sim, a Alice Silvestre, ora não sabem quem é..., a Alice, porra, a que vive no final da rua junto ao fontanário, quem desce do lado esquerdo as escadas para o talude dos orgasmos, uma flor de terra salgada emerge do longínquo cilindro de granito, estão a ver?
A que tem três galinhas e um galo? Sim, essa, essa mesmo, nem mais, que coisa, para perceberem uma simples asa de borboleta fazem cá um espectáculo que até parecem o
Rudolf Nureyev,
Entre sonhos e birras de infância,
E eu ouvia-os
Francisco come a sopa,
E ele
Ouvia-os como ouvem os mercadores que se passeiam pelas avenidas desesperadas da cidade com cadeados de seda e sombras de linho, e ela, a querida Alice, não chorava, e a outra, a afilhada, chorava desejando que desejava
Repetir,
Apenas,
Deitar a cabecinha no ombro dele...
Sem que a dita madrinha soubesse, como nunca o sabem, as pessoas que trabalham como espantalhos nos campos de milho de Carvalhais, e era eu, eu que desenhava círculos no rabo de uma agulha e depois
chorava,
E queria ser como o
E depois,
Como o chorava dos vidros e dos pregos de aço, quando derretiam os cubos de manteiga pasteurizada que a avó Silvina trazia da loja, uma tasca que de vinho, também vendia, pão, manteiga, arroz e feijão...
E saudades de ontem.

(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha

Menina de porcelana


Porque não te encontro
se a montanha está aqui
se o rio de braços abertos
corre incessantemente para o mar
apenas para te abraçar
corre
corre nas gotas da miudinha chuva
despida
nua
dos lábios da lua...
ah... se eu te encontrasse
dentro de uma caverna enfeitada de madrugada,

(se o rio de braços abertos
corre incessante para o mar
apenas para te abraçar),

Porque não de encontro
se a montanha está aqui
deitada nas árvores de prazer
e te amar
na noite construída de azuis laços de esfera
(não te encontrando)
perdidamente nos beijos de beijar
devagarinho até ao mar,

Porque não te encontro
luz do candeeiro de ternura
que amena dos livros apaixonados,

Porque não te encontro
menina porcelana
com feitio de cigana
no espelho da madrugada
porque não
encontro
te fingindo adormecer
sobre a cama da saudade...

Porque não te encontro
se a montanha está aqui
entre crepúsculos e marés de vidro
nas pedras onde nos sentamos
e beijamos
ao som do Pôr-do-sol...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha