domingo, 14 de outubro de 2012

O sótão de sombras


As lágrimas das árvores
brincam no silêncio da tarde sem nome
na penumbra viagem do vento
acariciam-se os sorrisos das pedras
nos lábios do poema
fingindo orgasmos abstractos
que uivam dentro do cubo de vidro
e o homem com o chapéu construído de sonhos
leva na algibeira a moeda finíssima
para atravessar o rio da morte
quando chovem os teus cabelos
sobre a eira de Carvalhais,

oiço o sino da igreja
a enrolar-se nos pinheiros de papel
colados no muro da insónia
as palavras
as palavras dos pássaros voadores,

dentro do céu
as escadas que me transportam para o sótão de sombras
onde o candeeiro a petróleo
dorme vagarosamente no tecto da aldeia,

e cessam as sílabas
de todas as portas e de todas as janelas
que fervilham antes de cair a noite
em desejo.

(poema não revisto)

sábado, 13 de outubro de 2012

Em abraços de aço os barcos e os paquetes


As manhãs eram de líquido cambaleando dentro da noite
no vidro do cansaço
o dardo das tuas palavras contra o meu peito
a singela e triste árvore dos sonhos
na proa de um paquete sujo e nu
obeso como as rochas aprisionadas no tecto das coxas tuas lua de cor,

amanhã vou sentar-me sobre as sombras húmidas que os ponteiros do relógio
constroem nas asas de um moinho de vento,

cai a chuva imaginada pela boca
a tua boca em gritos herméticos
a tua boca nas carícias dos lábios perpendiculares ao beijo
da aranha de vinte e cinco patas,

(amanhã vou sentar-me sobre as sombras húmidas que os ponteiros do relógio
constroem nas asas de um moinho de vento),

e o círculo do desejo
em movimento circular e uniforme...
em abraços
de aço
os barcos e os paquetes
quando o púbis das sílabas
dorme sobre o mar
e as manhãs solidificam.

(poema não revisto)

Cansados às vezes esquecidos


O mar a enrolar sorrisos
nas mortalhas dos lábios adormecidos
cansados,

às vezes
esquecidos,

e nos silêncios perdidos
caminha a noite sem destino
porque nas mãos de um menino
vive e cresce a madrugada,

cansadas
às vezes,

as equações diferenciais
suspensas no desejo das matrizes compostas
que o dia constrói
e a tarde alimenta,

o mar
e os cigarros em migalhas
antes de fumados,

o mar a enrolar sorrisos
nas mortalhas dos lábios adormecidos
cansados,

cansados
às vezes,
às vezes cansadas,

as vozes dormentes da Primavera.

(poema não revisto)

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O poema adormecido


A lua
tua
minha apaixonada lua
nua

a lua dos silêncios que habita nas profundezas da tua dor
despede-se a noite
com beijos curvilíneos
ou não
as ardósias das esplanadas junto ao rio

o sol incandescente alimenta a tua voz cintilante
apaixonada
lua
a tua
janela acorrentada às luzes fictícias do orvalho
nua às vezes habilmente só

e tão bela

connosco o mar é enorme
enormemente infinito
o amor às palavras
com as tuas palavras
nua
a lua
tua
dentro do poema adormecido.

(poema não revisto)

Os uivos rangidos da geada


Pela pequeníssima fissura do meu peito
entra sorrateiramente o sol
e os pássaros da madrugada,

oiço-lhes os uivos rangidos da geada
caindo a noite sobre os cobertores da insónia
deixo de sonhar
e começo a ver desenfreadamente os soluços das palavras
em constante borbulhar de solidão
que os beijos constroem sobre as nuvens do mar,

descem dos teus doces lábios de desejo
as cancelas da dor embrulhadas em papel de incenso
e mirra
oiro
na mão vazia de um barco clandestino
moribundo
e oiro
às vezes quando do cansaço acordam os gritos dos homens embalsamados,

os meninos
deles
coitados
à janela do ciume.

(poema não revisto)

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Os relógios da inocência


Vivo numa casa assombrada
com uma cama cansada
vivo numa casa transformada pelos verbos difíceis de conjugar
onde as flores de amar
dormem docemente no centro da madrugada

vivo numa casa com uma eira despenteada
uma casa sem janelas
uma casa sem portas
sem telhado
uma casa desgovernada
cansada
assombrada
nos telegramas sem resposta que a noite envia para o meu leito
o rio não passeia na minha rua
e as mulheres que vendem palavras em quilogramas disfarçados de migalhas
chamam as gaivotas poisadas no oceano
que saboreiam a fome da manhã

a cidade extingue-se no pensamento das cigarras
e as formigas
coitadas
à espera das metralhadoras apontadas
ao pôr-do-sol
(enquanto existe pôr-do-sol e é grátis)
com a ordem inventada de fuzilamento de todos os livros
e de todos os desenhos
nas ruas enfeitadas com lágrimas de borboleta

hoje descobri a beleza da saudade
e brinquei nas esplanadas de Belém
não vi o mar
porque cerrei os olhos
não me apetecia olhar os barcos

porque na minha casa assombrada
vive a madrugada
brincam as flores da extinta Primavera
bebericando o pólen de amêndoa das sílabas abandonadas
pelos relógios da inocência.

(poema não revisto)

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Quando o mar deixa de sonhar


Posso ser o sabonete que voa sobre a tua pele cansada
meu querido amor suspenso na madrugada
do silêncio o teu corpo emagrece lentamente
como as pálpebras das árvores no Outono
posso ser a caneta desgovernada
com que escreves as palavras que vivem nos meus olhos
os verdes
os teus
os braços encardidos da rua que dorme na cidade
ou as janelas com vidros de cetim
e estrelas brilhantes
o céu onde poisa o teu peito cintilante

posso ser as arcadas escurecidas do templo em ruínas
as músicas que recusas ouvir
ou simplesmente os livros
posso ser os livros que nunca irás escrever
(por falta de tempo
porque não tens vontade)
quando pensas em mim
vagueando pelo corredor da casa sem velas para navegar

sem rumo
ou cais para aportar

posso ser meu querido amor
o banco onde te sentas no final do dia
as palavras
semeadas nas nuvens do desejo

sem rumo
ou cais para aportar

a mulher simples enrolada na clandestinidade da maré
quando o mar entra na algibeira

posso ser meu querido amor
os poemas que me escreves
sem nexo
sem sentido
simplesmente porcarias
com asas de pétala
e sorrisos de sílaba abandonada
em pequeníssimos movimentos de vento

se quiseres... posso ser o beijo disfarçado de sol
sem rumo
ou cais para aportar
a mulher simples enrolada na clandestinidade da maré
quando o mar entra na algibeira
quando o mar deixa de sonhar.

(A. Alexandra – Lisboa)