segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Maré de Outubro


Oiço-te as palavras amargas
saltitando dentro de um cubo gelatinoso
ao vidro vêm as sílabas dos suspiros da manhã
às páginas em pétalas adormecidas
é no cansaço da vida que acorda a maré de Outubro
e os pilares de aço que sustentam as arcadas imaginárias dos barcos
dormem
tombam nos jardins cobertos de nuvens

peço às gaivotas que me deixem caminhar sobre o manto vertical de espuma
em cristais de iodo e sorrisos de silício

papeis dispersos nas ruas desenhadas nos lábios da cidade
em compasso
dormem
tombam nos jardins cobertos de nuvens

as tuas mãos de Primavera.

(poema não revisto)

domingo, 30 de setembro de 2012

Não existe louco amor no Oceano da solidão

Não existe,
elevam-se na infinita tarde de Outono as mãos da Primavera, a viagem invisível do cais recheado de sombras e socalcos de suor não termina nunca, e o telegrama da morte enrola-se nas oliveiras misturadas em aventuras e palavras sem destino,

- ai o que eu sofro, oiço-o constantemente como se o galo falante da vizinha se transformasse nele, e ele sem perceber que na noite da aldeia vagueiam roseiras embrulhadas em versos de amor, o amor começa a evaporar-se e uma azul garrafa de espumante absorve-o, alimenta-se dele, com borbulhas encarnadas,

deixou de existir o mar onde me escondi numa manhã de Setembro, e mergulhei até fingir que a vida é uma mera confusão de nomes e mulheres sobre as mesas do bar suspenso nas teias de aranha do silêncio, não existe a maré de Agosto, não existe

- ai o que eu sofro,

as margaridas de papel e os crisântemos, não existem barcos como antigamente que rompiam a solidão na esperança de regressarem dos prometidos sonhos e subiam as escadas da infância até ao sótão da escola primária onde brincava a ardósia com sorrisos infestados de cintilantes pálpebras abraçadas às finíssimas asas de vento que sobre o rio sem nome desapareciam, orgulhosamente distante, ouvia-o, eu, só

- ai...

ouvia-o nos suspiros húmidos do corpo almofadado, do céu desciam cordas e algumas frases sem nexo, as cordas construídas pelos gemidos gritavam e ordenavam aos pássaros assassinos que matassem todos os livros da aldeia, os poemas morrem de tédio e não existe

- ai o que eu sofro,

não existe amor que sobreviva ao Oceano da solidão,

- sinto-o quando abro a janela de incenso e um profundo olhar sobre o mar que deixou de existir numa manhã de Setembro diz-me que as abelhas odeiam os meus desenhos, e um profundo olhar sobre o mar que deixou de existir numa manhã de Setembro diz-me que as rosas com perfume artificial odeiam os meus poemas e textos, e oiço-o na loucura do prazer a alicerçar o terraço da aldeia às sílabas transparentes,

não existe louco amor no Oceano da solidão, e todos os barcos do céu voam como todos os pássaros da terra navegam nas águas da tristeza, e as noites parecem o inferno enfeitado com plumas e pulseiras de marfim, enfim, amanhã, transparentes todas as ruas da cidade,

- ai o que eu sofro, e deixei de o ouvir.

(texto de ficção não revisto)

sábado, 29 de setembro de 2012

O céu de estrelas vermelhas


Há olhares suspensos no canganho da saudade
há saudade dissolvida na esfera da manhã
quando o rio esmagado pela tristeza do sol
dorme docemente entre as nuvens de algodão
olho os teus seios sem sentido
em busca da água fresca da montanha

evaporo-me
e escondo-me
quando as cortinas dos teus cabelos
e evaporo-me
e escondo-me
nos teus lábios desenhados na sombra da noite

quando as cortinas dos teus cabelos enlouquecem os machimbombos
que brincam nas ruas de uma fotografia
e Luanda desaparece
e de Luanda chega até mim o cheiro da neblina que afaga um papagaio de papel

prendo o cordel ao portão de entrada
e sinto
evaporo-me
e escondo-me
e sinto o quintal a subir até ao céu de estrelas vermelhas

e sei que na lua...
os teus seios
e sinto
nas rodas dentadas do tempo
as árvores de papel prensado
e sei que na lua habita um menino com um triciclo de mel.

(poema não revisto)

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Se o amor existe (quero-o)


Às escadas solitárias
da casa assombrada
um vidro de imensidão fúnebre
abraça o cadáver da noite
pergunto-me se o amor existe
ou
ou não passa de um sonho encalhado no oceano da insónia
perfeitamente mergulhada nas planícies entre as paredes da infância

às escadas
a solidão
às escadas da morte o perfume das rosas de papel
que a miúda do rés-do-chão esquerdo construiu com sorrisos de medo
e lágrimas de incenso

é de noite
e todas as estrelas dormem dentro da casa assombrada

às escadas solitárias
chegam os uivos e gemidos de um mar imaginado
que o miúdo com sorrisos de medo
irmão da miúda com sorrisos de medo
espera pela chegada das árvores do Outono

é de noite
e todas as estrelas dormem dentro da casa assombrada

e eu sinto-me milimetricamente enjaulado nas três paredes de veludo
com um crucifixo suspenso
circunflexo
à roulote da vida
o circo com trapezistas e palhaços e crianças com sono

é de noite
e todas as estrelas dormem dentro da casa assombrada
pergunto-me se o amor existe
e percebo que todos os cigarros da saudade
morreram
e hoje uma ténue luz substitui a clarabóias do sonho

se o amor existe
(quero-o).

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A ponte às vezes em direcção ao mar


Às vezes perco-me nos corredores dos arbustos que vivem nos meus olhos de vento
corro em direcção ao mar
e abraço-me aos cristais de prata que a garganta dos barcos enjoados
vomita contra as palavras de miséria

atravesso a ponte
e começo a voar até ao infinito destino da maré
e oiço os gemidos das andorinhas
a construírem a primavera que acordará depois de adormecer o inverno de ontem

às vezes visto-me com folhas de árvore
e bebo a saliva que as lágrimas do céu
deixam cair sobre as montanhas que beijam o rio da saudade

corro
às vezes
em direcção ao mar

mergulho nas planícies cansadas do abismo
antes de adormecer
e encerrar todas as luzes dentro da minha mão

(poema não revisto)

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Lua de papel


Há uma lua de papel
dentro de ti
redondinha
quadrada
à espera de ser amada
há uma lua
sem ti
senti
nas paixões do homem de prata
uma lua dentro de ti
que afaga a cidade
e ilumina a calçada

há uma lua endiabrada
dentro do teu ventre de mar
uma lua
uma lua de nada
nos braços de uma flor

há uma lua dentro de ti
vestida
embrulhada em finíssimos sorrisos de pérola adormecida

há uma lua de papel
dentro de ti
uma lua com sabor a mel
dentro de ti
há uma lua
com portas e janelas e olhos de vidro

há uma lua de papel
nos lábios
dentro de ti
o desejo verso da solidão ausente
feliz
nos lábios
contente porque nas acácias vêem-se os pássaros do silêncio tua dor
uma lua de papel nos braços de uma flor.

(poema não revisto)

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Coração de diamante

Quando sorri o sol
acorda uma nuvem
e o desejo da noite
sobressai nas entranhas da lua

a singela madrugada em flor
galgando ruas e calçadas
comendo poetas em dor
(escrevendo no chão molhado poemas de “merda”)

a singela madrugada em flor
à porta dela
vomitando palavras de amor
nas encruzilhadas
molhadas
que as mandíbulas do oceano
crescem nas árvores cansadas
que amanhã
o outono
tombará
como os sinos de luz
suspensos na água dos teus cabelos

quando sorri o sol
e nos teus olhos de mar
uma nuvem de esperança
sobressai nos teus lábios
como se nos dias de lua cheia
todos os barcos rompessem a neblina das tardes sem destino
a casa cai
tomba como as folhas das árvores
e cobre os poemas escritos no chão molhado das oliveiras em flor
e tudo
quando sorri o sol
e na tua mão poisa um coração de diamante...