Não existe,
elevam-se na infinita
tarde de Outono as mãos da Primavera, a viagem invisível do cais
recheado de sombras e socalcos de suor não termina nunca, e o
telegrama da morte enrola-se nas oliveiras misturadas em aventuras e
palavras sem destino,
- ai o que eu sofro,
oiço-o constantemente como se o galo falante da vizinha se
transformasse nele, e ele sem perceber que na noite da aldeia
vagueiam roseiras embrulhadas em versos de amor, o amor começa a
evaporar-se e uma azul garrafa de espumante absorve-o, alimenta-se
dele, com borbulhas encarnadas,
deixou de existir o mar
onde me escondi numa manhã de Setembro, e mergulhei até fingir que
a vida é uma mera confusão de nomes e mulheres sobre as mesas do
bar suspenso nas teias de aranha do silêncio, não existe a maré de
Agosto, não existe
- ai o que eu sofro,
as margaridas de papel e
os crisântemos, não existem barcos como antigamente que rompiam a
solidão na esperança de regressarem dos prometidos sonhos e subiam
as escadas da infância até ao sótão da escola primária onde
brincava a ardósia com sorrisos infestados de cintilantes pálpebras
abraçadas às finíssimas asas de vento que sobre o rio sem nome
desapareciam, orgulhosamente distante, ouvia-o, eu, só
- ai...
ouvia-o nos suspiros
húmidos do corpo almofadado, do céu desciam cordas e algumas frases
sem nexo, as cordas construídas pelos gemidos gritavam e ordenavam
aos pássaros assassinos que matassem todos os livros da aldeia, os
poemas morrem de tédio e não existe
- ai o que eu sofro,
não existe amor que
sobreviva ao Oceano da solidão,
- sinto-o quando abro a
janela de incenso e um profundo olhar sobre o mar que deixou de
existir numa manhã de Setembro diz-me que as abelhas odeiam os meus
desenhos, e um profundo olhar sobre o mar que deixou de existir numa
manhã de Setembro diz-me que as rosas com perfume artificial odeiam
os meus poemas e textos, e oiço-o na loucura do prazer a alicerçar
o terraço da aldeia às sílabas transparentes,
não existe louco amor no
Oceano da solidão, e todos os barcos do céu voam como todos os
pássaros da terra navegam nas águas da tristeza, e as noites
parecem o inferno enfeitado com plumas e pulseiras de marfim, enfim,
amanhã, transparentes todas as ruas da cidade,
- ai o que eu sofro, e
deixei de o ouvir.
(texto de ficção não
revisto)