foto: A&M ART and Photos
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(ao Rei dos Sonhos)
Sabia-te quando terminavas nos sonhos e caminhavas
no corredor da saudade, ouvia-te dançar sobre o mosaico porcelana da
piscina em forma de rua, perdida, tu, corrias em direcção às
escadas de acesso da rua dos pequenos beijos de porcelana, dormias
entretanto, profundamente, pensava eu, quando olhava nos teu olhos
cerrados as imagens reflectidas de uma louca e antiga máquina de
slides, o picotado desenhado numa fina película de plástico
retirada a um saco incolor de supermercado, finíssima, ela não
maior do que um carro de linhas, que servia de carreto que com uma
manivela de arame fazia rodar as imagens em frente de uma lâmpada,
dormias, dormias, ainda dormes, e eu, permanentemente às voltas com
a manivela a inventar imagens picotadas numa tira de plástico com
uma agulha esquecida juntamente com o dedal da minha mãe,
a inventar imagens desde 1976,
Fundiam-se-lhe lâmpadas que só posteriormente
percebíamos a escuridão das equações diferenciais que tínhamos
para resolver, elas, como eles, poisavam sobre a mesa da sala de
jantar, ficavam lá, perdidas, fazíamos-las esquecidas, e às vezes,
poucas, só com a ajuda de drageias, elas, as equações (macho e
fêmea) acordavam do sono incrédulo que Deus nunca acreditou e aos
berros
preguiçosos,
preguiçosas,
Sabia-te quando terminavas, acordavas, abrias as
janelas do teu corpo, e deixavas entrar a luz que o espelho do
guarda-fato absorvia da velha máquina de slides, havia imagens
dentro de ti, e só quando te acariciava os seios, e só quando te
beijava os lábios de sonâmbulo cravo vermelho, e só
que desenhos mais esquisitos, como corredores,
pássaros, migalhas de aço e sobras de vento,
E só quando deitava a minha cabeça nas tuas coxas,
sentia eu, sentias tu, as imagens todas, as de ontem, as de antes de
ontem, e as imagens de infância, saíam do espelho do guarda-fato,
sentavam-se um pouco sobre a mesa-de-cabeceira, apenas para nos
contemplarem, e só depois, começavam a entrar em ti, e no fim, eu
entrava também, e tinha como missão, encerrar a porta,
hermeticamente, e dentro de ti, saltava, brincava, dormia, como tu
a inventar imagens desde 1976,
Como tu, dentro de uma piscina, caminhando a passos
apressados como se a rua estive quase a fechar-se, e a carapaça de
tartaruga aos poucos, em pequeninos milímetros de cada vez, até
todo o tecto baixar, e tu, desapareceres, em corrida, dentro de água
com o cheiro a saudade, com o silêncio dos cobertores suspensos nas
pálpebras tuas, que dormias, sossegadamente como um anjo louco, de
caligrafia como pequenas mandíbulas de areia, como eu, desesperado
procurando por ti, dentro de água, dentro de uma caixa de sapatos
onde funcionava uma pequena máquina de slides,
Com refrigeração,
a fundir lâmpadas desde1983,
E tubos de néons sobre a porta de entrada,
“sabia-te quando terminavas nos sonhos e caminhavas no corredor da
saudade, ouvia-te dançar sobre o mosaico porcelana da piscina em
forma de rua, perdida, tu, corrias em direcção às escadas de
acesso da rua dos pequenos beijos de porcelana, dormias entretanto,
profundamente, pensava eu, quando olhava nos teu olhos cerrados as
imagens reflectidas de uma louca e antiga máquina de slides, o
picotado desenhado numa fina película de plástico retirada a um
saco incolor de supermercado”, e uma campainha de serviço, um gajo
feio, como eu, devidamente fardado a preencher os impressos para a
atribuição de subsídios para a construção de máquinas de
slides, e eles
apenas com uma caixa de sapatos, uma lâmpada, duas
pilhas de volte e meio, alguns fios eléctricos, um pedaço de vidro
que fazia de lente, e cerca de cinquenta centímetros de plástico
com cerca de seis centímetros de largura, e um carrinho de linhas, e
claro, a manivela em arame... e um pedaço de pano que apelidamos de
lençol,
Com refrigeração?
e desenhos pacientemente desenhados com uma agulha,
A fundir lâmpadas desde1983,
pacientemente eu, a perder parafusos desde Janeiro
de 1966.
(não revisto; parte deste texto não é
de ficção e aconteceu com o meu amigo de infância - infelizmente
já falecido - JÚLIO)
@Francisco Luís Fontinha