terça-feira, 25 de março de 2014

Aqui perdidas em ti


Aqui vou procurando as sílabas perdidas em ti,
aqui abraço o cansaço dos teus lábios,
aqui adormeço, aqui... aqui habito como um sonâmbulo embriagado,
uns dias olho o luar, outros... outros apetece-me chorar,
aqui não há mar,
gaivotas,
cacilheiros travestidos de neblina,
aqui, eu, percorro as cinzas do teu olhar,
e sonho, e penso, e quero partir como partem as andorinhas depois do término da Primavera,
aqui me esqueço, aqui...
aqui fundeio o meu cadáver de pano,
e grito, Aqui... Aqui a vida é um engano,

Aqui me amanho como um rebanho de desejo,
escondo-me na montanha do adeus, e nada, e nada,
aqui tenho livros que não quero ler,
odeio as palavras, odeio o querer...
querer que não tendo vou ter,
o quê?

Que aqui vou procurando as sílabas perdidas em ti,
os jardins sem flores,
as nuvens tão negras, tão negras... que é sempre noite,
sempre... sempre noite,
aqui não há Cais do Sodré,
machimbombos, mangueiras... papagaios em papel colorido,
aqui me enforco, aqui habito imaginando que tenho ossos, que tenho vida...
tecto com estrelas em chita, aqui... aqui nada me excita,
nem as palavras, nem as imagens das fotografias assassinadas,
aqui não há madrugada,
amanhecer,
aqui, aqui apenas existe dor, aqui, aqui apenas existe... engano.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 25 de Março de 2014

segunda-feira, 24 de março de 2014

Viagem ao centro dos teus olhos


Verdes pergaminhos do amanhecer amargurado,
cintilantes madrugadas com sabor a desejo,
vagabundas manhãs infestadas de corações de mel,
viajo dentro de ti como os pássaros quando regressa a chuva miudinha,
verdes cansados beijos,
verdes lábios,
… boca dispersa na Primavera das flores campestres,
verdes olhos, verdes... verdes pergaminhos do amanhecer amargurado,
viajante solitário procurando abrigo, e um abraço se levanta do chão,
e dou-me conta que é noite,
cortinados cerrados...
e da tua janela... e da tua janela apenas uma sombra de silêncio.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 24 de Março de 2014

domingo, 23 de março de 2014

Noite em mim aos tentáculos sonoros do meu peito

foto de: A&M ART and Photos

A noite não regressa, a noite é uma prostituta convicta, fã da escuridão,
eu, eu pertenço à noite, os teus lábios são filhos da noite, e as estrelas convencem-te que existe vida nas pedras, que existe vida nas árvores e gaivotas, que existe vida nos velhos cacilheiros...
atiro-me ao rio e procuro as tuas mãos que pertenceram ao meu rosto,
vivo, respiro pigmentos coloridos de saudade, e... e como fã da noite, sofro como sofrem os veleiros quando cessa o vento,

A noite entranha-se em mim, oleia-me os tentáculos sonoros do meu peito,
finjo viver quando lá fora, quando do outro lado da rua... não vivem, não existem...
nem noite, nem estrelas... e apenas uma corda de nylon me aprisiona a este cais poético derramando palavras nas searas de Carvalhais,
e escondia-me dentro do canastro... e sonhava que um dia, eu, eu pertenceria à noite.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 23 de Março de 2014