foto de: A&M ART and Photos
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Não sei quem és, como te vestes e o que
pronuncias, não sei se és um pássaro em decomposição, uma árvore
solitária que habita os jardins da cidade adormecida, tão pouco se
és a madrugada, o Domingo quase a terminar, a noite a nascer, não,
não sei o que és e quem tu és,
Como posso eu sorrir às tuas lágrimas? Percebes-me
agora? O Domingo em término, a noite quase noite, a crescer e a
erguer-se na tua boca de cristal, e quase não oiço as tuas palavras
de porcelana, e quase, a janela da paixão a encerrar-se eternamente,
para sempre e só..., hoje tu, amanhã eu, depois as pedras e os
canteiros, as flores, os pinheiros de uma infância entre o mar e a
montanha, sinto-me prensado, sinto-me um muro argamassado pela
tristeza,
Quem sou?
Não sei, nunca soube, talvez... talvez no Domingo
que vem, talvez amanhã, talvez no descanso das roldanas, uma corda
em direcção ao sexto andar, subo as escadas, sinto-me cansado, os
cigarros, a idade, a saudade, novamente os cigarros,
Oiço-os como testemunhas de uma fogueira em
evaporação,
Cigarros vadios, como-os vivos, oiço-te e não sei
Quem sou?
Sim, e tu, quem és, o que fazes aqui, aqui dentro
de mim?
Uma esplanada vazia, e regressa o dia da Poesia e eu
sem poemas para ti... porque, porque não sei quem és, o que fazes
dentro de mim, deixas-me cansado, ausente, embriagado, e sei que
algures nessa cidade vives e choras, e recordas meia dúzia de
cartas, poucas palavras,
E eu, eu sem poemas para ti,
Quem sou?
O vento, sim o vento, pensas que eu sou o vento?
Sim, penso, imagino-te sentado na esplanada vazia, apenas uma mesa e
quatro cadeiras, conversas com duas ou três sombras, bebes uma
bebida invisível, pegas num livro, voltas a poisa-lo sobre a mesa,
depois vais à gabardina e puxas de um pequeno caderno, acendes o
cigarro, desorientadamente...
Quem sou?
O cigarro acende-se a ele próprio, ganha vida como
as tuas palavras, sofre e chora, e acredita na tristeza como acredita
que tu, sim tu
O vento!
Sim eu, percebo que me imagines como o vento quando
se alicerça na minha pele, sim como o vento, quando rodopia em redor
dos meus seios, e tu, e tu
Eu?
Oiço a voz, oiço-os a arder na escuridão de um
final de Domingo, amanhã, amanhã talvez..., amanhã talvez “uma
esplanada vazia, e regressa o dia da Poesia e eu sem poemas para
ti... porque, porque não sei quem és, o que fazes dentro de mim,
deixas-me cansado, ausente, embriagado, e sei que algures nessa
cidade vives e choras, e recordas meia dúzia de cartas, poucas
palavras”, e eu, e... eu,
Só, eu e uma corda em direcção ao sexto andar...
E eu, eu sem poemas para ti,
Quem sou?
(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 16 de Março de 2014