domingo, 16 de março de 2014

Testemunhas de uma fogueira em evaporação

foto de: A&M ART and Photos

Não sei quem és, como te vestes e o que pronuncias, não sei se és um pássaro em decomposição, uma árvore solitária que habita os jardins da cidade adormecida, tão pouco se és a madrugada, o Domingo quase a terminar, a noite a nascer, não, não sei o que és e quem tu és,
Como posso eu sorrir às tuas lágrimas? Percebes-me agora? O Domingo em término, a noite quase noite, a crescer e a erguer-se na tua boca de cristal, e quase não oiço as tuas palavras de porcelana, e quase, a janela da paixão a encerrar-se eternamente, para sempre e só..., hoje tu, amanhã eu, depois as pedras e os canteiros, as flores, os pinheiros de uma infância entre o mar e a montanha, sinto-me prensado, sinto-me um muro argamassado pela tristeza,
Quem sou?
Não sei, nunca soube, talvez... talvez no Domingo que vem, talvez amanhã, talvez no descanso das roldanas, uma corda em direcção ao sexto andar, subo as escadas, sinto-me cansado, os cigarros, a idade, a saudade, novamente os cigarros,
Oiço-os como testemunhas de uma fogueira em evaporação,
Cigarros vadios, como-os vivos, oiço-te e não sei
Quem sou?
Sim, e tu, quem és, o que fazes aqui, aqui dentro de mim?
Uma esplanada vazia, e regressa o dia da Poesia e eu sem poemas para ti... porque, porque não sei quem és, o que fazes dentro de mim, deixas-me cansado, ausente, embriagado, e sei que algures nessa cidade vives e choras, e recordas meia dúzia de cartas, poucas palavras,
E eu, eu sem poemas para ti,
Quem sou?
O vento, sim o vento, pensas que eu sou o vento? Sim, penso, imagino-te sentado na esplanada vazia, apenas uma mesa e quatro cadeiras, conversas com duas ou três sombras, bebes uma bebida invisível, pegas num livro, voltas a poisa-lo sobre a mesa, depois vais à gabardina e puxas de um pequeno caderno, acendes o cigarro, desorientadamente...
Quem sou?
O cigarro acende-se a ele próprio, ganha vida como as tuas palavras, sofre e chora, e acredita na tristeza como acredita que tu, sim tu
O vento!
Sim eu, percebo que me imagines como o vento quando se alicerça na minha pele, sim como o vento, quando rodopia em redor dos meus seios, e tu, e tu
Eu?
Oiço a voz, oiço-os a arder na escuridão de um final de Domingo, amanhã, amanhã talvez..., amanhã talvez “uma esplanada vazia, e regressa o dia da Poesia e eu sem poemas para ti... porque, porque não sei quem és, o que fazes dentro de mim, deixas-me cansado, ausente, embriagado, e sei que algures nessa cidade vives e choras, e recordas meia dúzia de cartas, poucas palavras”, e eu, e... eu,
Só, eu e uma corda em direcção ao sexto andar...
E eu, eu sem poemas para ti,
Quem sou?

(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 16 de Março de 2014

O vento das canções de Outono

foto de: A&M ART and Photos

Dizias-me que eras o vento das canções de Outono,
e eu, eu acreditei, escrevi palavras para essa canção...
desenhei beijos para os teus lábios,
dizias-me que te chamavas “menina do mar” de do mar... não eras nada,
nem onda, nem pôr-do-sol... nem jangada,
um dia fizeste-me acreditar que eras livro de poesia,
eu tentei, tentei ler, folhear... e não eras nada,
apenas uma esbranquiçada página com um palavra... “saudade”,
dizias-me que tinhas na mão a caneta das minhas palavras,
eu, eu sentia-a no meu rosto, como o vento das canções de Outono,
e eu, eu acreditei na tua pele com flores de papel,
e tudo o que me disseste... hoje, hoje escrevo-o na rocha embalsamada na montanha do “adeus”.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 16 de Março de 2014

sábado, 15 de março de 2014

Simplesmente... me inventas

foto de: A&M ART and Photos

Inventas o prazer nas folhas pergaminho do desejo,
há uma caneta de tinta permanente pronta em ti a escrever,
sombrear o teu corpo de espuma em finíssimos traços de madrugada,
há silêncio nas tuas pálpebras enquanto imagino o poema que vou declamar no teu olhar,
e a cidade adormece sobre o travesseiro da paixão,
inventas o amor, inventas-me na escuridão,
simplesmente... me inventas, fazes de mim uma triste flor, a palavra que teimo em não pronunciar,
inventas na minha boca as caricias infinitas dos círculos do amanhecer,
e depois,
e depois... e depois desapareces nos carris que o aço alimenta, e desenhas na parede do medo o ciume,
amar, não amar, ser amado... não ser amado, … sou eu,
inventas o prazer e o meu corpo é um esqueleto de veludo...

Um barco em esferovite das brincadeiras de menino,
inventas o prazer disfarçado de naftalina, dentro do armário apodrecido,
dás-me cigarros para eu fumar e fumo-os como se precisasse de fugir,
correr, subir a montanha... e voar em ti,
sorrir... dou-me conta que deixei de sorrir, de viver... como viviam os pássaros na aldeia,
inventas as bonecas que dormem nos musseques, e dos zincos telhados... a solidão,
há entre nós a melódica canção, o corpo mergulhado em lençóis de linho,
a janela de onde é impossível olhar o mar, o Mussulo... e a Baía,
Inventas-me nos quadriculados cadernos, fazes de mim uma equação trigonométrica,
sem resolução,
um barco, dizes-me que sou um barco...
que inventaste para te divertires enquanto não regressa a ti o sonho e a noite e a insónia toma conta dos teus lábios...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 15 de Março de 2014