O imperfeito incrédulo transeunte
emagrecido
nas pálpebras azuis do destino
podia acordar a alvorada
e escrever nas paredes cansadas
que as arcadas cadeiras sem focinho
constroem na insignificante janela do
Outono
ai a cidade com um rio travestido de
mar
e o mar
e o mar em engates na maré do silêncio
o amor é o amor
das palavras
e no corpo tua boca em soluços
madrugadas,
o amor amar os barcos em sucata
pedacinhos de aço
nos lábios desejados das ranhuras
frestas do granito jazigo literário
os poemas em festa
orgias
e danças de salão na cave do
eléctrico para Belém
deixando a Ajuda nas águas
transversais adormecidas das gargantas loucas
e eu procuro-te pensando nas árvores
infinitas tuas mãos
abraças-me?
dar-me-ás um beijo invisível com
sabor a chocolate?
abraças-me nas finíssimas argolas de
papel suspensas no tecto da algibeira?
e as vacas do tio Serafim comeram toda
a erva do meu caderno preto,
e dou-me conta que não estou louco
nem doente
estou apaixonado
feliz por ser amado
e é nos momentos que me apetece
adormecer eternamente
que quero amar loucamente os cortinados
loiros dos teus olhos encarnados
(O imperfeito incrédulo transeunte
emagrecido
nas pálpebras azuis do destino
podia acordar a alvorada)
podia adormecer a noite
e todas as lâmpadas se extinguirem nas
sombras da calçada
porque eu não me importo que chovam as
palavras que a cidade transpira,
não me importo das vacas do tio
Serafim
nem dos livros ainda não escritos
e dos poemas que apenas fazem parte do
teu ventre lilás de sílaba acácia
que os dias mortos desenham na areia
não me importo da chuva
e do vento sem vento fingindo ser vento
porque a paixão come a erva do meu
caderno preto
perco todas as palavras semeadas na
Primavera
perco as gaivotas melancólicas do Tejo
enjoado
também ele apaixonado
pelas pequenas flores que os barcos
transportam
e deixam abandonadas no fundo oceano o
desejo construído com os insectos...
(poema não revisto)