quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Estar só

Estar só
entre a chuva odiada
quando derramada
dentro dos alicerces do cansaço
à espera do sono
perdido na memória
estar só
sentado numa pedra sem nome
sem destino
sem futuro
sem caminho
entre a chuva odiada

estar só
no silêncio das palavras aparvalhadas
quando derramadas
nos canteiros com flores adormecidas
cansadas
fodidas
como eu
sem janelas
nem portas para o céu
estar só
como eu
sem tecto para poisar o meu esqueleto ensanguentado de insónia...

Algures em pleno deserto...

terça-feira, 7 de agosto de 2012

as carícias do homem morto

Estas coisas são patéticas
como o amor
o sol
e as nuvens
a paixão é patética
e às palavras faltam-lhes as carícias do homem morto

sou patético
e sem significado

(ALBERTÔ)

sinto nas minhas palavras
as palavras de “merda”
patéticas
sou patético
e sem significado

(NÃO TENHO SONHOS
NEM ACREDITO NO FUTURO)

Estas coisas são patéticas
como o amor
o sol
e as nuvens

e não tenho jeito para a meteorologia da poesia.

domingo, 5 de agosto de 2012

As paredes da insónia

Eu acreditava
nas palavras de ti
sem perceber que em cada noite
desaparecia uma estrela no céu

hoje as palavras de ti
são fantasmas...

néons em magras sepulturas
que procuram a noite
nos caixotes de lixo da cidade
entre os parêntesis do entulho
e a vaidade
entre a saia bordalesa
e a vodka em beijos silenciosos aos cigarros proibidos
e deixei de acreditar nas palavras de ti

hoje as palavras de ti
são fantasmas...

imagens desfocadas
nas paredes da insónia.

sábado, 4 de agosto de 2012

os voos nocturnos dos beijos

Implorei-te incessantemente que amasses as palavras construídas
incessantemente
que amasses as paixões sem cabeça dos meus cigarros
(rebentou o pneu da bicicleta)
e imaginavas-me como um pássaro
livre
e que voava até ao infinito
(rebentou o pneu da bicicleta e fiquei-me pelos socalcos do douro)
e voei e amei e voltei a voar e novamente desamei
construí sonhos de algodão
em pedaços de xisto
e pintei o sol nas miseras tardes de inverno

e quereis que eu tenha juízo?

Subi as cordas invisíveis do choro
e roubei uma rosa numa noite de Agosto
sentei-me no lago com cheiro a morgue
e aos poucos comecei a pegar na tua mão franzina
(e não peguei na tua mão)
desastradamente por engano dentro dos voos nocturnos dos beijos
peguei no livro que estavas a ler
imaginei-o como sendo a tua mão cor de malmequer

(Grande otário este gajo sem cabeça)

e quando pensava que tinha a mão dela dentro da minha
o pneu
o pneu estilhaçado
de socalco em socalco
de vinha em vinha
Implorei-te incessantemente que amasses as palavras construídas
incessantemente
que amasses as paixões sem cabeça dos meus cigarros...

mas a lua ficava tão longe!

O inventor do sono

Foi ele que inventou o sono
e os folhados de insónia do amor
foi ele que pintou as árvores no jardim da saudade
e também foi ele que construiu a noite

foi ele que desenhou pássaros de papel
nas árvores pintadas no jardim da saudade
foi ele que trouxe as palavras que viviam nos corações apaixonados
depois das tempestades de verão

foi ele que inventou o sono
de insónia do amor

foi ele que subiu as escadas até ao sótão das ruas de Luanda
sentou-se sobre uma pedra junto a um charco
olhou em redor os musseques
e desapareceu entre o fumo da fogueira da morte...

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Milimetricamente prisioneira dos teus olhos

Do sossego mísero cansaço de caminhar sobre a neblina da tua pele milimetricamente
prisioneira do espelho da casa de banho
os teus olhos mergulhados no desejo das flores imperfeitas
às nuvens de chocolate suspensas no púbis das tardes de outono
os livros
e as palavras
a terra húmida diluída nas veias da tempestade
abrem-se as portas da morgue
olhas o meu corpo sobre o mármore da infância
ao pequeno-almoço
a poesia da tua pele milimetricamente
prisioneira do espelho da casa de banho

oiço-te nas palavras
os livros
e as palavras

o arco da corda suspenso na árvore
que em jejum percorre a tua pele milimetricamente
prisioneira do espelho da casa de banho

termina a vida
e todos os males que infestam as florestas
olhas o meu corpo sobre o mármore da infância
ao pequeno-almoço
e uma gaivota não se cansa de chorar
sobre o meu peito
onde alguém durante a noite
plantou um embondeiro
com uma cabeça de vidro
e mãos de sonho
platonicamente me abraças
e escreves o meu nome na areia invisível da tarde.